Candidato russo ao Oscar, Uma Mulher Alta retrata traumas femininos de guerra
“Uma Mulher Alta” é um drama humano que remete a questões femininas, como a reprodução, num contexto de guerra, em que as mulheres estão mutiladas, abaladas psicologicamente, sofrendo as consequências do conflito que recém-terminou. A trama se passa em Leningrado (hoje, São Petersburgo) em 1945, ao final da 2ª Guerra Mundial, em que a cidade sofreu um dos piores cercos da história. O olhar do filme, inspirado no livro “A Guerra Não Tem Rosto de Mulher”, de Svetlana Aleksiévitch, é justamente sobre as consequências que a guerra deixa na vida e no corpo das mulheres. Um enfoque de gênero muito apropriado, já que o que conhecemos mais é o efeito bélico que destrói os homens, sempre vistos como protagonistas, os principais atores da trama. No evento abordado em “Uma Mulher Alta” reconhece-se também uma situação que envolveu mais intensamente as mulheres no contexto de guerra na resistência russa. As personagens que representam essas mulheres são Iya (Viktoria Miroshnichenko), a grandona desajeitada que inspira o título brasileiro, e Masha (Vasilisa Perelygina). Figuras heroicas pelo que fizeram e continuam fazendo pelos mutilados e mutiladas de guerra, como elas próprias. Tentam reconstruir suas vidas, como todos, mas esbarram em barreiras pessoais que remetem de forma direta à guerra que tiveram de vivenciar. E, ao tentarem se desvencilhar ou contornar suas limitações, acabam por gerar novos dramas e problemas, ao invés de superá-los ou vencê-los. Tudo isso é mostrado numa narrativa que enfatiza os sentimentos, a frustração e o desespero, em especial, numa caracterização de época feita com muito cuidado e delicadeza. A paleta de cores em que dominam o verde e o ocre dá destaque a esse drama e o calor dos sentimentos. Os veículos e os objetos de cena são em grande parte autênticos da época, cedidos por museus russos, como o dos transportes. As recriações e o figurino procuram respeitar com fidelidade os ambientes e as pessoas, sem exagerar no sentido passadista. Há uma intenção de tomar aquele momento e situação passados como fontes de reflexão para o presente, em sintonia com uma visão feminista atual. Duas ótimas jovens atrizes protagonizam o trabalho, oferecendo força e consistência psicológica a suas personagens. Os homens e as outras mulheres com quem elas contracenam complementam e valorizam esse bom desempenho das estreantes Viktoria Miroshnichenko e Vasilisa Perelygina. O diretor Kantemir Balagov em seu segundo longa, após “Tesnota”, de 2017, realiza um trabalho com a câmera que produz envolvimento e tensão, enquadramentos que nos aproximam da personalidade daquelas mulheres e nos põem dentro do forte drama que elas vivem. “Uma Mulher Alta” é a indicação russa para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional, já passou por vários festivais internacionais, tendo alcançado premiações em Cannes (Melhor Direção e Prêmio da Crítica na mostra Um Certo Olhar) e também em Genebra, Montreal e Estocolmo.
Um Dia de Chuva em Nova York mostra desilusão de Woody Allen com a vida
Chegará o dia em que os filmes dos anos 2010 de Woody Allen serão revalorizados. Claro que isso só o tempo dirá, mas, a impressão que dá, vendo “Um Dia de Chuva em Nova York” (2019), é que o tom do filme lembra bastante o de algumas obras de Éric Rohmer ou de Hong Sang-soo. Não há um compromisso com o naturalismo nas interpretações, no ritmo das falas. No caso do filme de Allen, a velocidade dos acontecimentos é coerente com a agilidade dos diálogos. Há, como sempre, a projeção da própria persona de Woody Allen em seus personagens, e isso se vê em ambos os protagonistas. Enquanto Timothée Chalamet simboliza aquele aspecto mais amargo e pouco entusiasmado com a vida, ainda que não tanto quanto o protagonista de “Homem Irracional” (2015), que chegava ao niilismo, temos também a personagem entusiasmada, vivida com encanto por Elle Fanning. Ele vem de uma família abastada de Manhattan, embora não fique nada à vontade com suas origens e viva fugindo dos familiares e de uma festa que deveria estar presente; ela também vem de família rica, seu pai é um banqueiro em Tucson, Arizona, mas é alvo de chacota, por causa do lugar de origem, pelos amigos nova-yorquinos de Gatsby (personagem de Chalamet), que a consideram uma caipira. O filme começa com uma narração em voice-over por Gatsby, que confessa estar apaixonado por Ashleigh (Fanning), e isso lhe traz mais prazer de viver. Ela precisa ir a Nova York para entrevistar um famoso diretor de cinema para seu trabalho na faculdade e os dois partem para um par de dias em Manhattan. Gatsby tinha seus planos para o dia com Ashleigh: visitar museus, comer em bons restaurantes, passear bastante. Mas aí surgem alguns empecilhos, já que o diretor (Liev Schreiber), muito provavelmente por parecer atraído pela jovem estudante, decide dar-lhe um furo de reportagem, dizer o quanto está desgostoso com o projeto e ainda por cima