Francisco Weffort (1937-2021)
O cientista político e ex-ministro da Cultura Francisco Weffort morreu no domingo (1/8), aos 84 anos, em decorrência de um infarto do miocárdio. Ele nunca trabalhou no cinema. Mas foi um dos homens mais importantes para a História do Cinema Brasileiro. Professor acadêmico da USP com várias obras publicadas e um dos fundadores do PT, ele participou ativamente da campanha das Diretas Já e foi filiado ao partido até 1994, quando foi convidado a assumir o cargo de ministro durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ele permaneceu no cargo de ministro da Cultura por sete anos, de 1995 a 2002, onde teve papel importante na retomada da produção cinematográfica no país, com a implementação da Lei do Audiovisual. Tanto a lei federal de incentivo, iniciada por Sérgio Paulo Rouanet (por isso Lei Rouanet) em 1991, e a Lei do Audiovisual, iniciada por Antônio Houaiss em 1992, já existiam antes do governo FHC. Mas só passaram a funcionar amplamente a partir de 1995. No intuito de criar uma “cultura de investimentos” pelas leis de incentivo, Weffort estimulou empresas estatais, como a Petrobrás, o Banco do Brasil e principalmente as empresas de telecomunicações (Telebrás, Telesp, Telerj etc.) a se tornarem as principais investidoras do cinema brasileiro. O sucesso dos primeiros filmes incentivados logo chamou atenção da iniciativa privada. Não por acaso, este período ficou conhecido pelo nome de “Retomada”, por representar o resgate da produção cinematográfica brasileira, praticamente interrompida durante o governo Collor, que fechou a Embrafilme em 1990. A partir de 1995, com o sucesso de “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, “Terra Estrangeira” e “O Quatrilho”, o cinema brasileiro tomou novo rumo e embalou. De cerca de 15 filmes produzidos em 1995, o país saltou para 185 longas-metragens em 2018, último ano antes da devastação do governo Bolsonaro. E foi um salto também de qualidade. Enquanto Weffort foi ministro, o Brasil teve quatro filmes indicados ao Oscar – os longas “O Quatrilho” (em 1996), “O Que é Isso, Companheiro?” (em 1998) e “Central do Brasil” (em 1999), além do curta “Uma História de Futebol” (em 2001). Em 2019, Bolsonaro acabou com o Ministério da Cultura, paralisou a Lei Rouanet, proibiu o patrocínio cultural de estatais, aparelhou a Ancine para congelar o Fundo Setorial do Audiovisual e vetou a renovação do Recine e da Lei do Audiovisual. Mas em agosto de 2020, o Congresso Nacional restituiu a Lei do Audiovisual, derrubando o veto obscurantista e mantendo vivo o legado de Weffort e Houaiss. Weffort foi um dos ex-ministros da Cultura que protestaram contra a extinção do Ministério por Bolsonaro. “A extinção do Ministério da Cultura é um erro. A existência do Ministério tem garantido um olhar à altura da relevância da cultura e da arte na vida brasileira. Mesmo com recursos limitados, a pasta foi capaz de defender, formular, fomentar, criar e inovar a relação do Estado com a sociedade no plano da cultura, em respeito às tradições brasileiras desde o império”, dizia o texto de um manifesto assinado por ele e outros ex-ministros da pasta, que também questionavam “a demonização das redes de incentivo”. A política anticultural de Bolsonaro culminou numa coincidência trágica. Enquanto Weffort morria, o ministro-sanfoneiro Gilson Machado, do Turismo, dava vexame como representante do Brasil numa conferência internacional de Ministros da Cultura, falando mentiras absurdas sobre a preservação da Amazônia – desmascaradas pelo vice-presidente Mourão no dia seguinte – num discurso ideológico que repercutiu negativamente em todo o mundo, ao mesmo tempo em que ignorou a pauta de Cultura do evento – de resto, irrelevante para o atual governo. Nesta segunda-feira (2/8), o ex-presidente Fernando Henrique prestou uma homenagem a seu antigo ministro em suas redes sociais. “Hoje minha homenagem e minhas considerações estão voltadas especialmente ao caro Weffort, que deixa um vazio imenso em todos os que lhes eram próximos. Saudades”, escreveu. Por meio de nota, o ex-presidente Lula também destacou a importância do antigo ministro, em seu caso para a estruturação do PT. “Francisco Weffort foi um cientista político que marcou a academia brasileira, um professor por vocação, e um intelectual público dedicado a pensar sobre a democracia e o Brasil, não só estudando e refletindo sobre nossa realidade, mas também atuando como cidadão pelas causas que acreditava para um país melhor”, escreveu o petista. Ex-ministros da Cultura também manifestaram pesar pela morte de Weffort. Sérgio Sá Leitão, que ocupou o posto no governo Temer, destacou que o cientista político “ajudou a consolidar o MinC, valorizou as instituições federais da área e potencializou a Lei Rouanet”. Marcelo Calero afirmou nas redes sociais que Weffort foi “um grande nome na construção de políticas públicas culturais”.
