“Rodin”, de Jacques Doillon, era um dos filmes franceses mais aguardados do Festival de Cannes. E isto dá a dimensão da decepção com que sua projeção foi recebida. Um crítico chegou a vociferar “É um filme antigo”, tão logo as luzes se acenderam. Mas muitos outros foram embora bem antes disso.
No extremo oposto de “Le Redoutable”, de Michel Hazanavicius, que tomou liberdades para transformar o cineasta Jean-Luc Godard em personagem de comédia, “Rodin” tentou ser reverente demais. E se tornou convencional como um teledrama.
Para piorar, transformou as mulheres importantes da vida do escultor em meras coadjuvantes, inclusive relevando sua rejeição à assistente Camile Claudel (vivida por Izïa Higelin, de “Um Belo Verão”) como causa do colapso mental da artista. Neste sentido, é quase um anti-“Camille Claudel”, o clássico de 1988 que contou essa história por outro ponto de vista.
Estrelado por Vincent Lindon, que já foi premiado em Cannes por “O Valor de um Homem” (2015), o filme acompanha o escultor aos 40 anos, quando ele recebe sua primeira encomenda do Estado, criando a famosa obra “Porta do Inferno”. Há especial atenção para detalhar seu processo criativo, mas os recursos utilizados para isso são antiquados, com leituras de cartas, narrações e personagens que conversam consigo mesmo em voz alta.
O mais incômodo, porém, é a forma como as mulheres de sua vida são retratadas como histéricas. Ele usa e abusa de cada uma delas, mas é um artista. Elas querem definição de relacionamento e são loucas.
“As esculturas de Rodin são muito sensuais, e ele também era um homem muito sensual. Rodin amava o corpo feminino. Eu o teria traído se deixasse de lado esse aspecto de sua personalidade” justificou-se o diretor Jacques Doillon (“O Casamento a Três”), durante a entrevista coletiva do festival.
O cineasta defende que Rodin era um homem irresistível e que suas palavras e atos no filme são baseados em pesquisa intensa. “Tudo o que Rodin diz no filme é resultado de muita pesquisa, ainda que também de muita fantasia minha. Ele, que não gostava de escrever, não deixou muito material escrito. Mas aqueles que conviveram com ele na época deixaram referências sobre o que ele disse e pensava. Então, posso afirmar que aquilo que o personagem diz no filme é o que o próprio Rodin teria dito em vida”, garantiu Doillon no encontro com a imprensa.
Talvez a crítica esperasse que um filme sobre um artista genial fosse contaminado pelo talento retratado. Mas a reverência acadêmica de Doillon revela-se pouco adequada para integrar um festival, especialmente o Festival de Cannes.