Filmes online: “Cruella” e outras opções de cinema em casa
A expressão “cinema em casa” tem significado literal neste fim de semana, já que a principal estreia do circuito cinematográfico também é destaque na programação de streaming. A Disney lançou “Cruella” simultaneamente nas salas de exibição e em sua plataforma digital (por um custo adicional, além da mensalidade do serviço). A produção é a fábula mais sombria já feita pelo estúdio, superando “Malévola”, mas também apresenta um espetáculo fashion e clima roqueiro capaz de fazer muitos adultos disputarem espaço no sofá ao lado das crianças. Concebido como um prólogo de “101 Dálmatas”, o longa se passa nos anos 1970, em Londres, e apresenta Cruella, vivida por Emma Stone (“La La Land”) como uma estilista punk em ascensão (pense em Vivienne Westwood), que compete com sua antiga chefe interpretada por Emma Thompson (“MIB: Homens de Preto – Internacional”), enquanto começa a desenvolver uma fascinação por peles de animais — especialmente, é claro, de dálmatas. O detalhe é que este não é o único lançamento simultâneo. O documentário “Alvorada”, espécie de “BBB” dos últimos dias de Dilma Rousseff como presidente, também chegou ao mesmo tempo em tela grande e online, disponibilizado em diversas plataformas de VOD. Com ênfase em docs políticos, a lista ainda inclui “Libelu – Abaixo a Ditadura”, sobre movimento estudantil dos anos 1970 e 1980, que venceu o recente festival “É Tudo Verdade”, e um programa duplo do premiado bielorrusso Sergey Loznitsa, “The Trial” e “State Funeral”, que joga luz sobre as perseguições, mentiras e fanatismo do stalinismo. Há também dramatização política, via “Oslo”, que chega no sábado (29/5) na TV paga e no streaming da HBO, com o tema atualíssimo das discussões impossíveis de paz entre palestinos e israelenses. Em outro registro, a identidade israelense também é tema da comédia “Synonymes”, vencedora do Leão de Ouro do Festival de Berlim. A programação se completa com três títulos inéditos nos cinemas nacionais. Um dos últimos filmes estrelados por Johnny Depp, “Cidade de Mentiras” traz o ator investigando o assassinato dos rappers Notorious B.I.G. e Tupac Shakur. Igualmente com ligação musical, “Stardust” acompanha um jovem David Bowie na viagem aos EUA que marcou a grande reviravolta da sua carreira – divisivo, não foi aprovado pela família do cantor que proibiu suas músicas na trilha. Por fim, a maior descoberta da programação. Lançado em 2015 e até então inédito no Brasil, “Black – Amor em Tempos de Ódio” marcou a estreia de Bilall Fallah e Adil El Arbi, dois jovens cineastas belgas de famílias marroquinas que hoje formam uma das duplas mais requisitadas de Hollywood. A história de gangues violentas foi premiada no Festival de Toronto e no circuito europeu, ganhou elogios da crítica e rendeu o convite para os dois gravarem o piloto de “Snowfall” e a sequência “Bad Boys para Sempre”, que se tornou o maior sucesso do cinema americano em 2020. Com esses cartões de visita, foram cortejados pela Marvel, gravaram a vindoura série “Ms. Marvel” e agora estão ligados à DC, onde começam a trabalhar no filme de “Batgirl”. Mas tudo começou com o drama criminal independente abaixo. Confira abaixo os trailers das 10 melhores opções de filmes disponibilizadas em streaming nesta semana. Cruella | EUA | Fantasia (Disney+) Cidade de Mentiras | EUA | Crime (Apple TV, Google Play, Looke, NOW, SKY Play, Vivo Play, YouTube Filmes) Black – Amor em Tempos de Ódio | EUA | Crime (Reserva Imovision) Oslo | EUA | Drama (HBO Go) Synonymes | França, Israel | Comédia (Google Play, NOW, Vivo Play, YouTube Filmes) Stardust | Reino Unido | Drama (Apple TV, Google Play, Looke, NOW, Vivo Play, YouTube Filmes) The Trial | Holanda, Rússia | Documentário (MUBI) State Funeral | Holanda, Lituânia | Documentário (MUBI) Alvorada | Brasil | Documentário (Apple TV, Google Play, NOW, Vivo Play, YouTube Filmes) Libelu – Abaixo a Ditadura | Brasil | Documentário (Apple TV, Google Play, NOW, Vivo Play, YouTube Filmes)
Synonymes provoca com renúncia extrema ao patriotismo