Regina Duarte, que iria “presidir” Cinemateca, cala-se sobre o incêndio
A atriz Regina Duarte, que ganhou a promessa de Jair Bolsonaro de virar “presidente” da Cinemateca Brasileira ao ser demitida da secretaria da Cultura no ano passado, silenciou sobre o incêndio que atingiu a instituição após intervenção do governo federal. Num vídeo divulgado durante sua demissão, em maio de 2020, a atriz chegou a celebrar o “cargo” imaginário – uma suposta compensação – como um grande presente. “Acabo de ganhar um presente, que é o sonho de qualquer profissional de comunicação, de audiovisual, de cinema e de teatro, um convite para fazer a Cinemateca, que é um braço da cultura em São Paulo. Ficar secretariando o governo na cultura dentro da Cinemateca. Pode ter presente maior do que isso?” Ao lado da atriz no mesmo vídeo, Bolsonaro ainda comentou: “Ir para Cinemateca do lado do apartamento, saber que você vai ser feliz e produzir muito mais. Fico feliz por isso”. Só que o tal “cargo” não existia. Nenhuma surpresa nisso, para quem acompanha as famosas “lives” de universo paralelo. O problema, entretanto, foi o que aconteceu depois. Na ocasião em que Bolsonaro prometeu dar a Regina Duarte o controle da Cinemateca Brasileira, a instituição não era administrada diretamente pelo governo federal, mas por uma organização social, a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto). Só após promover o retorno da Cinemateca à administração federal é que o governo poderia alterar sua diretoria. E foi o que aconteceu. Para pressionar a Acerp, Bolsonaro cortou as verbas destinadas à administração da Cinemateca. Em 2019, a previsão era de entrada de R$ 13 milhões, mas só R$ 7 milhões foram transferidos até dezembro. Em 2020, nada. Paralelamente, o polêmico ex-ministro da Educação Abraham Weintraub criou uma confusão jurídica ao romper unilateralmente o contrato com a Acerp para a produção de programas da TV Escola. Como a administração da Cinemateca era um adendo daquele contrato, a gestão do mais importante espaço de preservação da história do cinema brasileiro caiu no limbo. Diante do caos criado por Weintraub, a expectativa da Acerp era obter um contrato de emergência com a Secretaria Especial de Cultura, que marcou uma reunião para discutir a situação. Mas o resultado do encontro em junho foi uma nota, divulgada pelo ministério do Turismo, que afirmava que a Cinemateca Brasileira seria reincorporada à União. Para tanto, o governo decidiu pela oficialização do encerramento do contrato de gestão com a Acerp. “A Cinemateca Brasileira não será fechada e agora entra na fase natural de reincorporação pela União, uma vez que não existe respaldo contratual para a Organização Social permanecer”, disse a nota. E o texto oficial ainda completou: “A Cinemateca Brasileira, que detém uma parcela significativa da memória audiovisual e documental brasileira, prosseguirá sob a Direção da Secretária Regina Duarte”. Dias depois, ao assumir o cargo que pertencia a Regina Duarte, Mario Frias confirmou os planos. “A Regina é um ícone que faz parte da nossa história, merece todo o respeito. É um pedido pessoal do presidente da República. Existe, sim, a possibilidade de ser criada uma secretaria para ela cuidar da Cinemateca e ela vai ser tratada com toda dignidade que merece. Assim que o imbróglio jurídico se resolver, a Regina Duarte vai ter um lugar de destaque na Cinemateca”, afirmou Frias à Rádio Jovem Pan. Durante a entrevista, o ex-ator de “Malhação” ainda disse que havia um movimento “forte” para tentar resolver o impasse. “A minha primeira ação como secretário foi fazer uma visita técnica. O contrato acabou em 2019 e não foi renovado. O acervo e os profissionais deveriam ser muito valorizados porque são profissionais únicos. Não tenho dúvida nenhuma de que aquele acervo é do povo brasileiro. Há um imbróglio jurídico, a meu ver lamento o fato de as pessoas não estarem pensando no acervo e no potencial que aquilo tem. Juridicamente a gente não pode intervir nesse momento enquanto não há uma solução. Há um movimento muito forte tanto meu quanto do ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio. Temos um projeto emergencial para ajudar”, disse. Ele ainda acrescentou: “Mandamos um corpo técnico para uma visita e avaliação de inventário, para averiguar as necessidades emergenciais. A nossa equipe foi impedida de entrar, fizemos um boletim de ocorrência porque não podem impedir, pois é patrimônio do brasileiro e responsabilidade nossa cuidar. Hoje estou aguardando um parecer jurídico, com toda vontade do mundo de fazer o bem”, ressaltou. Na verdade, o chamado “corpo técnico” da secretaria de Cultura foi enviado para pegar as chaves da instituição, com a intenção de assumir a Cinemateca na marra. Apesar do chamado “imbróglio jurídico” – isto é, o contrato original de seção pública da Cinemateca, datado de 1984, que proibia o governo de assumir seu controle – , três meses após Bolsonaro prometer dar a Cinemateca de “presente” para Regina Duarte, viaturas da PF ocuparam a frente do prédio e, com escolta ostensiva, um representante da secretaria da Cultura pegou as chaves da Cinemateca Brasileira. Em seguida, todo corpo técnico da instituição, responsável pela manutenção e preservação de seu arquivo histórico, foi demitido. Weintraud rasgou o contrato com a Acerp em dezembro de 2019. Bolsonaro prometeu dar a Cinemateca para Regina Duarte em maio de 2020. Em agosto de 2020, a Polícia Federal foi usada para a tomada das chaves da instituição e todos os funcionários foram demitidos. Em abril de 2021, os ex-funcionários alertaram que a falta de responsáveis pela manutenção do acervo poderia gerar um incêndio. Em julho de 2021, o MPF-SP (Ministério Público de São Paulo) reforçou o alerta de perigo de incêndio. Uma semana depois, o acervo da Cinemateca Brasileira pegou fogo. Um dia depois, a secretaria de Cultura publicou edital para contratar uma nova organização social que tomasse conta da Cinemateca, oficialmente desistindo dos planos de transformar Regina Duarte em sua presidente. Nem Weintraud, nem Bolsonaro, muito menos Regina Duarte se manifestaram sobre o incêndio do patrimônio histórico e cultural brasileiro, que aconteceu na quinta-feira (31/7). Na sexta-feira (30/7), Regina Duarte publicou o seguinte texto em seu Instagram: “O segredo dessa vida é beleza e paciência. Se der certo: beleza! Se der errado: paciência”.