mostrar uma prévia do novo filme, ainda em fase de produção. Uma oportunidade dessas Ashleigh não ia perder. E por isso vai adiando o encontro com o namorado, que vai sendo cada vez mais deixado de lado. As trajetórias de Gatsby e Ashleigh vão seguindo por caminhos opostos com relação ao encaminhamento de como ver a vida: enquanto ela parece uma criança em uma loja de doces à frente daquele universo hollywoodiano, com homens mais velhos da indústria bastante interessados sexualmente naquela jovem bela e com um figurino que lembra uma colegial, ela parece totalmente dona da situação, tanto por ser desejada até mesmo por um ator símbolo sexual (personagem de Diego Luna). Enquanto isso, sentindo uma falta enorme da namorada, Gatsby visita um set de filmagens de um amigo estudante de cinema e dá de cara com a irmã de uma ex-namorada, Chan (Selena Gomez), uma personagem atraente. Ele acaba participando do filme e a cena de beijo dos dois, num dos takes, é um dos pontos altos da temperatura erótica do filme. A outra cena boa, sensualmente falando, envolve a chegada de Ashleigh à casa do personagem de Diego Luna. Há quem veja a situação de Ahsleigh, ao final dessa situação, como humilhante, e talvez seja mesmo, mas há também algo de belamente erótico e perverso. Paralelamente, enquanto Ashleigh recebe uma bofetada ao ser exposta ao doce e ao amargo do showbizz hollywoodiano, Gatsby, ao ter uma conversa com a mãe, passa a ter uma ideia melhor de sua vida e de suas origens. Assim, “Um Dia de Chuva em Nova York” se torna um filme que apresenta uma visão agridoce da vida, num clima de desilusão que mistura parte do romantismo visto recentemente em “Magia ao Luar” (2014) com a amargura e a certeza de que a vida é que dá as cartas de “Café Society” (2016). Completando tudo isso, a fotografia linda do mestre Vittorio Storaro, que trabalhou com Allen no anterior “Roda Gigante” (2017), apresenta uma luz tão bela e tão própria do trabalho do cinematógrafo, que só é um pouco suavizada pela presença da chuva, símbolo das situações emocionalmente instáveis da vida de todos os personagens. Além do mais, não deixa de ser um alívio poder compartilhar mais uma vez o universo familiar e delicioso dos filmes de Allen, depois de tanta confusão causada pelas acusações de sua filha adotiva, que quase impediram o lançamento do filme, ao resgatar polêmicas da década de 1990 jamais comprovadas, mas revigoradas nesse momento de caça às bruxas. Mesmo agora, depois de ter entrado em um acordo com a Amazon, “Um Dia de Chuva em Nova York” segue inédito em seu país de origem. Enquanto isso, Allen já tem um novo filme em fase de pós-produção, rodado na Espanha.
Descubra três dramas que disputam indicações ao Oscar de Melhor Filme Internacional
Três filmes de passagem recente e meteórica pelo circuito comercial brasileiro representam indicações de seus países ao Oscar. Surpreendentemente, seguem em exibição, mas num só cinema ou num só horário. E são bons filmes, que mereceriam ser conhecidos. “Retablo” O filme é de 2017, foi exibido na Mostra de São Paulo do ano passado, mas é a indicação do Peru para o Oscar 2020, na categoria de Melhor filme internacional. Dirigido pelo cineasta e psicólogo Álvaro Delgado-Aparício, em seu primeiro longa, é um filme que lida com tradições, folclore, e um ambiente conservador, que torna tudo mais complicado e dramático. A trama aborda a tradição artística dos retablos – caixas artesanais portáteis, de madeira, com porta, que contém figuras de massa pintadas, que representam cenas religiosas ou cotidianas de famílias abastadas da elite local, como, por exemplo, dos políticos. É um belo trabalho que o reconhecido artesão Noé desenvolve e capacita seu filho adolescente de 14 anos, Segundo, para sucedê-lo. A narrativa se baseia na visão do adolescente. E foca na relação pai e filho. Essa bela arte tradicional será posta em xeque quando uma cena homoerótica é flagrada e não consegue ser assimilada pela sociedade conservadora e religiosa da localidade. Mais do que isso: é fortemente rejeitada e perseguida, sem abrir nenhuma possibilidade de assimilação. Como Segundo vai lidar com isso? Que caminho vai tomar? É por aí que o filme se coloca, questionando a visão conservadora, e explorando as manifestações artísticas e folclóricas que merecem ser preservadas. 