Elizabeth Sellars (1923 – 2019)
A atriz escocesa Elizabeth Sellars, que estrelou vários clássicos de cinema nos anos 1950, morreu na segunda-feira (30/12) em sua casa na França, aos 98 anos de idade. Sellars estudou Direito e pretendia advogar antes de ser convencida por sua amiga Jean Hardwicke (sobrinha do ator britânico Cedric Hardwicke) a participar de um teste para um papel de atriz. Isto mudou sua carreira. Ela trocou de curso, matriculando-se na Academia Real de Artes Dramáticas e, em seguida, estreou nos palcos de Londres numa montagem de “Os Irmãos Karamazov”, estrelada pelo lendário Alec Guinness (o “Ben” Kenobi de “Star Wars”). A jovem atriz logo foi escalada para filmes de grandes cineastas britânicos, como “As Cartas de Madeleine” (1950), de David Lean, “O Ódio Era Mais Forte” (1952), de Basil Dearden, e “Devoção de Assassino” (1952), de Charles Crichton. Na época, Crichton chegou a descrevê-la como “um cruzamento entre o fascínio de Ingrid Bergman e o poder de Bette Davis”. Em 1954, ela fez sua estreia em Hollywood, atuando no drama criminal “A Condessa Descalça” (1954), de Joseph L. Mankiewicz, como esposa de Humphrey Bogart, que estava mais interessado em Ava Gardner, e no romance histórico “Désirée, o Amor de Napoleão” (1954), de Henry Koster, como a irmã da personagem-título, vivida por Jean Simmons – Marlon Brando tinha o papel de Napoleão. A popularidade de seus filmes americanos lhe garantiu o protagonismo ao voltar ao cinema britânico, tornando-se a principal intérprete feminina de “Entre a Terra e o Céu” (1957), novamente dirigida por Charles Crichton, e “Carga Perigosa” (1957), de Leslie Morgan. Em seguida, ainda estrelou dois filmes de John Gillermin, “O Dia em que Roubaram o Banco da Inglaterra” e “A Fúria de um Bruto”, ambos lançados em 1960, mesmo ano em que se casou com um cirurgião chamado Frank Henley – de quem ficou viúva, em 2009. Após nova passagem por Hollywood, que rendeu “55 Dias em Pequim” (1963), uma superprodução dirigida por Nicholas Ray que voltou a reuni-la com Ava Garner, Sellars viveu a mãe de Hayley Mills em “Corações Feridos” (1964) e passou a ser considerada “velha” para os padrões da indústria cinematográfica da época. Tinha chegado aos 40 anos. Seus últimos filmes foram o terror da Hammer “O Sarcófago Maldito” (1967) e o drama “O Assalariado” (1973), filmados entre um grande hiato, que a atriz preencheu com participações em várias séries clássicas, de “Os Vingadores” a “Shadows of Fear”. Ela continuou ativa na televisão britânica até 1990.
Robert Forster (1941 – 2019)
O ator Robert Forster, indicada ao Oscar por “Jackie Brown”, de Quentin Tarantino, morreu na sexta-feira (11/11) em sua casa em Los Angeles de câncer no cérebro. Ele tinha 78 anos. De longa e celebrada carreira, Robert Wallace Forster Jr. era filho de um treinador de animais de circo e fez sua estréia no cinema em 1967, ao lado de Marlon Brando e Elizabeth Taylor em “Os Pecados de Todos Nós”, virando protagonista no cultuadíssimo “Dias de Fogo” (1969), como um cinegrafista em crise ética. A transformação em ator se deu por acaso. Ele estudava na Universidade de Rochester com a intenção de se tornar advogado, mas uma garota surgiu em seu caminho. “Eu estava no último ano. Segui uma garota até o auditório da universidade, tentando pensar em como chegar e falar com ela. Ao entrar lá, vi que eles estavam fazendo testes para uma peça e essa garota já estava no elenco. Eu pensei: ‘É assim que eu vou conhecê-la!'”, Forster contou em um entrevista ao site The AV Club em 2000. Ele conseguiu uma vaga na peça… e também a garota, June Provenzano, com quem se casou e teve três filhas. Depois de se formar, Forster seguiu nos palcos. Ele estreou na Broadway na peça “Mrs. Dally”, em 1965, e sua interpretação elogiada levou a um teste no estúdio 20th Century Fox, onde se tornou um dos últimos artistas contratados pelo lendário chefe do estúdio Darryl F. Zanuck, após ser aprovado pelo diretor John Huston para “Os Pecados de Todos Nós”. No filme, Forster retratava uma pracinha de espírito livre, que se tornava uma obsessão do Major vivido por Brando. Seguindo papéis coadjuvantes em “A Noite da Emboscada” (1968), de Robert Mulligan, e “Justine” (1969), de George Cuckor, Forster foi estrelar o lendário “Dias de Fogo” (Medium Cool), de Haskell Wexler. O filme, que tratava de tópicos políticos e sociais, como o autoritarismo do governo, os direitos raciais, a Guerra do Vietnã e a crescente importância dos noticiários da TV, tornou-se um marco da agitação contracultural do período, resultando