Grande vencedor do Festival de Berlim de 2019, “Synonymes”, de Nadav Lapid, é uma dessas obras que provocam reações distintas na audiência, muitas vezes reações de dúvida sobre o que acabaram de ver ou sobre o quanto gostaram ou não gostaram do filme. Trata-se do terceiro longa-metragem de Lapid, que se inspirou em sua própria experiência de israelense morando em Paris para construir uma história sobre renúncia extrema ao patriotismo e reconstrução da própria identidade, ou de uma nova identidade. A crítica à Israel vai além de questões relacionados ao exército israelense e ao tratamento dado aos palestinos. Em entrevista à revista Cinema Scope, Lapid diz declarar guerra à própria essência da alma israelense. Por isso, seu personagem quer esquecer todo o seu passado. Mas, ao mesmo tempo, o diretor apresenta um outro judeu que vive em Paris e que provoca passageiros no metrô cantando o hino de Israel, acreditando que todos os europeus são antissemitas. Já chama a atenção o modo como começa “Synonymes”, ao apresentar o protagonista, o jovem Yoav (o estreante Tom Mercier), nu em um grande apartamento, e tendo suas roupas roubadas. É como se Yoav tivesse sido jogado em uma pátria totalmente estranha de para-quedas e sem roupas. Ele corre nu pelo prédio, com frio, desesperado, tentando se aquecer depois na banheira, e quase morrendo de frio. Um detalhe: essa cena foi a primeira gravada por Tom Mercier, e deixou Lapid e sua equipe impressionados com a performance do ator. A estrutura da obra é uma sucessão de grandes cenas sem uma coesão muito visível, quase como se fosse uma excelente coleção de esquetes. Nesse sentido, é quase possível selecionar de maneira aleatória uma ou outra cena, de modo a apreciá-la separadamente. Algumas são muito empolgantes, como a passagem na danceteria, ao som de “Pump Up the Jam”, do Technotronic. Ver esta cena no cinema, com o som no talo, é uma experiência singular e muito divertida. Ao contrário de outras tantas, que adentram de maneira intensa a mente confusa de Yoav, e fazem aumentar a admiração pelo trabalho essencialmente cinematográfico do cineasta. A tentativa do personagem de se livrar do passado, claro, é inútil, já que várias memórias costumam assombrá-lo. Mesmo quando ele tenta falar apenas em francês, há quem queira que ele diga algo em hebraico. A propósito, a cena de Yoav declamando a letra da Marselhesa é outro momento de intensidade, de destaque dessa dicotomia agressividade/sensibilidade do protagonista. Assim, por mais que ele tente se tornar menos israelense, mais ele percebe que é israelense. Até a cena final fantástica. Um dado curioso aproxima “Synonymes” do Brasil atual: Israel conta com uma ministra da cultura de extrema direita, que criticou o filme sem entender se se tratava ou não de uma obra anti-israelense. Por outro lado, quando o filme venceu o Urso de Ouro, todos os jornais do país celebrara o feito, criando saia-justa com o governo.
Entre Facas e Segredos é a principal estreia de cinema da semana
A programação de cinema oferece boas opções entre as estreias desta quinta (12/12), a começar pelo lançamento mais amplo, a comédia de suspense “Entre Facas e Segredos”. Escrita e dirigida por Rian Johnson (“Star Wars: Os Últimos Jedi”), a produção resta uma homenagem aos velhos filmes de mistério do gênero “whodunit”, popularizado pelos livros de Agatha Christie, Ellery Queen e outros mestres do começo do século 20, que consistem em investigar suspeitos de um assassinato até descobrir “quem matou”. Os suspeitos da vez são de dar inveja no mais recente exemplar do gênero, “Assassinato no Expresso do Oriente” (2017). A trama gira em torno do assassinato de um escritor rico e famoso, morto durante a festa de seu aniversário por um de seus parentes. Daniel Craig (o James Bond) interpreta o detetive, Lakeith Stanfield (“Atlanta”) vive seu parceiro policial, Christopher Plummer (“Todo o Dinheiro do Mundo”) é a vítima e os suspeitos são nada menos que Chris Evans (o Capitão América), Michael Shannon (“A Forma da Água”), Jamie Lee Curtis (“Halloween”), Ana de Armas (“Blade Runner 2049”), Katherine Langford (“13 Reasons Why”), Toni Colette (“Hereditário”), Jaeden Martell (“It: A Coisa”) e Don Johnson (“Do Jeito que Elas Querem”). A crítica norte-americana amou. Não bastasse ter 97% de aprovação na média do Rotten Tomatoes, foi considerado um dos 10 melhores filmes americanos do ano pelo AFI (American Film Institute) e também emplacou indicações ao Critics Choice e ao Globo de Ouro. O suspense policial “Crime sem Saída”, por outro lado, dividiu a crítica – 50% de aprovação. A estreia nos cinemas da produtora AGBO, de Joe e Anthony Russo, os diretores de “Vingadores: Ultimato”, também foi fiasco nas bilheterias da América do Norte. A direção, porém, não é dos Russo, mas de Brian Kirk, que assinou episódios de “Game of Thrones”. No filme, Chadwick Boseman (o “Pantera Negra”) interpreta um detetive que perdeu seu pai, também policial, assassinado quando ele era apenas um garoto e, por conta disso, cultiva a reputação de ser “o cara que mata assassinos de