Samantha Schmütz cobra reação ao incêndio na Cinemateca e Marina Ruy Barbosa veste a carapuça
A atriz Samantha Schmütz comprou nova briga com colegas num protesto contundente em suas redes sociais após o incêndio na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. “É muito triste o que está acontecendo com o nosso cinema, com a nossa cultura. E eu fico pensando que as artistas que apoiam esse governo, que ajudaram a eleger esse governo, que fazem cinema, estão quietas. Essas pessoas que usurpam da arte somente pra fazer coisas periféricas, elas usam da arte somente pra fazer publis, capas, eventos, presenças… Mas elas não estão nem aí pro cinema nacional. Essas pessoas deveriam ter vergonha na cara e nunca mais pisar num set de filmagem. Nem pra fazer figuração, que fosse”, iniciou a atriz numa sequência de posts. “E cadê as beldades que estavam em Cannes, desfilando seu colares? Atrizes, modelos… Cadê vocês, lindas, que foram pra Cannes? Cadê vocês que têm milhões de seguidores, que vão pra lá e desfilam vestidos de marca? Pessoas vão pra Cannes representar o cinema brasileiro, mas não venderam um ingresso”, continuou, manifestando inconformismo e raiva. “Está tudo errado! Parem de pensar só no seu umbigo, na sua conta bancária. Meu sonho é que pseudos artistas não ocupem o lugar de verdadeiros artistas. Ao invés de estar em Cannes vocês deveriam estar em cana. É isso que eu acho. Presos por omissão, por colaborar, por serem coniventes com a destruição, com o sucateamento da nossa profissão”. Os seguidores da artista logo deram nomes para os alvos do desabafo. E uma das atrizes que esteve este ano no Festival de Cannes sem filme para divulgar resolveu se manifestar. Marina Ruy Barbosa, que cruzou o tapete vermelho de Cannes com um longo vestido preto de tule da Maison Valentino, além de joias da grife Chopard, num passeio com o namorado deputado do PP, partido do Centrão, publicou um textão de resposta. “O incêndio à Cinemateca é uma agressão à cultura do nosso país. Estamos vendo nossa história ser queimada há tempos, nossa cultura sendo completamente abandonada. Isso é inquestionável. E é sobre isso que devemos falar. E cobrar do governo, que é quem realmente pode fazer alguma coisa. A cobrança em relação à minha ida e participação no festival de Cannes, não deveria ser pauta e nem motivo de preocupação”, ela escreveu. “Eu tenho muito orgulho de ser atriz, de trabalhar com o que eu amo desde os nove anos de idade, buscando meu espaço. O fato de ter ido para o festival, contratada por uma marca para trabalhar, e estar ao lado de mulheres incríveis como Sharon Stone e Melanie Thierry, não deveria causar tamanha indignação de alguns. Devemos respeitar todos os profissionais e todos os trabalhos, independentemente da nossa opinião. Não podemos nos achar no direito de desqualificar nossos colegas. Somos todos muito rápidos para cobrar. Mas lembremos: na rapidez que cobramos seremos cobrados também”, continuou. “A cobrança por um posicionamento imediato, que se traduz em um ‘post’ sobre algo que aconteceu há algumas horas, não reflete o que alguém pensa ou com o que ela realmente se importa. Existe muita vida fora das redes sociais. As redes sociais são apenas um recorte de uma pequena parte da vida. Enquanto eu estiver viva e houver oportunidade, seguirei trabalhando com muita dedicação, como sempre fiz desde criança. Acabamos de enaltecer a sábia decisão tomada por Simone Balis (sic), por exemplo, que abriu mão de competir nas olimpíadas para priorizar sua saúde mental. Ela declarou: ‘Eu não confio mais tanto em mim mesma.’ Vamos começar a pensar no quanto estamos colaborando e sendo responsáveis por esse tipo de pressão nas pessoas? Vamos olhar para como estamos utilizando de forma equivocada as nossas cobranças? Devemos acreditar em nós mesmos – e isso vale especialmente para as mulheres – , levantar sempre a cabeça, fazer o que está ao nosso alcance e não deixar nunca ninguém nos desmerecer ou subjugar”, finalizou, errando o nome da atleta americana Simone Biles. Enquanto isso, outras artistas que apoiam o governo continuam caladas. “Continuam em Narnia com seus tik tques”, lamentou Schmütz no Twitter.
#MarioFriasnaCadeia vira tendência no Twitter após incêndio da Cinemateca
Artistas, políticos de oposição e anônimos transformaram a hashtag #MarioFriasnaCadeia numa das principais tendências do Twitter nesta sexta (30/7), um dia após o incêndio da Cinemateca. Contando com uma multidão virtual, da cantora Mart’nália ao senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI da Covid, o protesto teve engajamento até do autor de novelas Walcyr Carrasco, que postou em seu Instagram: “Há responsabilidades que devem ser apuradas. #MarioFriasnaCadeia”. Enquanto isso, nas redes sociais, o secretário de Cultura Mario Frias tentou colar a culpa da tragédia no PT… “O estado que recebemos a Cinemateca é uma das heranças malditas do governo apocalíptico do petismo, que destruiu todo o estado para rapinar o dinheiro público e sustentar uma imensa quadrilha de corrupção e sujeira criminosa. Não tivessem feito isto, teríamos verba para criar mil novas Cinematecas”, afirmou o secretário, que coordenou o despejo da Acerp (vencedora de edital e no período de vigência de seu contrato) da Cinemateca com escolta da Polícia Federal. O incêndio aconteceu enquanto o Ministério Público Federal (MPF) investigava o que levou o governo a romper com a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto) de forma unilateral em dezembro de 2019, e após a realização de uma primeira inspeção que teria apontado vários problemas na manutenção do prédio e do acervo, sob responsabilidade exclusiva da secretaria de Frias. Desde que foi fechada em agosto de 2020, quando um representante de Frias chegou com escolta ostensiva da Polícia Federal para pegar as chaves e expulsar a organização social responsável por sua manutenção e preservação, não faltaram avisos de perigo de incêndio na entidade. Foi uma tragédia mais que anunciada. Mesmo sem vínculo empregatício, vários funcionários antigos emitiram um comunicado em abril deste ano alertando para o perigo criado com o abandono da instituição e pedindo uma ação emergencial, de modo a evitar um desastre como o do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. “A possibilidade de autocombustão das películas em nitrato de celulose, e o consequente risco de incêndio frequentemente recebem atenção da mídia e do público. A instituição enfrentou quatro incêndios em seus 74 anos, sendo o último em 2016, com a destruição de cerca de 500 obras. O risco de um novo incêndio é real”, alertava o texto. Foi ignorado. Há menos de duas semanas, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) fez outro alerta ao governo federal sobre o risco de incêndio. A audiência realizada no dia 20 de julho na Primeira Vara Federal integrava a ação do MPF contra a União por abandono da Cinemateca, e reforçou aviso feito há um ano sobre o perigo de sinistro. “O MPF tem alertado a União e ao poder Judiciário federal desde 15 de julho do ano passado sobre o perigo incessante de incêndio. E ele hoje infelizmente se consumou”, afirmou o procurador da República Gustavo Torres Soares, autor da ação civil pública sobre a Cinemateca. Já há, portanto, uma ação correndo na Justiça que pode vir a transformar hashtag em realidade.
