O ensaio da volta de censura de obras artísticas, prática costumeira da ditadura militar que o governo Bolsonaro buscou resgatar, durou 22 dias.
Uma decisão da juíza Daniela Berwanger Martins, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, determinou a invalidade da censura federal ao filme “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, de 2017, que o Ministério da Justiça proibiu de ser exibido num despacho publicado em 15 de março.
Apesar da tentativa do governo, o resgate da censura, extinta com a redemocratização, nunca “pegou”.
Apesar da proibição e de multa diária para a desobediência, as plataformas de streaming jamais tiraram o filme de seus catálogos. O grupo Globo, que disponibiliza a produção escrita e estrelada por Danilo Gentili nas plataformas Globoplay e Telecine, chegou a emitir comunicado afirmando que não aceitaria censura, porque “a decisão ofende o princípio da liberdade de expressão, é inconstitucional e, portanto, não pode ser cumprida”.
A tentativa de censura foi resultado de um movimento de perfis bolsonaristas das redes sociais que passaram a associar o filme à pedofilia por conta de uma cena envolvendo os dois protagonistas menores e o ator Fabio Porchat.
Um dia após a ordem de censura, o Ministério da Justiça mudou a classificação indicativa da obra: de 14 para 18 anos.
Foi com base nesta mudança que a juíza Daniela Berwanger Martins determinou a extinção da ordem de censura.
“Considerando que falha na classificação indicativa do filme foi apontada como situação fática a dar ensejo à decisão, com a sua alteração para o limite máximo pela Senajus, o motivo indicado para o ato deixa de se fazer presente”, escreveu a juíza na decisão.
“Diante disso, é imperioso reconhecer que a decisão deixa de ter compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação de vontade, tornando a motivação viciada e, consequentemente, retirando o atributo de validade do ato”, acrescentou.
A decisão atendeu o pedido do MPF (Ministério Público Federal), que no dia 18 de março ingressou com ação civil pública para derrubar a censura ao filme. “O objetivo dessa ação é corrigir uma violação à liberdade de expressão artística”, declarou o procurador da República Claudio Gheventer na ocasião.
A censura à produção de 2017 de Danilo Gentili foi a primeira de um filme desde o final da ditadura militar. Ela foi decidida cerca de 48 horas após “Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola” passar a ser associado à pedofilia por perfis bolsonaristas e 24 horas após o ministro da Justiça Anderson Torres cobrar “providências” contra o filme.
Dias depois, o mesmo Anderson Torres teve uma postura radicalmente oposta em relação ao aplicativo Telegram. Denunciado por disseminar pedofilia, tráfico de drogas e armas, desinformação, discursos de ódio, propaganda nazista e outras barbaridades, o aplicativo que se recusava a obedecer a Justiça brasileira foi defendido pelo Ministro da Justiça com base no “direito de escolha”.
Em suas manifestações nas redes sociais e para a imprensa, Danilo Gentili sempre negou que o filme fizesse apologia à pedofilia e, pelo contrário, “vilaniza” esse tipo de crime.