policiais”. Quando um assalto rende a morte de oito policiais, ele é chamado para assumir a investigação e organiza um cerco aos criminosos foragidos, ordenando que as 21 pontes que ligam Manhattan ao resto de Nova York sejam fechadas, enquanto inicia uma caçada por toda a ilha pelos suspeitos. Ao mesmo tempo, ele desconfia que a história do crime não bate e começa uma investigação paralela que o coloca em choque com o comando policial. O bom elenco também conta com Sienna Miller (“Sniper Americano”), J.K. Simmons (“Liga da Justiça”), Stephan James (“Se a Rua Beale Falasse”), Taylor Kitsch (“True Detective”) e Keith David (“Morte no Funeral”). Pior estreia ampla, “Brincando com Fogo” tem apenas 22% de aprovação. A comédia que traz John Cena (“Bumblebee”) como bombeiro segue a cartilha dos filmes de fortões forçados a virar babás de crianças, fórmula que já rendeu “Um Tira no Jardim de Infância” (1999) e “O Fada do Dente” (2010). Felizmente, as opções europeias do circuito limitado são bem melhores, desde o franco-israelense “Synonymes”, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, a “Uma Mulher Alta”, representante da Rússia no Oscar 2020, e sem subestimar a comédia francesa “Finalmente Livres”, premiada na mostra Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes e indicada a 9 prêmios César (o Oscar francês). Destes três, “Uma Mulher Alta” é a obra mais premiada, inclusive com um importante prêmio de Melhor Direção, vencido pelo jovem Kantemir Balagov (de “Tesnota”) na mostra Um Certo Olhar, de Cannes. Além disso, tem a nota mais alta no Rotten Tomatoes: 93% de aprovação. Confira abaixo mais detalhes das estreias da semana com todos os títulos, suas sinopses e trailers. Entre Facas e Segredos | EUA | Comédia de Suspense Após comemorar 85 anos de idade, o famoso escritor de histórias policiais Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é encontrado morto dentro de sua propriedade. Logo, o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) é contratado para investigar o caso e descobre que, entre os funcionários misteriosos e a família conflituosa de Harlan, todos podem ser considerados suspeitos do crime. Crime sem Saída | EUA | Thriller Policial Um detetive da polícia de Nova York recebe um complexo desafio no trabalho: ele precisa achar e prender assassinos de policiais que estão à solta na cidade. Realizar a prisão dos criminosos implicaria em recuperar a honra que ele perdeu durante algumas tarefas mal-executadas nos últimos anos. No entanto, quanto mais ele avança na investigação, mais ele percebe que os assassinatos se tratam de uma conspiração assombrosa entre criminosos e membros de sua própria categoria. Brincando com Fogo | EUA | Comédia Jake Carson (John Cena) é um bombeiro extremamente dedicado e rigoroso, que não aceita que algo ocorra fora das regras impostas pela corporação. Ao resgatarem as crianças Bryan (Brianna Hildebrand), Zoey (Finley Rose Slater) e Will (Christian Convery), Jake e seus companheiros de trabalho enfrentam um enorme desafio: como não conseguem localizar os pais do trio, precisam eles mesmos cuidar das crianças, mesmo sem ter o menor jeito para esta missão. Finalmente Livres | França | Comédia Yvonne (Adèle Haenel), uma jovem inspetora de polícia, descobre que seu marido, Capitão Santi (Vincent Elbaz), não era o policial corajoso e honesto que ela acreditava, mas uma verdadeira fraude. Determinada a reparar os erros cometidos por ele, ela cruza o caminho de Antoine (Pio Marmaï), preso injustamente por Santi e condenado a oito anos. Esse encontro inesperado e louco vai mudar a vida de ambos para sempre. Synonymes | França, Israel | Drama Yoav (Quentin Dolmaire) é um adolescente israelense que foge de seu país e parte para a França, onde vive em Paris enquanto esconde a sua identidade. Determinado a extinguir suas origens, seu principal companheiro é um dicionário de francês-hebreu. Uma Mulher Alta | Rússia | Drama Na Leningrado de 1945, Iya e Masha são duas jovens mulheres em busca de esperança e significado em meios aos destroços deixados na Rússia após a 2ª Guerra Mundial. O cerco de Leningrado, um dos mais brutais da história, chegou ao fim, mas reconstruir suas vidas permanece uma situação cercada de morte e trauma. Barrabás | Rússia | Religião A história de Jesus Cristo de Nazaré, sua crucificação, morte e ressurreição é contada pelo ponto de vista de Barrabás. Um bandido preso e condenado a morte na mesma época que Cristo, Barrabás é solto por conta da tradição da soltura de um preso na Festa da Libertação e acaba escapando da cruz.