101 min. “A Camareira” O drama de Lila Avilés, de 2018, é a indicação mexicana para concorrer ao Oscar de Filme Internacional. Sua narrativa concentra-se na vida penosa e frustrante de Eve, uma jovem mãe solteira que trabalha como camareira num hotel de luxo, na cidade do México, sem tempo para nada, nem mesmo para ver com regularidade seu bebê, cuidado por outra pessoa. Acompanhamos sua rotina e, como espectadores, vamos percebendo pouco a pouco o que a move, que expectativas tem, por onde passa seu desejo, que planos alimenta para o futuro e que ações toma, com base nisso. Vemos que o trabalho pesado e cansativo até promete, mas não cumpre. O que resulta disso é angustiante, especialmente quando uma esperança que parecia tão concreta não se realiza. Aí é que o filme ensaia caminhos e possibilidades, mas acaba não encontrando propriamente um rumo para a personagem. Ou prefere deixar em aberto, só sugerindo, esse rumo. As soluções individuais são mesmo muito complicadas, ou virtualmente inexistentes, quando um sistema explorador não oferece saídas reais, apenas doura a pílula, sendo até acolhedor ou afetivo sob alguns aspectos, mas sem resolver o cerne da questão. É como aquela história do gerente do banco que não resolve o que você precisa, mas o trata bem, oferece cafezinho e tal. De que adianta? “A Camareira” é um filme de clima, que nos põe no centro da vida de uma trabalhadora modesta, sem preparo, mas dedicada à função que ocupa, e que ousa ter esperança. Em certos contextos, no entanto, até sonhar é difícil. “Adam” Produção do Marrocos de 2018, dirigida por Maryam Touzani e indicada para concorrer pelo país ao Oscar de Filme Internacional, é um filme sobre mulheres desamparadas, cada qual à sua maneira. Põe em contato duas mulheres, uma, viúva com uma filha ainda pequena, que tenta sobreviver de forma estoica e a muito custo. Que se enrijece, endurece, mas não verga. É sua defesa, indispensável. Pelo menos até que encontra e acolhe uma jovem grávida, fora do casamento, o que é um problema moral no Marrocos, vagando pelas ruas sem casa ou trabalho. Do encontro das duas, vêm novas perspectivas. Uma modificará a outra, abrindo espaços para novas possibilidades e esperanças, num contexto muito difícil para ambas. Na verdade, para o trio, já que a menina que vive na casa, onde elas acabarão convivendo, servirá de elemento catalizador da relação, com a indispensável perspectiva do futuro que as crianças trazem. A maternidade está no centro dessa trama, em que as relações ocupam o lugar principal. A sempre possível perspectiva de mudança e o encontro consigo mesmo servem de elementos para uma história contada com sensibilidade e respeito pelos sentimentos, desejos e idiossincrasias de cada uma.
O Irlandês traz elenco sublime em obra-prima de Martin Scorsese
Cineastas católicos costumam lidar com a culpa de maneira muito intensa. Alfred Hitchcock, Abel Ferrara, Clint Eastwood, Robert Bresson, Éric Rohmer são alguns desses exemplos. Basta citar seus nomes para lembrar da temática da culpa em alguns de seus trabalhos mais marcantes. Mas Martin Scorsese, que vem tratando do peso dos atos de seus personagens, e possivelmente dele mesmo como espelho desses alter-egos, conseguiu chegar a um desses exemplares definitivos em que o remorso acompanha também o espectador, até pela duração e pelo andamento mais pausado – e de certa forma pesado – de “O Irlandês”. Se os filmes de máfia do diretor trazem momentos de euforia e alegria entre suas muitas mortes, Scorsese também sempre foi mestre em mostrar o fundo do poço, a descida aos infernos de seus personagens. Isso aconteceu em “Caminhos Perigosos” (1973), “Os Bons Companheiros” (1990), “Cassino” (1995) e até em “O Lobo de Wall Street” (2013), uma espécie de atualização do gênero. Porém, “O Irlandês” oferece algo de natureza distinta, feita com carta branca da Netflix, que investiu os US$ 159 milhões necessários para a realização deste projeto acalentado há mais de dez anos. O projeto nasceu quando Robert De Niro leu o livro de Charles Brandt, “I Heard You Paint Houses”, e ficou fascinado. Comentou com Scorsese, que percebeu o entusiasmo do amigo. Isso foi na época em que De Niro dirigiu “O Bom Pastor” (2006). Importante lembrar que Scorsese não se reunia com De Niro – e Joe Pesci – nas telas desde “Cassino” (1995). Qualquer reencontro seria cercado de expectativas. Ao incluir Al Pacino, então, a expectativa atingiu o infinito. O livro de Brandt, adaptado pelo roteirista Steve Zaillian (“A Lista de Schindler”, “O Gângster”), gira em torno de Frank Sheeran, um hitman da máfia que foi guarda-costas do líder sindical Jimmy Hoffa, e que conta sua própria versão dos fatos envolvendo a misteriosa morte do sindicalista, desaparecido em 30 de julho de 1975, e declarado morto 10 anos depois. É importante não saber detalhes dessa história – bem popular nos EUA, mas menos conhecida no Brasil – para não estragar as surpresas e principalmente o impacto que o filme provoca. A narrativa atravessa seis décadas e, para viver os personagens na fase mais jovem da vida, Scorsese recorreu a uma tecnologia de rejuvenescimento digital. A decisão encareceu bastante o projeto, mas decorreu da visão do diretor, que acreditava que colocar atores jovens para interpretar os mesmos papéis de De Niro e Pesci seria algo inconcebível, ainda mais que eles viveram na época retratada e conheciam bem demais os nuances da trama, algo importantíssimo para o filme. Scorsese também considerou que utilizar próteses e maquiagem serviria mais para situações de envelhecimento e não ao contrário – o próprio De Niro fez isso em “Era uma Vez na América” (1984), de Sergio