Depois do incêndio, secretaria da Cultura lança edital de gestão da Cinemateca
Parece piada. Um dia depois de um galpão da Cinemateca Brasileira pegar fogo, com prejuízo incalculável para o patrimônio e a memória do audiovisual nacional, a secretaria de Cultura do governo Bolsonaro finalmente fez um “chamamento público” para escolher uma “entidade privada sem fins lucrativos” para gerir o órgão. O edital foi publicado nesta sexta-feira (30/7) no Diário Oficial, com um atraso de apenas dois anos: em 7 de agosto de 2020 a secretaria de Cultura cancelou o contrato firmado com a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto), que administrava a Cinemateca e, desde então, ignorou todos os avisos de perigo de incêndio e tentativas da impedir o desastre. De acordo com o edital, a organização social contratada deverá executar “atividades de guarda, preservação, documentação e difusão do acervo audiovisual da produção nacional por meio da gestão, operação e manutenção da Cinemateca Brasileira.”. Quem vencer o edital pode ter pouco trabalho, pois ainda não se sabe o que restou de material da Cinemateca para ser preservado. Enquanto isso, nas redes sociais, o secretário de Cultura Mario Frias tentou colar a culpa da tragédia no PT… “O estado que recebemos a Cinemateca é uma das heranças malditas do governo apocalíptico do petismo, que destruiu todo o estado para rapinar o dinheiro público e sustentar uma imensa quadrilha de corrupção e sujeira criminosa. Não tivessem feito isto, teríamos verba para criar mil novas Cinematecas”, afirmou o secretário, que coordenou o despejo da Acerp (vencedora de edital e no período de vigência de seu contrato) da Cinemateca com escolta da Polícia Federal. O mesmo secretário pediu para a mesma Polícia Federal investigar se o incêndio da Cinemateca foi criminoso. Mas não é piada.
Cinemateca pega fogo em tragédia anunciada
Um incêndio de grandes proporções atingiu uma unidade da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, por volta das 18h desta quinta-feira (29/7). Um galpão de cerca de 1 mil m², com acervo inestimável e insubstituível, teria sido totalmente perdido. Ao todo, 70 bombeiros e 18 viaturas foram mobilizadas para controlar as chamas. De acordo com declarações dos bombeiros, o fogo teria iniciado em uma sala de acervo histórico de filmes, no 1º andar, durante uma manutenção de ar condicionado, conduzida por empresa terceirizada contratada pelo governo federal. “É o galpão de arquivo. Acreditamos ter muito filme, CD, cartazes… Filme antigo tem nitrato de celulose, é um tipo de produto que pega fogo muito fácil, bastante inflamável, e suspeitamos que esse seja o principal material, até pela coloração do fogo”, explicou o porta-voz dos Bombeiros, Marcus Palumbo. Fundada em 1946, a Cinemateca guarda registros de valores incalculáveis, como filmes feitos durante as incursões do Exército brasileiro na 2ª Guerra Mundial, clássicos do Cinema Novo, documentários do Brasil do começo do século 20, coleção de imagens raras da TV Tupi, primeira emissora de TV do país, inaugurada em 1950, 1 milhão de documentos relacionados à área do audiovisual, 245 mil rolos de filmes e 30 mil títulos de cinema, entre obras de ficção, documentários, cinejornais, filmes publicitários e registros familiares de personalidades históricas. O incêndio acontece enquanto o Ministério Público Federal (MPF) investiga o que levou o governo a romper com a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto) de forma unilateral em dezembro de 2019, e após a realização de uma primeira inspeção que teria apontado vários problemas na manutenção do prédio e do acervo, sob responsabilidade exclusiva do governo federal. Desde que foi fechada em agosto de 2020, quando um representante da secretaria da Cultura chegou com escolta ostensiva da Polícia Federal para pegar as chaves e expulsar a organização social responsável por sua manutenção e preservação, não faltaram avisos de perigo de incêndio na entidade. Foi uma tragédia mais que anunciada. Sem diálogo com Jair Bolsonaro e seus subalternos, nem dinheiro para evitar uma catástrofe, a Acerp entregou as chaves para também livrar-se da responsabilidade por esse desastre inevitável, optando por deixar a União prometer o que não teria condições de cumprir, após rompimento unilateral de contrato vigente. Para entender como o incêndio começou, é preciso voltar a dezembro de 2019, quando o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, encerrou o contrato da Acerp para a realização da TV Escola, visando colocar olavistas para tocar o canal. Só que os direitos do canal eram exclusivos da Acerp, impedindo seus planos. Só que, além de tirar a TV Escola do ar, Weintraub criou um imbrólgio jurídico ao rasgar o contrato, porque a administração da Cinemateca estava definida num aditivo daquele documento. A Acerp entendeu que a parceria não poderia ser rompida, porque o acordo original para que cuidasse da Cinemateca iria até março de 2021, e continuou a administrar a entidade com recursos do próprio caixa por vários meses. Por conta disso, alega que o governo lhe deve R$ 14 milhões, correspondentes aos valores não repassados inclusive quando o contrato estava vigente. Segundo a Acerp, dos R$ 13 milhões do orçamento previsto em 2019, o governo só entregou R$ 7 milhões – e nada desde 2020. O objetivo da secretaria de Cultura, ao congelar o repasse, teria sido justamente inviabilizar o funcionamento da Cinemateca, de modo a assumir o controle administrativo da entidade de forma emergencial. Bolsonaro chegou a posar ao lado da atriz Regina Duarte, dizendo que lhe daria a presidência da Cinemateca como compensação por demiti-la da Secretaria da Cultura. Mas o cargo que ele prometeu nunca existiu, uma vez