Ex-diretor da Globo, Marcius Melhem é denunciado criminalmente por assédio sexual

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) ofereceu, na tarde desta terça-feira (8/8), a primeira denúncia oficial contra Marcius Melhem, ex-chefe do humor da Globo, por assédio sexual. A promotora Isabela […]

Divulgação/Rede Globo

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) ofereceu, na tarde desta terça-feira (8/8), a primeira denúncia oficial contra Marcius Melhem, ex-chefe do humor da Globo, por assédio sexual. A promotora Isabela Jourdan, cuja atuação no caso é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela defesa do acusado, deu aval à denúncia. A decisão ainda precisa ser homologada pela juíza do caso, Juliana Benevides de Barros Araújo.

Entre as vítimas está a atriz Carol Portes, que já havia relatado ter sido assediada por Melhem, então idealizador, ator e redator final do programa “Tá no Ar”, exibido pela TV Globo. Além de Carol Portes, a denúncia é baseada nos depoimentos da atriz Georgiana Góes e de outra funcionária, M.T.C.L., que preferiu ter a identidade preservada.

As acusações foram feitas por oito mulheres e ganharam notoriedade quando a atriz Dani Calabresa, uma das mais conhecidas vítimas, denunciou o ex-diretor. No entanto, a denúncia feita por Calabresa, que causou maior repercussão pública, foi arquivada, segundo a revista Veja. Apesar disso, o Ministério Público decidiu prosseguir com outros três casos que constam do mesmo inquérito.

 
Globo contesta assédio sexual

Na época das denúncias, a rede Globo fez sua própria investigação interna e afirma que o suposto assédio sexual não foi comprovado pelo setor de Compliance da emissora e do Ministério Público Federal, afastando a hipótese. A empresa está atualmente enfrentando uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ), que alega que ela permitiu casos de assédio no ambiente de trabalho ao longo dos últimos anos. Essa informação foi revelada em um documento de 2,5 mil páginas obtido pela revista Veja e divulgado em maio passado.

Após avaliar os materiais apresentados tanto a favor quanto contra Marcius Melhem, o Compliance da Globo concluiu, segundo o documento, que “restou, de fato, constatada a inadequação do artista com seus subordinados, sem que fosse possível comprovar prática deliberada de assédio sexual, dados os contornos legais que a conduta exige para sua caracterização”.

 
Polêmica envolvendo a promotora

Durante uma live em julho, Marcius Melhem afirmou que as acusadoras teriam realizado uma “reunião secreta” com Luciano Mattos, procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro. Ele argumenta que o encontro teria favorecido a escolha de uma nova promotora, Isabela Jourdan da Cruz Moura, após dois anos de trabalhos sem que houvesse encontrado mérito para aceitar a denúncia de assédio. A defesa de Melhem levou a questão para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo os advogados do ex-diretor da Globo, a escolha de Jourdan viola o princípio do promotor natural, que determina que o promotor de justiça deve ser o primeiro na lista de antiguidade na respectiva entrância ou promoção. A reclamação está nas mãos do ministro Gilmar Mendes desde 17 de julho. Se o ministro acatar a reclamação, os atos da promotora poderão ser anulados.

Em resposta, o Ministério Público afirmou que a reunião de fato aconteceu, mas não foi secreta. “Não houve reunião secreta em relação ao caso, que se encontra em investigação em inquérito policial. A reunião foi formalizada a pedido do Núcleo de Apoio às Vítimas (NAV/MP-RJ), órgão que promove a ligação das vítimas com os promotores e que solicitou uma audiência do procurador-geral com as inúmeras vítimas. Elas solicitaram celeridade na análise por parte da instituição”, informou o comunicado oficial. Além disso, o órgão confirmou que não houve incoerência na escolha da nova promotora. “A designação foi feita com base nas leis e no regramento interno, que concede tais poderes ao PGJ, não havendo qualquer violação ao promotor natural”, alegou.

Desde que foi instaurado, o inquérito já teve quatro delegados diferentes e trocou de promotor três vezes, sem conseguir formalizar denúncia.

 
Promotora descarta opinião da delegada

De acordo com a revista Veja, a primeira atitude de Jourdan foi requisitar a remessa eletrônica dos autos que estão na Delegacia de Atendimento à Mulher no Rio de Janeiro (Deam). A titular responsável pelo inquérito, Alriam Miranda Fernandes, vinha prometendo nos bastidores que faria um relatório para se posicionar a respeito do inquérito, sem se curvar a qualquer tipo de pressão. Assim, a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra Melhem abriu mão da opinião da delegada que estava à frente da investigação.