Leone, quando teve que envelhecer na base da maquiagem. O resultado do processo digital na tela é o mais bem-sucedido uso dessa tecnologia, embora seja possível notar que os corpos não acompanham a aparência jovial dos personagens – continuam se movimentando como homens septuagenários. No entanto, uma vez que se embarca na história, é fácil ficar não apenas envolvido, mas também muito impressionado com a interpretação das versões mais jovens de De Niro, Pesci e Pacino. Especialmente De Niro e Pesci, sublimes. E pensar que Pesci já estava aposentado e só aceitou voltar a atuar após muita insistência de Scorsese e De Niro… De forma interessante, ele tem um papel bastante distinto de suas parcerias anteriores com Scorsese, geralmente muito elétricas. Em “O Irlandês”, o ator vive um chefão da máfia gentil, doce até. E com uma fala mansa e pacificadora, mesmo quando precisa lidar com situações em que assassinatos são detalhes corriqueiros. Scorsese também elencou atores do porte de Harvey Keitel e Bobby Cannavale e se dá ao luxo de utilizá-los muito pouco. O mesmo poderia ser dito de Anna Paquin, que vive um das filhas de Frank Sheeran, mas sua interpretação, com uma ausência de falas bem explícita, é compensada com o olhar de confronto que ela trava com o pai. Aquilo é forte o suficiente para magoar o coração de um homem velho cheio de remorsos. Um peso que o personagem leva como uma cruz. Velhinho, ele precisa de muletas, cai em uma cena. O filme mostra sua decadência física, seu desaparecimento. Como se ele precisasse daquela trajetória toda para que compensasse, de algum modo, o mal que fez no passado. Do ponto de vista temático, “O Irlandês” ainda coincide com outra reflexão cinematográfica recente sobre a velhice, “Dor e Glória”, de Pedro Amodóvar. Ambos os filmes são trabalhos que lidam com o processamento da dor, com os arrependimentos, com as mudanças provocadas pelo tempo no modo de ver a vida. Saímos deles diferentes de quando entramos. E não apenas por termos acabado de ver uma obra-prima.
A Odisseia dos Tontos envolve com humor politizado de revanche popular
Na América Latina, os planos econômicos que visam a salvar a economia acabam sempre estourando do lado dos mais fracos e que já estariam acostumados a serem ludibriados, como tontos. Aqui no Brasil, o plano Collor foi um exemplo dramático de situações terríveis, provocadas pelo confisco do dinheiro poupado pelo cidadão. Na Argentina, em 2001, houve o corralito, que segurou os dólares, limitando drasticamente o seu uso e transformando-os em pesos, que perdiam valor. Como também aconteceu – e acontece – por aqui, informações privilegiadas de pessoas poderosas e dos bancos favoreceram uns e acabaram com a vida de outros. É nesse contexto de crise econômica que desempregados e subempregados do filme “A Odisseia dos Tontos”, em busca de sobrevivência, conseguem juntar dólares para reformar e reavivar uma cooperativa agrícola, até que o corralito, associado a uma manobra bancária escusa, acabou com a economia deles de vez. Só que eles dizem “Chega!” e prometem fazer de tudo para encontrar o dinheiro que lhes foi roubado, arquitetando uma revanche dos perdedores, os tontos. Se o filme começa bem político, acaba se transformando em uma aventura em forma de comédia. Mas que mantém o espírito crítico e a ironia, associados a uma forte raiva de se sentir, mais uma vez, passado para trás. Tudo acontece numa pequena vila da província de Buenos Aires, onde afinal todo mundo acaba se conhecendo e sabendo de tudo que se passa. Desse modo, as estratégias possíveis são ampliadas e viabilizadas, embora as consequências também o sejam. A trama é muito bem construída, revelando, uma vez mais, que a Argentina tem escritores e roteiristas muito bons para relatar histórias e relacioná-las ao ambiente social, econômico e político do país. O diretor Sebastián Borensztein já tinha realizado o delicioso “Um Conto Chinês”, em 2011, e dirigiu também um episódio de “Relatos Selvagens”, de 2014, enquanto o roteirista Eduardo Sacheri, em cujo livro o filme é baseado, também escreveu “O Segredo dos Seus Olhos”, vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira de 2010. Sucessos de público no Brasil. Aqui, eles trabalham com um elenco magnífico, liderado por Ricardo Darín (que estrelou os três filmes citados), com participação de seu filho, Chico Darín, e que tem Luis Brandoni, Andrés Parra, Verónica Llinás e muitos outros bons atores e atrizes. Isso resulta num filme bem equilibrado, convincente nas atuações e com um bom ritmo, capaz de envolver o espectador na história. “A Odisseia dos Tontos” teve sua première nacional na Mostra de São Paulo e foi escolhido pela Argentina para representar o país na disputa pelo Oscar de filme internacional. A Argentina costuma indicar produtos fortes nessa disputa, desta vez, porém, por melhor que seja o longa, é difícil que obtenha êxito, porque há grandes filmes na competição, inclusive o brasileiro “A Vida Invisível”, de Karim Ainöuz.