que a administração da Cinemateca não poderia ser exercita pelo poder federal. O detalhe é que, apesar de o contrato de seção pública da Cinemateca, datado de 1984, proibir o governo de assumir seu controle, em agosto de 2020, por pressão federal – com direito à viaturas da PF – as chaves da Cinemateca Brasileira foram entregues à União e todo corpo técnico da instituição foi demitido. O caso acabou ganhando repercussão internacional, virando um dos maiores símbolos da política cultural do governo Bolsonaro – que, conforme apontam as evidências, é simplesmente destruir tudo. Entre as manifestações de protesto incluem-se a voz do diretor do Festival de Cannes, o francês Thierry Frémaux, que abordou o descaso sofrido pela Cinemateca, considerando Bolsonaro uma ameaça à Cultura. “Quero expressar meu apoio à Cinemateca Brasileira, ameaçada pelo atual governo”, disse ele, em entrevista coletiva com a participação dos diretores dos sete maiores festivais de cinema da Europa, durante o Festival de Veneza no ano passado. Mesmo sem vínculo empregatício, vários funcionários antigos emitiram um comunicado em abril deste ano alertando para o perigo criado com o abandono da instituição e pedindo uma ação emergencial, de modo a evitar um desastre como o do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. “A possibilidade de autocombustão das películas em nitrato de celulose, e o consequente risco de incêndio frequentemente recebem atenção da mídia e do público. A instituição enfrentou quatro incêndios em seus 74 anos, sendo o último em 2016, com a destruição de cerca de 500 obras. O risco de um novo incêndio é real”, alertava o texto. Foi ignorado. Há menos de duas semanas, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) fez outro alerta ao governo federal sobre o risco de incêndio. A audiência realizada no dia 20 de julho na Primeira Vara Federal integra uma ação do MPF contra a União por abandono da Cinemateca, e reforçou aviso feito há um ano sobre o perigo de sinistro. “O MPF tem alertado a União e ao poder Judiciário federal desde 15 de julho do ano passado sobre o perigo incessante de incêndio. E ele hoje infelizmente se consumou”, afirmou o procurador da República Gustavo Torres Soares, autor da ação civil pública sobre a Cinemateca. Após o incêndio, o governador de São Paulo, João Doria, também se manifestou sobre a situação, afirmando que a ocorrência foi um crime contra a Cultura e representou um “desprezo pela arte e pela memória”. Mas foram os artistas que mais lamentaram. Em uma sequência de posts nas redes sociais, a atriz Leandra Leal afirmou que o incêndio da Cinemateca é “inaceitável e triste”. O Youtuber Felipe Neto foi além, lembrando dos avisos ignorados. “O incêndio da Cinemateca não é tragédia, não é acidente. É um incêndio causado pela inoperância e vagabundagem do governo federal, através do ministério do turismo. Em 12 de abril, os trabalhadores da Cinemateca avisaram que pegaria fogo. Eles avisaram com todas as letras!”, escreveu nas redes sociais. O comunicado dos antigos funcionários também foi citado pelo comediante Gregório Duvivier e pela cantora Leci Brandão – que ainda ressaltou que o descaso dos governantes foi “criminoso”. A atriz Ana Hikari reforçou a situação de “tragédia anunciada”, ao definir o incêndio como “fruto de um projeto de sucateamento da cultura. Literalmente, apagamento da nossa memória brasileira”. “É lamentável, porque isso está acontecendo por descaso do governo Bolsonaro. Funcionários foram demitidos num lugar que precisa de monitoramento diário pra não pegar fogo”, ela apontou. O músico Tico Santa Cruz relacionou o incêndio ao apagão de dados do CNPq, também ocorrido nos últimos dias, observando que o governo Bolsonaro não se preocupou em conservar nem a Cultura e nem a Ciência brasileiras. “Alguém duvida que isso tudo seja um projeto de destruição?”, ponderou. O incêndio na Cinemateca de São Paulo é um crime com a cultura do país. Desprezo pela arte e pela memória do Brasil dá nisso: a morte gradual da cultura nacional. — João Doria (@jdoriajr) July 29, 2021 Estou rezando para que os bombeiros consigam controlar o fogo e salvar algo da nossa identidade. — Leandra Leal 🇧🇷🏴 (@leandraleal) July 29, 2021 SEM TRABALHADOR NÃO TEM ACERVO (post de Abril, alertando pro que poderia acontecer com a cinemateca) https://t.co/xUijac0hpY — Gregorio Duvivier (@gduvivier) July 29, 2021 Uma tragédia anunciada!Tristeza! O galpão da Cinemateca da Vila Leopoldina está em chamas. É criminoso o descaso do governo com a cultura e a memória do nosso povo. Os @trabalhadorescb tem alertado que é preciso cuidar desse patrimônio. Precisamos tirar o genocida do poder! — Leci Brandão (@lecibrandao) July 29, 2021 isso é TÃO triste… Vocês têm nocão de que são registros da nossa história sendo queimados aí? MUITOS REGISTROS! É lamentável, pq isso tá acontecendo por descaso do Governo BolsonaroFuncionários foram demitidos num lugar que precisa de monitoramento DIÁRIO pra não pegar fogo.. pic.twitter.com/5WnCDn2V7N — Ana Hikari (@_anahikari) July 29, 2021 Uma hora são os dados do CNPq – Ciência ( pesquisa ) Outro dia – Incêndio na Cinemateca Brasileira ( Cultura ) Alguém duvida que isso tudo seja um projeto de destruição? https://t.co/FOCzoUuyXy — Tico Santa Cruz 🆘🇧🇷 (@Ticostacruz) July 29, 2021
Governo Bolsonaro muda Programa Nacional de Apoio à Cultura
