O ator Johnny Depp, que está processando a ex-esposa Amber Heard por difamação, mostrou-se bem menos confiante em seu segundo dia de depoimento no tribunal de Fairfax, no estado americano de Virginia, entrando em contradição e exibindo sinais de raiva ao ser questionado pela defesa.
A serenidade controlada, frases empoladas e histórias tristes apresentadas no dia anterior viraram histórias de terror na primeira parte da sessão desta quarta (20/4), quando Depp fez denúncias literalmente sangrentas contra Heard. Mas seu tom sofreu outra mudança radical, quando chegou a vez do advogado de Heard, Ben Rottenborn, interrogá-lo nos minutos finais da audiência. Neste momento, Depp se atrapalhou com datas, mostrou-se confuso e reagiu com fúria ao ser questionado sobre as afirmações principais do caso, de que um editorial escrito pela atriz em 2018 no jornal Washington Post destruiu sua vida, carreira e reputação, trazendo prejuízo financeiro ao tirá-lo da franquia “Piratas do Caribe”.
“Estou processando ela por difamação e as várias falsidades que usou para acabar com minha vida”, declarou Depp.
Antes de Rottenborn pressioná-lo, Depp se mostrou bem à vontade para descrever Heard como mentirosa, manipuladora e extremamente violenta.
O ponto mais polêmico foi a briga de março de 2015 que o deixou sem um pedaço do dedo médio da mão direita. Declarações sobre o incidente já surgiram várias vezes no julgamento. O médico particular do ator disse que Depp lhe confessou ter se cortado sozinho e a ficha médica de seu atendimento hospitalar na Austrália reforça esse relato, registrando o incidente como um corte involuntário com uma faca.
No tribunal, porém, Depp disse que perdeu a ponta do dedo quando Heard jogou uma garrafa de vodka nele e o vidro quebrou.
Segundo Depp, Heard havia chegado à Austrália, após um longo voo de Los Angeles, chateada com uma reunião que teve com um advogado para discutir o pedido de Depp de um acordo “pós-nupcial”.
“Ela ficava dizendo: ‘Eu não estou nem em seu testamento. Eu nem estou em seu testamento’”, declarou o ator ao júri. “Achei uma coisa estranha de se dizer. Parecia errado, e ela não deixava de lado esse acordo pós-nupcial, dizendo que eu estava tentando enganá-la para não conseguir nada se algo acontecesse.”
O intérprete de Jack Sparrow relatou que a discussão deles aumentou e que Heard “ficou irada e possuída”. Ele disse que acabou indo para a sala de recreação no andar de baixo da casa, onde, apesar de estar sóbrio por vários meses, serviu-se de duas ou três doses de vodka.
“Ela me encontrou lá [e disse] ‘Oh, você está bebendo de novo’, um monstro e tudo mais’”, relatou Depp. Em seguida, afirmou que Heard agarrou a garrafa e jogou nele, passando direto por sua cabeça e quebrando às suas costas. Então, ele foi ao bar e se serviu de uma garrafa maior de vodka. Para recriar a situação, Depp levantando-se do banco de testemunha e interpretou o momento em que, segundo ele, Heard pegou outra garrafa para atirar em sua direção.
“Minha mão estava na beirada do bar e ela jogou a garrafa grande, que quebrou em todos os lugares, e eu honestamente não senti a dor”. Mas disse que sentiu pingar sangue e “olhei para baixo e percebi que a ponta do meu dedo havia sido cortada. Eu estava olhando diretamente para o meu osso saindo e a parte carnuda do interior do dedo, e o sangue estava saindo.”
Depp afirmou que ao ver o dedo transformado numa espécie de vulcão “Vesúvio” entrou em “uma espécie de colapso nervoso” e começou a escrever nas paredes com seu próprio sangue. Ele não disse o que estava escrito, citando apenas que eram “pequenos lembretes do nosso passado, que representavam mentiras que ela me contou e mentiras nas quais eu a peguei”.
Os advogados de Heard disseram que pretendem provar que o corte de Depp foi auto-infligido durante um surto, seguido por coisas horríveis escritas com sangue nas paredes.
Depp trocou a palavra “surto” por “colapso”, ao explicar porque não conseguia se lembrar do que fez em seguida. Ele relatou que foi ao pronto-socorro, mas disse a seu médico particular que havia esmagado o dedo em portas sanfonadas. O motivo, de acordo com sua explicação, foi para “manter as coisas o mais compactas possível”.