Vencedor de Cannes, Parasita surpreende a cada reviravolta
“Parasita”, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e indicado pela Coreia do Sul para disputar o Oscar de Filme Internacional (ex-Filme em Língua Estrangeira), é um produto poderoso. A narrativa se refere a uma família pobre, que se aproveita de uma oportunidade de trabalho temporário para um de seus membros para parasitar uma família rica. Para desenvolver essa história, o cineasta Bong Joon-ho (de “Expresso do Amanhã”) se vale de uma variedade de gêneros. “Parasita” é comédia, destila um humor que produz riso na plateia. É também um drama, até bem pesado. Não há personagem que saia incólume de lá. Tem muito suspense e um sem-número de surpresas e reviravoltas de tirar o fôlego. Tem também alguns elementos fantasiosos, surrealistas, eu diria. Ao mesmo tempo, aborda aspectos da realidade social que estão subjacentes à situação, mas também explicitados na dinâmica das classes sociais envolvidas na trama. Até aspectos políticos da divisão das Coreias aparecem, dando um toque inteligente em cenas de humor. O filme consegue intrincar todos esses elementos dos diferentes gêneros cinematográficos com bastante competência, sem artificializar as passagens de um a outro registro e sem perder o ritmo. Ao contrário, o ritmo só cresce após cada reviravolta. Os desdobramentos das ações, na realidade, produzem novas histórias e situações-problema. Constituem-se num desafio novo a cada um dos personagens, deixando sempre em aberto aonde é que tudo isso vai parar. É um filme imprevisível, mas que conta com um roteiro muito bem engendrado. É, sem dúvida, um dos maiores destaques do cinema mundial em 2019.
O Rei não passa de versão genérica de Henrique V, de Shakespeare
Boa trilha, direção de arte, figurinos e fotografia, mas não dá para fazer um novo filme sobre o papel de Henrique V (Henry V) na Guerra dos 100 Anos sem confrontos com diálogos tensos e poderosos, tão mortais quanto armas, e não é possível ir ao campo de batalha e recusar o espetáculo visual e sanguinário. Então, o que justifica “O Rei” (The King), além de uma oportunidade de promover a carreira do menino prodígio Timothée Chalamet? Sobre o texto, nem é preciso profundidade semelhante à obra de William Shakespeare, o que é impossível sem sua linguagem e poesia. Entendo que seja interessante buscar uma abordagem mais real na luta do jovem monarca britânico contra a França, sem o auxílio da linguagem teatralmente rebuscada da peça clássica. Mas “O Rei” não injeta originalidade alguma a essa história e, pior que isso, não se aproxima minimamente da força dramática das versões cinematográficas de “Henrique V”, de Laurence Olivier e Kenneth Branagh, que adaptaram o texto original de Shakespeare. Com Chalamet à frente e a profundidade do drama reduzida a uma adaptação mais mundana, “O Rei”, de David Michôd (diretor de “Reino Animal”) é tão esquecível e genérico quanto outro exemplar recente da Netflix sobre reis ingleses, “Legítimo Rei”, filminho com Chris Pine que “continua” os eventos vistos em “Coração Valente” (1995). Pegando carona no filmaço de Mel Gibson, chega a ser inadmissível que alguém tenha a coragem de filmar cenas de batalha sem qualquer noção de espetáculo (seja na ação ou mesmo no discurso incentivador antes do quebra pau). Isso não quer dizer que devem glorificar a guerra, mas esconder seus horrores é evitar tocar na ferida e desonrar aqueles que morreram. “O Rei” tem suas gotas de sangue, mas não há ferocidade. Quanto às discussões e tramoias palacianas, você pode até não ter gostado do final de “Game of Thrones”, mas não há como negar a referência da série como um todo em termos de desenvolvimento de diálogos poderosíssimos disparados entre rivais ou aliados em discussões de estratégias políticas ou de guerra. “O Rei” não tem nada disso. Resta Timothée Chalamet. O garoto é muito bom sim, já provou isso anteriormente com “Me Chame pelo Seu Nome” (2017) e “Querido Menino” (2018), e tem uma carreira promissora pela frente. Mas é ofuscado toda vez que o surpreendente Robert Pattinson (“Bom Comportamento”) entra em cena. Ele tira o filme da chatice como se estivesse participando de outra produção ou propondo seu show particular independente do que planejaram para “O Rei”. O longa pode ter esse título, mas quem brilha de fato é o príncipe francês.