O governo Bolsonaro mudou as diretrizes da política de fomento cultural com a publicação de um decreto nesta terça (27/7), que dá novo texto ao Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). A portaria redefine a classificação das áreas culturais contempladas pela Lei Rouanet, criando divisões de “arte sacra” e “belas artes” como categorias distintas, que abrangeriam as demais. O decreto também tira o poder da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), colegiado formado por representantes das áreas culturais que definem os projetos habilitados a captar verbas. Agora, basta o secretário de Cultura dizer o que o pode e o que não pode ser feito, concentrando todas as decisões sobre fomento e incentivo cultural. As mudanças ecoam manifestações do secretário Mario Frias e seu assistente, o ex-policial militar André Porciuncula, em redes sociais sobre a “verdadeira” natureza da arte, frequentemente referida pela dupla como “o belo” e “o sublime”, além de vetos a projetos que não os agradam, entre eles um filme sobre o presidente Fernando Henrique Cardoso – que Jair Bolsonaro já quis matar – , um festival de jazz “antifacista” e um documentário sobre a escalada política da Igreja Universal – que a criação da divisão de “arte sacra” reforça. Jair Bolsonaro celebrou a publicação da portaria, escrevendo no Twitter que “o instrumento objetiva uma gestão eficiente, com controle de prestação de contas — e traz inédita valorização de Belas Artes e Arte Sacra”. Na superfície, parece só mais uma malvadeza do governo contra a classe artística, mas esse pequeno decreto embute algo muito pior e perigoso para o Brasil. A mudança acontece após o ex-secretário Roberto Alvim, definido por Bolsonaro como “um secretário de Cultura de verdade”, fazer um discurso de teor nazista, parafraseando Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha do governo de Adolf Hitler, para definir o projeto do governo atual para a Cultura. Hitler era admirador das artes clássicas grega e romana, que ele julgava estarem livres de influências judaicas. Para ele, a arte deveria visar a um ideal de beleza e perfeição. Para Alvim, Frias e o governo Bolsonaro também. Nazistas dividiam a cultura em “belas artes” e “artes degeneradas” e culpavam os comunistas (muitos deles judeus) pela decadência das artes. Não é diferente com o governo Bolsonaro, que ao vetar incentivos de manifestações críticas sugere estar acabando com “a mamata” da esquerda na Cultura, barrando também produções degeneradas, como o filme da “Bruna Surfistinha” – citado pelo capitão reformado como exemplo de um suposto baixo nível do cinema brasileiro. São fatos, que até rendem justificativas na seara do “mal entendido”. “No meu pronunciamento, havia uma frase parecida com uma frase de um nazista. Não havia nenhuma menção ao nazismo na frase, e eu não sabia a origem dela”, disse Alvim ao buscar se defender. Só que, nos últimos dias, a proximidade do governo Bolsonaro com o nazismo deixou o campo abstrato para ganhar fatos concretos. Eduardo Bolsonaro simplesmente postou foto e frases de Hitler em suas redes sociais e, depois de ser bloqueado pelo Facebook, alegou que a plataforma estava “cerceando o seu direito de livre manifestação de maneira unilateral e autoritária”. Em seguida, encontrou-se com a neta de um ministro da Alemanha nazista, que ainda foi recebida no Palácio do Planalto. Beatrix von Storch, vice-líder do AfD (Alternativa para Alemanha), partido da extrema direita alemã vigiado pelo próprio governo de seu país por atos antidemocráticos, posou para fotos até com um sorridente Jair Bolsonaro. O presidente, inclusive, postou a imagem em seu Twitter. Isto mesmo: a neta de um ministro de Adolf Hitler, líder de um partido tido como neonazista e conhecida por discursos xenofóbicos, foi recebida pelo presidente do Brasil na sede do governo federal, e ele ainda divulgou o fato espontaneamente e feliz. “Somos unidos por ideais de defesa da família, proteção das fronteiras e cultura nacional”, escreveu Eduardo Bolsonaro, reforçando o que o governo de seu pai tem em comum com a neta do Ministro das Finanças de Hitler, que ficou conhecido por não aceitar a rendição da Alemanha e desejar continuar a guerra, mesmo após o suicídio de Hitler, com crianças, mulheres e quem restasse. Vale lembrar que “proteção das fronteiras” foi a desculpa nazista para o começo da 2ª Guerra Mundial. Quanto à “cultura nacional”… O ministro da Propaganda nazista, que inspirou discurso do antecessor de Frias, censurou material didático, livros, imprensa, cinema, rádio, música, teatro, museus e galerias de arte para permitir que apenas a ideologia nazista fosse vista e transmitida, de modo a realizar lavagem cerebral na população. O governo Bolsonaro não pode fazer isso, porque o Brasil ainda é uma democracia, mas está levando a cabo algo muito próximo, ao concentrar em Mario Frias e companhia a decisão de bloquear verbas e incentivos de conteúdos contrários à sua ideologia, dificultando ao máximo a produção de contraditórios. O ministro da Propaganda de Hitler foi extremamente bem-sucedido em seu projeto, e as consequências incluíram o Holocausto. Lembram qual é o slogan oficial do governo Bolsonaro? “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”? Em alemão, começa assim: “Brasil Uber Alles”, igual ao “Deutchland Uber Alles” nazista, slogan extraído da canção nacionalista “Das Lied der Deutschen” (A canção dos alemães). Hitler era um fã declarado da canção. Ele chegou a dizer que se tratava da canção que os alemães consideravam “a mais sagrada”. Em 1936, ela foi cantada na abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim, quando Hitler e o séquito nazista entraram no Estádio Olímpico. Mesmo assim, não dá para qualificar o governo atual do Brasil como nazista, porque o nazismo não tinha a obsessão religiosa que o capitão reformado demonstra. E é bom que exista esta distinção, com Deus acima de tudo, porque maiores semelhanças seriam muito preocupantes. O governo Bolsonaro não é nazista, mas as coincidências, brevemente listadas, são muitas e se somam, a ponto de gerar este questionamento.