Coprodução franco-israelense “imperdível” vence o Festival de Berlim 2019
A organização do Festival de Berlim 2019 anunciou os vencedores de sua competição oficial. E o júri liderado pela atriz francesa Juliette Binoche (“Acima das Nuvens”) escolheu a coprodução franco-israelense “Synonymes”, do diretor Nadav Lapid, como o Melhor Filme, vencedor do troféu Urso de Ouro. Classificado como “imperdível” (aspas do IndieWire) pela crítica presente no festival, “Synonymes” gira em torno de um imigrante israelense que vive em Paris, tentando se integrar o máximo possível à França, a ponto de andar com um dicionário para recitar palavras francesas em voz alta pelas ruas. Ele está decidido a abandonar sua língua e sua cultura, até que descobre aspectos pouco agradáveis de seu novo país. A performance do ator Tom Mercier no papel principal chegou a ser comparada a de um jovem Tom Hardy (“Venom”) pela revista The Hollywood Reporter. A trama é inspirada na trajetória do próprio diretor Navad Lapid, que se mudou para a capital francesa no começo dos anos 2000, e, segundo ele, “fala de ser israelense em um momento em que não é possível sê-lo”. “Acho que Israel é um país que exige de você um amor absoluto, total, sem concessões. E quando alguém rejeita esse amor, vai parar no outro extremo, no ódio total”, o cineasta disse à imprensa, na entrevista coletiva após se consagrar vencedor do festival. O cineasta francês François Ozon ficou com o Prêmio do Júri, considerado o 2º lugar, por seu filme “Grâce à Dieu”, que enfrenta dificuldades para ser exibido comercialmente. Dramatização de um escândalo de pedofilia da Igreja Católica na França, o filme sofreu um processo do arcebispo de Lyon, cardeal Philippe Barbarin, que tenta impedir o lançamento nos cinemas. A objeção se dá por o filme retratar Barbarin como pedófilo, antes das acusações que pesam contra ele serem julgadas na justiça. O troféu de Melhor Direção ficou com uma mulher, reforçando a importância da participação cada vez maior de cineastas femininas no evento. A vencedora foi a alemã Angela Schanelec, por “I Was at Home, But”, 10º longa de uma carreira prolífica – ela também é atriz. Já os prêmios de interpretação ficaram com Yong Mei e Wang Jingchun, protagonistas do drama chinês “So Long, My Son”, do diretor Wang Xiaoshuai. Confira abaixo a lista completa dos vencedores da mostra competitiva principal. Urso de Ouro – Melhor Filme “Synonymes”, de Nadav Lapid Urso de Prata – Prêmio do Júri “Grâce à Dieu”, de François Ozon Urso de Prata – Prêmio Alfred Bauer (Revelação) “System Crasher”, de Nora Fingscheid Urso de Prata – Melhor Direção Angela Schanelec, por “I Was at Home, But” Urso de Prata – Melhor Atriz Yong Mei, em “So Long, My Son” Urso de Prata – Melhor Ator Wang Jingchun, em “So Long, My Son” Urso de Prata – Melhor Roteiro Maurizio Braucci, Claudio Giovannesi e Roberto Saviano, por “Piranhas” Urso de Prata – Contribuição Artística Rasmus Videbæk, pela fotografia de “Out Stealing Horses” Urso de Ouro – Melhor Curta “Umbra”, de Florian Fischer e Johannes Krell Urso de Prata – Prêmio do Júri de Curtas “Blue Boy”, de Manuel Abramovich Melhor Documentário “Talking About Trees”, de Suhaib Gasmelbari Melhor Filme de Estreia “Oray”, de Mehmet Akif Büyükatalay