Segredos Oficiais pertence à melhor tradição dos thrillers políticos
“Segredos Oficiais” é um thriller político na tradição dos melhores produzidos pela Nova Hollywood nos anos 1970, mas com aquele toque de maior realismo das produções britânicas. O filme conta a história real de Katharine Gun, vivida com brilhantismo por Keira Knightley (“Colette”). Funcionária de uma agência de inteligência da Inglaterra, ela obteve um memorando bombástico que revelava uma tentativa dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido de pressionar os demais países para obter apoio da ONU à guerra contra o Iraque em 2003, tendo como principal desculpa a existência das notórias – e inventadas – “armas de destruição em massa”. O filme é narrado com uma maestria impressionante, ainda que de maneira bem clássica. Talvez o maior mérito seja do roteiro, que foi coescrito pelo diretor Gavin Hood e consegue amarrar bem todos os personagens, apresentados nos momentos certos, e costurar a trama complexa de uma forma envolvente. É interessante como certos filmes, mesmo tratando de eventos ocorridos com uma distanciamento temporal relativamente grande, ainda falam sobre o momento atual. Afinal, vazamentos de informações privilegiadas estampam cada vez mais manchetes de jornais. Mas Gun não é retratada como uma heroína. O filme a mostra como uma pessoa comum que sente a necessidade de agir para impedir uma guerra (infelizmente, os Estados Unidos iniciam o ataque, mesmo sem o apoio da ONU) e que tem sua vida virada do avesso ao tomar essa decisão. O risco não é só dela, que pode ser presa, mas para seu marido, por ser imigrante, que enfrenta ameaças de deportação. O enredo vai sendo tecido com cuidado e esmero. Após a apresentação da personagem de Keira Knightley e as ações fundamentais para que o memorando ganhe o mundo, somos apresentados aos jornalistas do The Observer, principalmente àquele que escreveria a história, Martin Bright (em interpretação de Matt Smith, de “The Crown”). Depois, entra em cena o advogado Ben Emmerson (Ralph Fiennes, de “O Grande Hotel Budapeste”), que será responsável pela defesa da jovem. O excelente trabalho dos atores e o modo como o filme lida de forma realista com o mundo dos jornais, o circo da mídia e todo o drama kafkiano enfrentado por Gun, contribui para que “Segredos Oficiais” não deva nada a outras obras recentes de denúncias jornalísticas, como “Spotlight – Segredos Revelados”, de Tom McCarthy, “Conspiração e Poder”, de James Vanderbilt, ou “The Post – A Guerra Secreta”, de Steven Spielberg. E para quem não conhece a história real de Katharine Gun, o melhor é não pesquisar nada, pois o final é surpreendente.
Meu Nome É Dolemite é um dos melhores filmes do ano
“Meu Nome É Dolemite” (2019) é facilmente um dos melhores filmes do ano. É um filme sobre dizer não ao roteiro que a vida preparou para você e virar o jogo. É sobre a verdadeira arte que brota das próprias experiências de vida de um autor, que busca dinheiro sim, mas o reconhecimento de seu talento acima de tudo. É uma história real tão surreal que só poderia ser sobre cinema e acabar no cinema. E tem Eddie Murphy brilhando de forma tão intensa como há tempos não se via. Como Rudy Ray Moore, um dos nomes mais importantes do cinema “blaxploitation” dos anos 1970, Murphy traz de volta a energia do início de sua carreira, de filmes como “Um Tira da Pesada”, “48 Horas” e “Trocando as Bolas”. Está engraçado, mas subversivo; encantador, porém despido de qualquer vaidade; com um sorrisão no rosto escondendo melancolia e decepção. E longe de sua zona de conforto, porque “Meu Nome é Dolemite” pode ser divertido, mas não é a comédia tradicional. É praticamente um drama adaptado da (dura) vida real, que se torna engraçado pelas próprias dificuldades enfrentadas. A produção da Netflix relembra a trajetória de Rudy Ray Moore, que jamais se conformou com a pobreza e, principalmente, com o anonimato. Trabalhava numa loja de discos, mas gravava músicas, fazia stand-up comedy em um clube noturno, mas nunca desistiu mesmo quando ninguém notava seu talento. Quando criou o personagem Dolemite, apropriando-se de piadas ouvidas de mendigos, sua carreira estourou. Antes que você julgue o protagonista pela atitude politicamente incorreta, bom, de acordo com o filme, Moore e todos naquele ecossistema estavam entregues à própria sorte em um mundo à parte esquecido pela elite branca e por Deus. Mas o sucesso de Dolemite entre os fãs de sua comunidade não foi o bastante. Moore decide levar sua palavra a um número maior de pessoas. E qual é a melhor mídia para alcançar esse objetivo? O cinema, claro. O que se vê deste momento em diante coloca “Meu Nome é Dolemite” na galeria dos filmes mais bacanas que falam sobre filmes. Só que mais do que uma declaração de amor ao cinema, o longa é uma ode a todos que não desistem de seus sonhos como artistas de diferentes segmentos. Ao mesmo tempo, é