O ator Leonard Roberts assinou um artigo para a revista Variety, nesta quinta (17/12), sobre os bastidores conturbados de sua passagem pela série “Heroes”, há 13 anos, em que acusa uma atriz e os produtores de racismo.
Roberts interpretou brevemente o personagem D.L. Hawkins e apontou que, do início de sua participação, até sua demissão sofreu atitudes racistas do criador Tim Kring, do produtor Dennis Hammer e da colega de cena Ali Larter.
Em seu relato, Roberts repara que, logo no início da produção, os roteiros dos episódios eram constantemente modificados para atrasar a estreia do seu personagem — inicialmente, ele estava no piloto, mas a aparição continuou sendo adiada até se concretizar só no sexto episódio da trama.
O ator ainda contou que ficou esperando uma ligação de Tim Kring para que os dois se reunissem para discutir ideias para o personagem, como ele havia feito com outros atores, mas a tal ligação nunca se concretizou.
“Eu descobri que, apesar de ter três atores principais negros, não havia nenhum roteirista negro na equipe de ‘Heroes’. Depois, tivemos um photoshoot promocional, no qual todos os atores principais negros adultos foram relegados para a parte de trás e as laterais da foto – eles disseram que nós éramos ‘altos'”, escreveu o ator.
Quando finalmente estreou na série, Roberts teve problemas com Ali Larter, que interpretava sua mulher na trama, Niki Sanders. “Eu sou um ator do teatro, então estou acostumado com os intérpretes se tornando um pouco passionais no processo. Por isso, após as primeiras tensões entre nós, enviei uma garrafa de vinho a Ali com um bilhete, afirmando o comprometimento com uma colaboração frutífera. Ela nunca me respondeu ou mencionou isso para mim”, disse.
Roberts também recordou um momento em que Larter brigou com o diretor de um episódio, Greg Beeman, que pediu que ela abaixasse as alças de sua blusa em uma cena em que Niki e D.L. estavam juntos na cama, conversando. Beeman queria passar a impressão que Niki estava nua por baixo das cobertas, sem de fato pedir para a sua estrela se despir, mas Larter se recusou.
Pouco depois, Roberts descobriu que a sua colega de elenco já havia filmado anteriormente uma cena em que sua personagem precisava seduzir Nathan Petrelli (Adrian Pasdar), um homem branco, e que ela não tinha visto problemas de aparecer de lingerie naquele momento da série. “Não pude deixar de pensar: será que minha cor foi pesou na recusa dela?”, ponderou.
Após o fim das filmagens, durante uma sessão de fotos para promover a série, onde os casais de “Heroes” apareceriam em capas de revista individuais, Larter se aproximou de Roberts e falou: “Me disseram que a nossa capa é a que está vendendo menos”. O ator relembra: “A mensagem dela era clara: você está manchando a minha imagem”.
Por fim, Roberts recorda o momento em que foi demitido da série, quando recebeu uma mensagem de Kring na caixa postal do seu telefone, dizendo que seu personagem morreria fora de cena, antes do início da 2ª temporada, e que o ator poderia marcar uma reunião com ele, se quisesse, para discutir a situação. Quando a reunião aconteceu, o produtor Dennis Hammer também estava presente.
O criador mencionou Larter pelo nome ao explicar a decisão de demitir Roberts, enquanto Hammer tentou tranquilizá-lo ao dizer que “ele era amado por todos no set, enquanto ela era odiada”.
Acho que eles estavam esperando que eu me juntasse a eles em criticar minha colega de cena. Eu não fiz isso. […] Foi quando Hammer disse que eu não deveria me preocupar, que ainda teria muitas oportunidades no futuro: ‘Não pense nisso como a situação em que um cara negro foi demitido, e a mulher branca venceu’.”
O criador e o produtor teriam tentado, então, agradar Roberts ao mudar os planos para o personagem, concedendo a ele mais dois episódios, incluindo uma cena de morte impactante. “Quando filmarmos, vai ver o quanto você significa para todos nós na família ‘Heroes'”, teria dito Hammer.
Quando recebeu os roteiros, Roberts descobriu que D.L. seria morto por um tiro, embora o seu poder na série fosse a capacidade de atravessar paredes e outros obstáculos sólidos. “Aparentemente, balas de revólver não estavam incluídas aí”, ironizou o ator.
Na cena final de D.L. Hawkins, o meu assassino levantava a sua arma e eu, de costas para a câmera, tiro o meu corpo para fora. Com o som do tiro, a cena termina em um close-up no rosto de Niki, manchado com o meu ‘sangue’. Foi tudo filmado em um take. […] Minha colega de elenco me deu um abraço de adeus, que foi o maior sinal de afeição que já demonstramos na frente ou atrás das câmeras. Todo mundo foi embora. Enquanto estava andando até o meu carro, as palavras de Hammer ecoavam na minha cabeça: ele estava certo, agora eu via o quanto significava para a ‘família’ de ‘Heroes’.”
Roberts conclui seu artigo refletindo sobre as sequelas que a experiência deixou. “Eu internalizei um sentimento de raiva e derrota que nunca tinha sentido antes. Percebi que não tinha agência para exigir nada de um ambiente de trabalho no qual, mesmo assim, era esperado que eu entregasse um trabalho excelente”, disse.
Para o ator, saber que qualquer outro trabalho poderia levar a uma experiência similar o deixou “exausto” da profissão. “Eu me afastei de colegas, amigos e entes queridos, porque acreditava ser um fracassado, que tudo podia ter sido diferente se eu fosse um ator ou uma pessoa melhor. Minha voz e minha luz foram enfraquecidas”, continuou.
“Será que as pessoas com quem trabalhei eram racistas? Mesmo agora, meu instinto é dizer que não, que conheci muita gente incrível em ‘Heroes’, gente que eu chamo de ‘amigo’ até hoje. […] Mas será que dizer isso, mesmo que seja verdade, nega que eu tenha trabalhado em um ambiente onde a branquitude era o padrão, o ideal? Ou que o meu propósito naquela série era preservar esse ideal, na frente das câmeras e atrás delas, não importa o quanto isso me prejudicasse como artista, profissional e homem? Não, não nega.”
Com a repercussão do texto, Ali Larter respondeu aos relatos do ex-colega de elenco:
“Me sinto profundamente triste ao ouvir sobre a experiência de Leonard Roberts em ‘Heroes’, e estou de coração quebrado ao ler sobre a percepção que ele tinha do nosso relacionamento, que não combina com a minha memória, ou a minha experiência, da série. […] Peço desculpas pelo papel que posso ter desempenhado na experiência dolorosa dele naquela época, e desejo a ele e sua família tudo de melhor”, ela se manifestou, ao ser contatada pelo site TVLine.
Kring e Hammer também se defenderam das acusações. O criador da série disse que reunir um elenco diverso sempre foi uma prioridade para ele em “Heroes”, mas reconheceu o seu erro ao não incluir roteiristas e outros profissionais negros por trás das câmeras. Já o produtor disse apenas que “14 anos é muito tempo atrás”, mas se lembrava de Roberts “como um ótimo profissional”.