Secretário da Cultura processa jornalistas, mas foge de intimação judicial
O Secretário Especial da Cultura Mario Frias resolveu ameaçar jornalistas e influenciadores com processos. Nesta semana, ele fez três postagens neste sentido nas redes sociais, após comentários sobre a política de desmonte cultural do governo, com paralisação de incentivos e veto da Funarte à projeto de jazz que se declarou antifascista – como, por sinal, qualquer atividade democrática deveria ser. “O Mario Frias está processando criminalmente quem o chama de otário? Mario Frias, eu não te acho otário não. Eu te acho um admirador lambe-botas de genocida e conivente com o genocídio praticado pelo seu mestre. Você, aos meus olhos, é uma vergonha para a cultura brasileira”, postou Felipe Neto, ao saber da inciativa do bolsonarista contra os jornalistas Bob Fernandes e Fabiana Moraes. Ele também recebeu aviso de que seria processado. Mas o mesmo Mario Frias que ameaça críticos com processos está fugindo de um. Em certidão apresentada na semana passada, o oficial de Justiça responsável por notificar o secretário num processo movido contra ele por calúnia e difamação pelo humorista Marcelo Adnet, informou que Frias “parou de receber suas mensagens” no WhatsApp. “Certifico que fiz contato pelo WhatsApp, enviando cópia da intimação, o qual tinha a imagem do querelado na foto do perfil, porém, após os envios das mensagens a foto foi retirada do perfil e as mensagens enviadas deixaram de ser recebidas”, diz a certidão entregue em 8 de julho e revelada na coluna de Ancelmo Gois, em O Globo. Por causa disso, a audiência judicial, marcada para esta quinta (15/7), precisou ser remarcada para setembro. Adnet fez queixa crime por calúnia, difamação e injúria após Frias chamá-lo de “garoto frouxo e sem futuro”, uma “criatura imunda”, “crápula” e “Judas”, entre outros xingamentos. No processo civil, os advogados pedem, além da indenização de R$ 80 mil por danos morais, a retirada da publicação ofensiva do perfil de Mario Frias no Instagram, sob multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento da determinação judicial.
Associação Paulista de Cineastas quer cotas de raça e gênero em editais audiovisuais
A Associação Paulista de Cineastas (Apaci) aprovou uma proposta de cotas raciais e de gênero para editais de roteiro e produção de longas-metragens no estado de São Paulo. Aprovada nesta semana, a proposta sugere que os editais estaduais de audiovisual destinem metade de seus recursos para homens e metade para mulheres, e, dentro dessas categorias, reservem no mínimo um terço de projetos para pretos, pardos, indígenas e pessoas LGBTQIAP+. O projeto será enviado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo e à SPCine, que fomenta a produção cinematográfica na capital paulista.
Bolsonarista tenta censurar festival de São Paulo contra censura
A vereadora bolsonarista Sonaira Fernandes, ex-funcionária de gabinete de Eduardo Bolsonaro, tentou impedir a realização do festival São Paulo Sem Censura, que será promovido pela Prefeitura da capital paulista nesta semana, entre 3 e 6 de junho. Ela protocolou uma ação popular na 14ª Vara da Fazenda Pública argumentando que se trata de um evento político, que visa “disseminar ódio e repúdio” ao governo federal, e não cultural. Mas na decisão proferida nesta terça-feira (1/6), o juiz José Eduardo Cordeiro Rocha apontou que, na verdade, a vereadora estava incorrendo em tentativa de censura ao buscar impedir uma manifestação contra censura. Ele indeferiu o pedido de liminar. “O acolhimento liminar da pretensão da autora é que seria temerário e poderia representar indevida ingerência do Judiciário em critérios discricionários de escolha da programação do evento cultural pelo Executivo ou ainda, o que seria pior, levar indiretamente à censura prévia do conteúdo da produção artística e à livre manifestação do pensamento, o que é vedado pela Constituição Federal”, escreveu o magistrado. Em sua primeira edição, no ano passado, o festival foi chamado de Verão Sem Censura e abrigou peças teatrais, exposições e outros eventos que sofreram represálias ou censura do governo federal. Um dos maiores entusiastas era o então prefeito Bruno Covas (PSDB), que morreu em decorrência de um câncer em maio. A nova edição, rebatizada de São Paulo Sem Censura, será um dos primeiros eventos de grande porte na cidade com Ricardo Nunes (MDB) como prefeito. Neste ano, o festival concebido pelo secretário da Cultura Alê Youssef será dividido em quatro eixos: Excluídos da Fundação Palmares, Censura Prévia na Lei Rouanet e Ancine, Liberdade de Imprensa e de Expressão e Políticas de Silenciamento. A programação terá atividades sediadas por equipamentos culturais da cidade, como o Theatro Municipal – que terá uma leitura dramatúrgica de “Santo Inquérito”, uma das mais importantes peças modernas do teatro brasileiro, com direção de Bete Coelho – , o Centro Cultural São Paulo (CCSP), o Centro Cultural da Juventude (CCJ), além de ações em ruas e avenidas, da Paulista até Itaquera. Adaptada aos protocolos de distanciamento social, o evento também prevê mostras de filmes na plataforma digital da SPCine, empresa municipal de fomento a cinema. A seleção destaca o trabalho de quatro coletivos independentes de cinema, Babado Periférico, Astúcia, Mbyá-Guarani de Cinema e Surto & Deslumbramento, com exibição de curtas, médias-metragens e webséries, além de debates transmitidos via redes sociais.