também uma porrada no sistema que dificulta o caminho de muita gente. Moore não desistiu e sua história ainda é contada aqui para inspirar outros vários sonhadores. A história remete a outras cinebiografias dos roteiristas Scott Alexander e Larry Karaszewski, como “O Povo Contra Larry Flynt”, “O Mundo de Andy”, ambos dirigidos por Milos Forman, e “Ed Wood”, de Tim Burton. Aliás, o Rudy de Eddie Murphy é um estranho no ninho e sua história teria tudo para virar um ótimo filme nas mãos do saudoso Milos Forman, um cineasta que firmou sua arte dando voz aos “desajustados”, aqueles que não se encaixam, mas seguem lutando. O diretor Craig Brewer deve ser fã de Forman. Brewer, que fez “Ritmo de um Sonho” e o remake de “Footloose”, consegue capturar perfeitamente o processo criativo de Moore. Desde os motivos que levam a seus insights, passando pela concepção do personagem, a postura e o jeito de falar, até sua ascensão no cinema. O diretor foca em Eddie Murphy, mas também sabe o quanto é importante cercá-lo de grandes coadjuvantes. E nisto se destaca Wesley Snipes, no papel do ator e diretor D’Urville Martin, que surpreende como um grande comediante. Aquele cara durão de filmes de ação como “Blade”, “Passageiro 57” e “O Demolidor” revela-se imprevisível como seu personagem afetado, egocêntrico e mimado que rouba todas as cenas em que aparece. E o elenco tem ainda a maravilhosa Da’Vine Joy Randolph (da série “People of Earth”) como Lady Reed, que faz o filme respirar toda vez que surge em cena com seu talento monumental. Eddie Murphy, que também assina a obra como produtor, jamais teria feito a maior atuação de sua carreira sem os dois. Apesar dos palavrões (e uma cena de sexo divertidíssima), “Meu Nome É Dolemite” ainda joga para cima o manual que diz que toda cinebiografia tem que ter momentos dramáticos e depressivos. O filme inteiro é alegre demais, uma produção que escolheu ser feliz para exaltar a paixão dos artistas e como a arte pode surgir dos lugares menos prováveis. É uma comédia que dá realmente para assistir com um sorriso de orelha a orelha, do começo ao fim.
A Lavanderia é o mais novo mico de Steven Soderbergh
Steven Soderbergh é um cineasta talentoso, mas coloca sua imagem muitas vezes em risco ao apostar em trabalhos experimentais que não contribuem em nada para sua evolução ou do próprio cinema. Ele dificilmente se repete no filme seguinte, mas geralmente entrega uma decepção retumbante logo após acertar no alvo. É só lembrar das continuações de “Onze Homens e um Segredo” ou perceber que o diretor de “Traffic” e “Erin Brockovich” também fez “O Desinformante!”. Neste ano, Soderbergh lançou dois filmes pela Netflix. E se “High Flying Bird” deixou boa impressão, o horroroso “A Lavanderia” confirma que se trata de um diretor de altos e baixos. E olha que o roteiro de Scott Z. Burns reconstitui a queda do esquema de corrupção conhecido como “Os Papéis do Panamá”, que envolveu inclusive a Odebrecht num caso bastante repercutido aqui no Brasil. Mas em vez de se concentrar em um ponto ou personagem que represente o todo, Soderbergh prefere abraçar o mundo. Conta diversas historinhas que entrelaçam a teia tecida pela Mossack-Fonseca, empresa jurídica que foi o coração dessa podridão. No começo, até parece que a trama será guiada pela personagem de Meryl Streep, vítima do esquema após a trágica morte do marido (numa cena muito bem filmada). Mas ela é apenas o centro de um dos muitos “episódios” narrados pelos sócios criminosos Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, interpretados respectivamente por Gary Oldman e Antonio Banderas. “A Lavanderia” é um belo exemplo de como causar uma quebra descomunal no ritmo de um filme. Isto acontece pela opção de Soderbergh de contrastar as aparições de Oldman e Banderas, que se divertem ao entregar interpretações caricaturais e exageradas, com a atuação visivelmente dramática de Meryl Streep. A dupla chega a esbarrar na canastrice, gritando, fazendo caretas e gesticulando de forma exacerbada, segundos depois da tela promover o sofrimento de Meryl. Não parece que o problema esteja no roteiro, mas sim na falta de foco de Soderbergh, que tenta resgatar o tom cômico desastrado de “O Desinformante!” com um coral de personagens digno de “Traffic”. Adam McKay conseguiu se sair bem nesse registro, em “A Grande Aposta”. Mas desta vez não deu certo. O equívoco foi tentar explicar o enredo complexo de maneira excessivamente didática, usando como “professores” os dois vilões irritantes que jamais engajam o espectador. Pelo contrário, repelem. Soderbergh pretendia mostrar que existem outras Mossack-Fonsecas por aí e que a corrupção está enraizada numa profundidade inimaginável. Porém, que mico! Beira o insuportável quando Gary Oldman entra em cena falando alto, gritando e emulando um sotaque patético. Difícil saber quantos aguentaram até o fim da história, após suas primeiras aparições em cena.