Aos jurados foram mostradas fotos gráficas de sua lesão, bem como uma foto do rosto de Depp com uma marca, que ele afirmou ser resultado de uma agressão de Heard com o cigarro em sua bochecha.
Depp disse que fez uma cirurgia para reconstruir o dedo por meio de um enxerto de pele de outra parte da mão. Ele explicou que usou um curativo durante o resto da produção de “Piratas do Caribe: Vingança de Salazar”, escondido no filme por meio de efeitos especiais.
O ator também relembrou a ocasião em que encontrou cocô na cama, após uma briga com a então esposa. “Minha reação inicial foi rir. Era uma coisa tão bizarra e tão grotesca que eu só conseguia rir”, começou ele. “Ela tentou culpar os cachorros. Eles são yorkshires pequenos e pesam cerca de 4 kg cada. Eu vivi com aqueles cachorros. Eu peguei o cocô deles. Não foram os cachorros”, acusou.
E seguiu descrevendo a esposa como alucinada e agressiva, alguém que sempre o atacava com “violência”. “Em sua frustração e raiva, ela sempre atacava”, ele testemunhou. “Podia começar com um tapa, podia começar com um empurrão, podia começar com um controle remoto da TV na minha cabeça. Poderia começar jogando uma taça de vinho na minha cara. Em suma, foi constante.”
O júri provavelmente ouvirá uma versão radicalmente oposta durante o testemunho de Heard. Mas uma prévia dos embates de versões já pôde ser antevista após o final do depoimento espontâneo do ator, quando o advogado da atriz começou a questioná-lo.
De imediato, Depp precisou admitir para o júri que o artigo em que baseou seu processo não cita seu nome e que assinou uma declaração em 2016, afirmando que “nenhuma das partes fez falsas acusações” após iniciar o divórcio. Esta declaração foi uma condição exigida por Heard para tirar da Justiça uma medida de restrição contra o ator, após ela indicar a um juiz ter sido vítima de violência doméstica.
Ao pedir o divórcio, Heard obteve uma ordem de restrição temporária, alegando que Depp a agrediu depois de uma discussão em que estava bêbado em seu apartamento em Los Angeles. A denúncia diz que ele “começou a ficar obcecado por algo que não era verdade” e “ficou extremamente irritado”, jogando um telefone em Heard, atingindo sua bochecha e olho “com extrema força”.
Uma declaração separada de uma amiga de Heard que testemunhou a cena, Raquel Pennington, apoiou a versão de Heard, incluindo uma descrição de que Depp balançava uma garrafa de vinho “como um taco de beisebol”.
“Fui aconselhado por meus advogados a não lutar contra isso”, Depp explicou, tentando justificar o motivo de não ter contestado as acusações de abuso de Heard na época, preferindo esperar quase três anos para processá-la por insinuações a este respeito num editorial do Washington Post que não cita seu nome.
A parte mais importante do julgamento por difamação é provar que o demandante sofreu danos à sua reputação por uma declaração ou artigo específico. O advogado demonstrou que Heard já tinha feito a acusação anteriormente – e na Justiça – sem ser contestada, e Depp assinou um documento afirmando que a declaração não era falsa.
Outro argumento contestado pela defesa foi de que o editorial teria custado ao ator o papel de Jack Sparrow, supostamente extirpado do próximo filme dos “Piratas do Caribe”. O advogado de Heard buscou mostrar que a Disney havia tomado a decisão de não contratar Depp bem antes da publicação do texto, além de lembrar que Depp nem queria fazer o filme.
A prova apresentada foi um artigo publicado no jornal britânico Daily Mail, datado de 25 de outubro de 2018, dois meses antes do editorial do Washington Post, que afirmava que Depp estava “fora” da franquia dos piratas.
Pressionado pela defesa, Depp confessou a Rottenborn e ao tribunal que ele realmente não tinha ideia se outro filme da franquia seria feito. A Disney não deu nenhum prosseguimento a “Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar”, após as confusões judiciais do ator. Portanto, não seria possível afirmar que ele “perdeu” o papel num filme que nunca entrou em produção.
Os argumentos da defesa avançaram direto sobre as alegações de Depp para abrir o caso, mostrando que elas não se sustentam. Mas o julgamento deve se estender até meados de maio e trazer ainda a versão de Heard sobre os detalhes mais sombrios do relacionamento do ex-casal.
Depp vai continuar no banco das testemunhas nesta quinta (21/4).
Todo o julgamento está sendo transmitido ao vivo pelo canal americano Court TV, disponível pela internet.
Veja abaixo os vídeos do segundo dia de depoimentos do ator.