Além disso, Jourdan iniciou dentro do Ministério Público outra investigação contra Melhem, fora dos autos do inquérito na Deam. Segundo nota oficial do MPRJ, foi instaurado por ordem dela um Procedimento Investigativo Criminal (PIC) para apuração de caso envolvendo violência psicológica. Segundo o MPRJ, a denúncia foi enviada para lá pelo Ministério Público de São Paulo.

 
A defesa de Melhem

A defesa de Melhem ainda não comentou a denúncia por assédio sexual feita na tarde desta terça. A respeito do caso do PIC, por meio de uma nota, os advogados dele afirmaram que não tinham conhecimento da investigação, acrescentando o seguinte: “Só podendo imaginar tratar-se de mais uma tentativa de dar uma sobrevida às inverídicas acusações feitas no Inquérito 912-01533/2021, que está perto de completar três anos e no qual Marcius Melhem refutou, com farto conteúdo probatório, cada uma das acusações que lhe foram feitas. Além disso, houvesse qualquer desvio de conduta desta natureza por parte de Melhem no curso da investigação, tal desvio deveria ser levado ao Juízo natural, onde há uma medida protetiva que o impede de fazer qualquer contato, por qualquer meio, com as supostas vítimas. Isso não foi feito”.

 
Início do caso

Melhem é investigado desde dezembro de 2019, quando Dani Calabresa e outras mulheres o denunciaram como “assediador” no compliance da Globo. O caso se tornou público no mesmo mês, numa nota do colunista Leo Dias. Em março de 2020, o comitê de compliance do Grupo Globo absolveu o comediante das denúncias. Mesmo assim, a empresa encerrou o contrato com o então chefe de departamento da emissora, divulgando um texto elogioso sobre o profissional em agosto.

Em outubro de 2020, as acusações contra Melhem deixaram de ser boatos e assumiram o peso de denúncia de uma advogada, Mayra Cotta, que se apresentou como representante das mulheres supostamente assediadas nas páginas do jornal Folha de S. Paulo. Em dezembro, a revista Piauí publicou a primeira reportagem sobre o caso, repleta de informações detalhadas – algumas desmontadas – sobre os casos de assédio de Melhem contra ex-funcionárias, especialmente Dani Calabresa.

A publicação gerou ira nas redes sociais contra Melhem, que entrou na justiça contra a revista, a advogada, Calabresa e vários colegas comediantes que o chamaram de assediador. O caso chama especial atenção por conta desse detalhe. Não foram as supostas vítimas, mas o acusado que decidiu tirar tudo à limpo, ao fazer, em dezembro de 2020, uma interpelação extrajudicial para que Dani Calabresa confirmasse ou desmentisse o teor da reportagem da revista Piauí, que não cita fontes nem usa declarações entre aspas. Foi só depois disso que a advogada entrou com ação criminal por assédio contra o humorista.

Melhem então passou a dar entrevistas e apresentar as mensagens trocadas com Calabresa como prova de sua versão dos fatos. As mensagens apresentadas à Folha e à rede Record demonstravam que os dois mantinham uma relação íntima e amigável entre os anos de 2017 e 2019, época em que, segundo a revista Piauí, ele teria assediado a atriz moral e sexualmente.

Dois dias depois, a defesa de Calabresa entrou na Justiça para impedir a divulgação dos textos e áudios, e com um pedido de indenização por danos morais por Melhem ter revelado conversas privadas. A alegação é que a atriz estava tendo sua “vida íntima devassada”. Além disso, a defesa das atrizes alegou que as peças estavam sendo tiradas do contexto e usadas para tentar constrangê-las.

Passaram-se quase dois anos, mas a Justiça negou o pedido de Calabresa, dando direito a Melhem de se defender na mídia, onde estava sendo atacado.

 
Dificuldades do processo

Apesar do inquérito ter apresentado inicialmente relatos de oito mulheres, uma das envolvidas afirmou que nunca se apresentou como vítima. Suzana Pires declarou ser apenas uma testemunha disposta a continuar colaborando, o que reduziu para sete denúncias. O MP acabou descartando mais acusações, incluindo de Dani Calabresa.

Segundo a Veja, as acusadoras representadas pela advogada Mayra Cotta enfrentaram o desafio de provar a consistência das denúncias realizadas.

A situação engloba um assunto bastante complexo e discutido na mídia. Apesar disso, a falta de casos similares para análise judicial no Brasil dificulta ainda mais o processo.