Zumbilândia 2 se contenta em repetir a jornada do primeiro filme
Dez anos depois, o diretor Ruben Fleischer volta a se reunir com Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Emma Stone e Abigail Breslin para trazer aos fãs o tão aguardado “Zumbilândia 2”. Ou, como batizaram, “Zumbilândia: Atire Duas Vezes”. Demorou, não? E como a maioria das continuações (ou prelúdios) que levam tanto tempo para sair do papel, o resultado é uma decepção. O primeiro filme aplicou um olhar original dentro de um gênero desgastado, até quando a comédia já era regra entre os filmes de zumbis, ao focar menos na tensão proporcionada pelo apocalipse e mais nos personagens. Sua história podia ser resumida na busca – mesmo que inconsciente – por uma família, única forma de amenizar o cais ao redor. Deu certo, eles se encontraram, entenderam isso e partiram rumo ao desconhecido, mas unidos para o que desse e viesse. E o que faz a continuação? A mesma coisa, praticamente num repeteco do primeiro filme, com uma outra morte diferente, mas sem passar por conflitos inéditos. O quarteto pode até se desentender aqui e ali, o que é normal, mas chega à mesma conclusão de que formam uma família, como no final do primeiro “Zumbilândia”. Ou seja, uma década depois, a jornada é a mesma, com mais personagens (dispensáveis e irritantes, diga-se de passagem, com exceção de Nevada/Rosario Dawson) e soluções preguiçosas do roteiro. Num exemplo da perda de tempo criada por certas embromações, um dos personagens se despede dos demais, pois decide seguir em aventura solo, gera choradeira, abraços e beijinhos, só para retornar um segundo depois avisando que uma legião de zumbis está a caminho, voltando correndo ao grupo. Mesmo que capriche em alguns takes, principalmente num plano sequência durante uma luta em um hotel, o diretor Ruben Fleischer parece se contentar com a abordagem mais convencional possível – uma marca de todos os seus outros filmes, de “Caça aos Gângsteres” a “Venom”. Num momento em que “The Walking Dead” satura o gênero de zumbis com séries derivadas e muita mesmice, “Zumbilândia 2” tem poucos momentos surpreendentes. Tanto é assim que seu maior destaque é uma ótima cena pós-créditos (ou durante os créditos). E quando a parte mais interessante são alguns poucos segundos exibidos depois do fim, é sinal inequívoco de que a sessão não valeu o preço do ingresso.
A Música da Minha Vida celebra Bruce Springsteen e o poder da música
Filme indie britânico baseado nas memórias do jornalista inglês de ascendência paquistanesa Sarfraz Manzoor (e registradas no livro “Greetings from Bury Park: Race, Religion and Rock N’ Roll”, lançado por ele em 2007), “A Música da Minha Vida” (“Blinded by the Light”, no original) é uma declaração de amor a Bruce Springsteen, num contexto direto, e ao poder revolucionário da música, numa visão mais ampla. A trama retorna aos difíceis anos 1980 com Margaret Thatcher como primeira ministra do Reino Unido. A família de Manzoor (aqui apresentada como Javed Khan) vive em Luton e, seguindo seus preceitos, deseja encontrar uma parceira para o rapaz, tanto quanto espera que ele siga uma profissão tradicional, como médico ou advogado. Javed (interpretado por Viveik Kalra), porém, escreve poesias e também letras de música para uma banda de amigos e tem seu texto elogiado na escola, o que rende um estágio no jornal local, e o sonho de alçar voos mais altos… sozinho. Mas os dogmas da família (e o desemprego do pai) começam a pesar sobre seus ombros, e é neste momento em que ele encontra a luz, ou melhor, Bruce Springsteen, numa fita cassete emprestada por um amigo de escola (que, assim como ele, sofre racismo por seus pais também não serem ingleses – ainda que ele seja). Para Javed, Bruce traduz seus sentimentos, suas angustias e duvidas em canções como “Born To Run”, “The River”, “Badlands” e “Thunder Road”, e ancorado nelas ele pretende enfrentar o mundo (começando por sua família). Filme agridoce, previsível e que apenas tateia temas espinhosos (como o racismo, religião e a extrema-direita britânica), “A Música da Minha Vida” tem direção de Gurinder Chadha (de “Driblando o Destino” e carrega todos os cacoetes de uma produção independente, mas se destaca por sua bela trilha sonora (Bruce não apenas cedeu arrasadoras versões ao vivo raras como também uma canção inédita, “I’ll Stand By You”, que havia sido feita para um dos filmes de Harry Potter, mas ficou de fora) e sua força sonhadora, alcançando um resultado muito mais (hummm) honesto e interessante do que, digamos, “Yesterday”, “Rocketman” e “Bohemian Rhapsody”, ainda que aquém (emocionalmente) de “Springsteen on Broadway” e “Springsteen & I”.