Descaso na Cinemateca: Centenas de filmes já estariam perdidos
Responsável pelo fechamento da Cinemateca Brasileira, o governo Bolsonaro pode ser culpado pela destruição de um patrimônio inestimável da cultura brasileira. Fechada há cerca de 15 meses, desde que um representante da secretaria da Cultura chegou com escolta ostensiva da Polícia Federal para pegar as chaves dos responsáveis pela preservação de seus filmes, a Cinemateca pode já ter perdido parte de seu acervo, que estaria em estado de deterioração avançado, devido à negligência, segundo denúncia publicada pelo colunista Ricardo Feltrin nesta segunda-feira (31/5). Entre 600 e 1.000 filmes, em incontáveis números de rolos, teriam sido perdidos completamente. Os números são estimados por funcionários públicos que preferiram não se identificar, por temerem represálias – relatos de que o secretário da Cultura Mário Frias anda armado durante o trabalho em Brasília nunca foram contestados. O mau estado do acervo teria sido constatado por uma perícia no local a mando do Ministério Público Federal (MPF), que apura denúncias e investiga o que levou o governo a romper com a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto) de forma unilateral em dezembro de 2019. A inspeção teria apontado vários problemas na manutenção do prédio e do acervo. Fundada em 1946, a Cinemateca guarda registros de valores incalculáveis, como filmes feitos durante as incursões do Exército brasileiro na 2ª Guerra Mundial, clássicos do Cinema Novo, documentários do Brasil do começo do século 20, coleção de imagens raras da TV Tupi, primeira emissora de TV do país, inaugurada em 1950, 1 milhão de documentos relacionados à área do audiovisual, 245 mil rolos de filmes e 30 mil títulos de cinema, entre obras de ficção, documentários, cinejornais, filmes publicitários e registros familiares de personalidades históricas. A Secretaria de Cultura não se manifestou sobre a denúncia. Mas ela é responsável pela situação, na medida em que forçou o despejo dos que preservavam as obras e assumiu publicamente o “compromisso de resguardar a continuidade dos serviços e a segurança do patrimônio cultural preservado pela Cinemateca”. O governo jogou a Cinemateca no limbo quando o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, aquele que Bolsonaro chamava de “um dos meus melhores ministros”, encerrou o contrato da Acerp para a realização da TV Escola, visando colocar olavistas para tocar o canal. Só que os direitos do canal eram exclusivos da Acerp, melando seus planos. Mas não ficou nisso. Além de tirar a TV Escola do ar, ao rasgar o contrato Weintraub criou um imbrólgio jurídico, porque a administração da Cinemateca estava definida num aditivo daquele documento. A Acerp entendeu que a parceria não poderia ser rompida, porque o acordo original para que cuidasse da Cinemateca iria até março de 2021, e continuou a administrar a entidade com recursos do próprio caixa por vários meses. Por conta disso, alega que o governo lhe deve R$ 14 milhões, correspondentes aos valores não repassados inclusive quando o contrato estava vigente. Segundo a Acerp, dos R$ 13 milhões do orçamento previsto em 2019, o governo só entregou R$ 7 milhões – e nada em 2020. O objetivo da secretaria de Cultura, ao congelar o repasse, teria sido justamente inviabilizar o funcionamento da Cinemateca, de modo a assumir o controle administrativo da entidade de forma emergencial. Bolsonaro chegou a posar ao lado da atriz Regina Duarte, dizendo que lhe daria a presidência da Cinemateca como compensação por demiti-la da Secretaria da Cultura. Mas o cargo que ele prometeu nunca existiu, uma vez que a administração da Cinemateca não poderia ser exercita pelo poder federal. Mas apesar do contrato de seção pública da Cinemateca, datado de 1984, proibir o governo de assumir seu controle, em agosto de 2020, com reforço da Polícia Federal, as chaves da Cinemateca Brasileira foram entregues à União e todo corpo técnico da instituição foi demitido. O caso ganhou repercussão internacional e se tornou símbolo da política cultural do governo Bolsonaro – que, conforme apontam as evidências, é simplesmente destruir tudo. Até o diretor do Festival de Cannes, o francês Thierry Frémaux, chegou a protestar contra o descaso do governo em relação à Cinemateca, considerando o desgoverno de Bolsonaro como uma ameaça à Cultura. “Quero expressar meu apoio à Cinemateca Brasileira, ameaçada pelo atual governo”, disse ele, em entrevista coletiva com a participação dos diretores dos sete maiores festivais de cinema da Europa, durante o Festival de Veneza no ano passado.
Desgoverno: Ancine fica sem presidente pela primeira vez na História
Terminou nesta sexta (14/5) o mandato de Alex Braga Muniz como presidente interino da Ancine. Ele assumiu o cargo em agosto de 2019, depois que o então diretor-presidente, Christian de Castro Oliveira, foi afastado pela Justiça sob acusação de repassar informações sigilosas para um sócio. Mas o governo Bolsonaro nunca se preocupou em oficializá-lo no cargo. Com o fim de seu mandato como diretor, a Ancine agora se encontra sem nem sequer um presidente interino. Mais que isso, a agência responsável pelo fomento e regulação da indústria audiovisual brasileira virou uma instituição fantasma sem nenhum diretor-titular, caso raro de desmonte não apenas na agência fundada em 2001, mas na história do serviço público nacional. Em condições normais, a Ancine é gerida por um diretor-presidente e três diretores-titulares. Neste momento, porém, nenhuma das nomeações feitas tem a chancela do Senado, que divide com Bolsonaro a culpa pela situação, por não marcar sabatina dos indicados. Atualmente, a Ancine conta com um colegiado composto por três diretores-substitutos (interinos), que também se encontram em situação volúvel. A vaga de Débora Ivanov estava vaga desde outubro de 2019 e foi assumida nesta semana por Mauro Gonçalves de Souza, atual superintendente de Registro da agência, conforme o publicado no Diário Oficial da última segunda-feira (10/5). Como o Senado não sabatina os candidatos, na prática os indicados de Bolsonaro vão tocando a agência como querem, dizendo-se “substitutos”. Além de gerar instabilidade institucional, porque o mandato de um substituto tem validade inicial de 180 dias, essa muleta abre brechas para que pessoas alheias à produção de filmes e séries e às questões regulatórias tenham poder decisório. Este é justamente o caso do novo diretor, Mauro Gonçalves de Souza, que não tem experiência alguma no setor, mas é ex-assessor do deputado estadual bolsonarista Filippe Poubel, do PSL do Rio de Janeiro. Para quem não lembra, Poubel foi o deputado que invadiu com seguranças armados as instalações do hospital de campanha para o combate ao coronavírus no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, alegando ter prerrogativa legal para a fiscalização surpresa. “Eu ia ser calmo, brando, nessa fiscalização. Agora, vou tocar o terror”, disse o bolsonarista na ocasião. Segundo apurou o jornal O Globo junto a produtores que pediram anonimato, nos meses em que esteve na Superintendência de Registro, Mauro Gonçalves de Souza criou variados obstáculos para a classificação do gênero de filmes e séries e a emissão de certificados. Pelo que se conhece de Bolsonaro, isso certamente o qualifica a presidir a Ancine.








