A escritora britânica JK Rowling, criadora de “Harry Potter”, não abre mão de ser rotulada como transfóbica. Quando os fãs começam a esquecer suas declarações mais polêmicas, ela volta a carga para lembrar a todos que é contra os direitos de pessoas transexuais.
Na segunda-feira (7/3), Rowling entrou em conflito com a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, depois que um Projeto de Lei de Reforma do Reconhecimento de Gênero foi apresentado na semana passada em Holyrood, o parlamento escocês. A mudança legislativa visa simplificar a burocracia para o reconhecimento de gênero de pessoas transexuais, independente de relatórios médicos ou provas de uma transição.
“Vários grupos de mulheres apresentaram evidências de boa fonte ao governo de Nicola Sturgeon sobre as prováveis consequências negativas dessa legislação para mulheres e meninas, especialmente as mais vulneráveis. Tudo foi ignorado”, escreveu Rowling em sua conta no Twitter. “Se a legislação for aprovada e essas consequências ocorrerem como resultado, não podem fingir que não foram avisados”, acrescentou.
Uma fã com pseudônimo de personagem de quadrinhos questionou a escritora se ela queria mesmo ver seu legado morrer nesta “colina”, uma forma de se referir a batalha em inglês. “Sim, querida. Vou ficar aqui nesta colina, defendendo o direito de mulheres e meninas falarem sobre si mesmas, seus corpos e suas vidas da maneira que bem entenderem. Você se preocupa com seu legado, eu me preocupo com o meu”, Rowling respondeu.
A primeira-ministra da Escócia também lamentou a posição da escritora. Em entrevista no programa de rádio “The World at One” da BBC Radio 4, ela afirmou que discordava “fundamentalmente” da oposição de Rowling ao Projeto de Reforma do Reconhecimento de Gênero sob a alegação de que ameaçaria mulheres vulneráveis.
A legislação proposta “não dá mais direitos às pessoas trans, não dá às pessoas trans um único direito adicional que elas não têm agora. Nem tira das mulheres nenhum dos direitos atuais existentes que as mulheres têm sob a lei de igualdade”, argumentou Sturgeon.
Rowling subiu na colina da intransigência em junho de 2020, quando tuitou pela primeira vez sobre um artigo de opinião a respeito de “pessoas que menstruam” e zombou do texto por não usar a palavra “mulheres”. O tuite gerou uma reação, já que mulheres transexuais não menstruam, o que levou a autora a se defender e elaborar seus pontos de vista em um ensaio, onde se declarou claramente contra os direitos dos transexuais, explorando a descrição mais sensacionalista e preconceituosa possível, reduzindo mulheres trans a estupradores em potencial.
“Eu me recuso a me curvar a um movimento que eu acredito estar causando um dano demonstrável ao tentar erodir a ‘mulher’ como uma classe política e biológica e oferecer cobertura a predadores como poucos antes dele”, ela escreveu. “Quando você abre as portas dos banheiros e dos vestiários para qualquer homem que acredite ser ou se sinta mulher – e, como já disse, os certificados de confirmação de gênero agora podem ser concedidos sem a necessidade de cirurgia ou hormônios -, você abre a porta a todo e qualquer homem que deseje entrar. Essa é a verdade simples”, disse a autora.
A declaração foi confrontada por ninguém menos que Nicole Maines, estrela de “Supergirl” que viveu a primeira super-heroína transexual da TV. Ela se tornou conhecida aos 15 anos de idade por enfrentar o mesmo preconceito defendido por Rowling, sendo constantemente humilhada e impedida de frequentar o banheiro feminino de sua escola. Como também não podia ir ao banheiro masculino, onde sofria bullying, sua família entrou com uma ação na Justiça contra discriminação. Em junho de 2014, a Suprema Corte dos Estados Unidos concluiu que o distrito escolar havia violado seus direitos humanos. A família Maines recebeu uma indenização de US$ 75 mil e todas as escolas americanas foram proibidas de impedir alunos transgêneros de entrar no banheiro com qual se identificassem.
Sem argumentos para discutir com Maines, Rowling foi adiante, escrevendo um livro sobre um assassino travesti, “Sangue Revolto” (Troubled Blood), lançado no ano passado dentro da coleção de mistérios do detetive Cormoran Strike.
Rowling também defendeu uma pesquisadora demitida após protestar contra mudanças de leis britânicas que passaram a reconhecer os direitos de pessoas transexuais, escrevendo no Twitter que “homens não podem se transformar em mulheres”.
Esta postura transfóbica, disfarçada de feminismo, criou atrito até com os atores Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint, que renegaram os argumentos da criadora de “Harry Potter”, colocando-se ao lado das pessoas transexuais.
Daniel Radcliffe chegou a tuitar um pedido de desculpas em seu nome para a comunidade trans.
Embora não tenha comentado as críticas dos intérpretes de “Harry Potter”, ela apagou um elogio a Stephen King nas redes sociais após escritor defender mulheres trans. Foi além: devolveu um prêmio humanitário que recebeu da fundação de Direitos Humanos batizada com o nome do falecido senador Robert F. Kennedy após Kerry Kennedy, filha do célebre político americano, manifestar sua “profunda decepção” com os comentário transfóbicos.
Por “acaso”, ela também não apareceu no recente reencontro com o elenco dos filmes de “Harry Potter”, disponibilizado pela HBO Max, após ser rejeitada até por comunidades de fãs da franquia. Oficialmente, ela teria dito que as imagens de arquivo seriam suficientes.
and those consequences ensue as a result, the @SNP govt can’t pretend it wasn’t warned. 2/2
— J.K. Rowling (@jk_rowling) March 7, 2022
Yes, sweetheart. I'm staying right here on this hill, defending the right of women and girls to talk about themselves, their bodies and their lives in any way they damn well please. You worry about your legacy, I'll worry about mine 😉 https://t.co/wLekwpMQEe
— J.K. Rowling (@jk_rowling) March 8, 2022