Sofia Coppola conquista Cannes com western gótico sobre empoderamento feminino

O novo filme de Sofia Coppola, “O Estranho que Nós Amamos” (The Beguiled), foi o primeiro a entusiasmar crítica e público no Festival de Cannes. Remake de um western dirigido por Don […]

O novo filme de Sofia Coppola, “O Estranho que Nós Amamos” (The Beguiled), foi o primeiro a entusiasmar crítica e público no Festival de Cannes. Remake de um western dirigido por Don Siegel e estrelado por Clint Eastwood em 1971, com mais suspense e até terror que o original, o longa subverte as expectativas por mudar o ponto de vista, contando a história pela perspectiva das mulheres da trama.

Na entrevista coletiva do festival, a diretora disse que descobriu o filme por indicação da amiga e designer de produção Anne Ross. “O filme ficou na minha cabeça. O original é sob o ponto de vista do homem. Achei que podia contar a história sob o ponto de vista das mulheres”, explicou.

Sofia nunca tinha feito um remake, por isso foi buscar mais informações na fonte original, o livro de 1966, escrito por Thomas Cullinan. Ela tampouco tinha realizado um thriller com clima gótico, filmado à luz de velas – a fotografia de Philippe Le Sourd é deslumbrante. Mas o que chama mais atenção é o elenco estelar da produção, liderado por Nicole Kidman (“Lion”), como a diretora de um internato para moças no Sul rural dos Estados Unidos durante a Guerra Civil do século 19. Neste local, Kirsten Dunst (“As Duas Faces de Janeiro”) vive uma professora, enquanto Elle Fanning (“Demônio de Neon”) e Angourie Rice (“Dois Caras Legais”) são estudantes.

Este universo feminino é invadido pela chegada de um soldado do exército da União ferido, interpretado por Colin Farrell (“O Lagosta”), que as mulheres decidem abrigar e tratar. Mas, cercado de beleza, ele logo começa a abusar da hospitalidade daqueles mulheres, que estão sozinhas, mas não desamparadas.

“Toda vez que um grupo de mulheres é isolado do mundo exterior, uma nova dinâmica se estabelece entre elas. O que fiz foi me afastar da memória do filme de Don Siegel e pensar em como eu poderia contar aquela história de novo, sob um ponto de vista diferente”, contou a cineasta.

Há um cuidado em evitar transformar o homem em vítima de mulheres vingativas. Ele é claramente um predador, invadindo um ninho. “Para mim, ele chega e arruína tudo. Nós estávamos bem só nós mesmas, apenas não podíamos ter filhos”, apontou Nicole Kidman.

Vale lembrar que as mulheres do filme estão numa escola não para aprenderem uma profissão, mas sendo educadas para atrair bons maridos. Entretanto, a guerra levou os homens embora. O único que aparece faz parte do exército inimigo. O instinto feminino natural é ajudá-lo. Mas se ele mostrar sua verdadeira face, as mulheres ainda serão maioria.

As mulheres já são maioria em muitas áreas, mas curiosamente não no cinema. Kidman aproveitou a discussão sobre empoderamento feminino para reclamar da pouca quantidade de diretoras contratadas pela indústria ou selecionadas para festivais. Neste ano, entre as duas dezenas de filmes na mostra competitiva de Cannes, apenas três são assinados por mulheres.

“Temos de apoiar as cineastas. Muita gente diz que as coisas estão diferentes, mas não é o que mostram as estatísticas”, disse ela. “Apenas 2% dos filmes lançados no ano passado foram dirigido por mulheres. É uma estatística que diz tudo, e acho que é importante que continuemos repetindo”, acrescentou. “Para nossa sorte, temos Sofia e Jane aqui neste ano”, referindo-se também à australiana Jane Campion, que dirige Kidman na continuação da minissérie “Top of the Lake”, exibida fora de competição em Cannes. “Nós, mulheres, precisamos dar apoio a outras realizadoras mulheres”, concluiu.

Esta não foi a única discussão levantada durante a entrevista coletiva de “O Estranho que Nós Amamos”. Sofia também defendeu que filmes devem ser vistos em salas de cinema, entrando na polêmica da participação de produções da Netflix no festival. “Fiquei feliz por filmar em película de 35mm, pensando em enquadramentos e fotografia para uma tela grande. Espero que as pessoas assistam ao filme em uma sala de cinema. É uma atmosfera totalmente diferente, uma experiência única em nossas vidas modernas”, ela declarou.

Colin Farrell, único homem do elenco, não conseguiu se conter, emendando: “Já viram o vídeo na internet no qual David Lynch fala sobre assistir a filmes em celulares? É um lindo poema de 45 segundos. E diz: ‘Você acha que está vendo um filme de verdade numa p…a de telefone?’. Chequem no YouTube. É realmente lindo!”, provocou o ator.

Nunca é demais lembrar a Farrell e aos leitores que David Lynch também está no Festival de Cannes. Ele foi acompanhar a projeção de seu novo trabalho, o revival da série “Twin Peaks”, que não será lançado nos cinemas, mas já está disponível no Brasil pela Netflix, para ser visto “numa p… de telefone”.