numa combinação bombástica de ficção e imagens documentais, captadas pelo diretor durante a tumultuada Convenção do Partido Democrata em Chicago, em 1968. “Muitas das imagens eram reais. Dizem que é o melhor ou talvez o único exemplo real de cinema vérité americano”, disse Forster ao The AV Club. “Eu acho que a frase ‘O mundo inteiro está assistindo’ foi cunhada naquele momento, quando os militares tentaram reprimir a multidão diante da imprensa. Eles estavam empurrando-os, separando-os e a multidão gritava ‘Não deixem, não deixem, o mundo inteiro está assistindo.” Depois desse filme impactante, ele viveu uma coleção de personagens heroicos, como o capitão de uma nave espacial no ambicioso thriller de ficção científica da Disney, “O Buraco Negro” (1979), mas sua carreira não tomou o rumo imaginado, o que acabou conduzindo-o para o lado B do cinema e produções de televisão. “Fiquei 21 meses sem emprego. Eu tinha quatro filhos, aceitava qualquer emprego que pudesse”, confessou ao jornal Chicago Tribune em 2018. “Minha carreira esteve por cima por cinco anos e depois ficou pra baixo por 27. Toda vez que atingia o nível mais baixo que eu pensava que podia tolerar, caía um pouco mais e depois mais um pouco. Até que eu fiquei sem agente, empresário, advogado, nada. Eu pegava o que quer que aparecesse”. Fã de Forster desde criança, Quentin Tarantino ajudou a mudar essa trajetória. Ele chegou a pensar no ator para “Cãos de Aluguel” (de 1992), mas acabou contratando-o apenas para “Jackie Brown” (1997). Ele escreveu a adaptação do romance de Elmore Leonard, “Rum Punch”, com Foster em mente para o papel de Max Cherry. “Anos se passaram desde que conversamos pela primeira vez numa cafeteria. Àquela altura, a minha carreira estava muito, muito morta”, lembrou Forster em uma entrevista em 2018 ao Fandor. “Na primeira vez, nós blá-blá por alguns minutos, mas seis meses depois ele apareceu na mesma cafeteria com um script nas mãos e o entregou para mim. Quando eu li, mal podia acreditar que ele queria que eu vivesse Max Cherry. Então, quando questionei, ele disse: ‘Sim, é Max Cherry que escrevi para você’. Foi quando eu disse pra ele: ‘Tenho certeza que eles não vão deixar você me contratar’. E ele disse: ‘Contrato quem quiser’. E foi aí que eu percebi que conseguiria outra chance na carreira”. E que chance. Foster recebeu sua primeira e única indicação ao Oscar por seu desempenho no filme, e os convites para filmes com bons orçamentos voltaram a aparecer. Forster foi procurado por vários cineastas famosos e trabalhou em filmes como o remake de “Psicose” (1998), de Gus van Sant, na comédia “Eu, Eu Mesmo e Irene” (2000), dos irmãos Farrelly, “Cidade dos Sonhos” (2001), de David Lynch, “Natureza Quase Humana” (2001), de Michel Gondry, “As Panteras: Detonando” (2003), de McG, “Xeque-Mate” (2006), de Paul McGuigan, e o premiado “Os Descendentes” (2011), de Alexander Payne. O ator ainda interpretou o general Edward Clegg no filme de ação “Invasão a Casa Branca” (2013) e sua sequência, “Invasão a Londres” (2016), e deu show no drama indie “Tudo o que Tivemos” (2018), como um marido que tenta cuidar de sua esposa (Blythe Danner) com Alzheimer. Paralelamente, colecionou papéis notáveis em séries. Foi o pai de Carla Gugino em “Karen Cisco”, série que também adaptou uma obra de Elmore Leonard, o patriarca de uma família de pessoas superpoderosas em “Heroes”, o pai de Tim Allen em “Last Man Standing” e o irmão do xerife Harold Truman (Michael Ontkean) no revival de “Twin Peaks” de 2017. Mas o papel televisivo pelo qual é mais lembrado foi do homem conhecido apenas como Ed, que esconde Walter White (Bryan Cranston) no penúltimo episódio da série “Breaking Bad”. Seu último trabalho foi justamente uma reprise do personagem no filme derivado da série, “El Camino”, que estreou no dia da sua morte na Netflix.
Richard Erdman (1925 – 2019)
O ator Richard Erdman, conhecido pelas novas gerações por interpretar o aluno mais velho de “Community”, morreu no sábado (16/3) aos 93 anos. Nenhum detalhe foi informado sobre seu falecimento. Com mais de 70 anos de carreira, Erdman participou de dezenas de filmes e séries, incluindo a versão original de “Além da Imaginação” (The Twilight Zone), na qual estrelou um dos episódios mais famosos da produção da década de 1960, como McNulty, um homem que ganha um relógio capaz de congelar o tempo. Erdman estreou no cinema aos 19 anos. Ele impressionou tanto o lendário diretor Michael Curtiz (de “Casablanca”) em testes para “Janie Tem Dois Namorados” (1944), como um dos namorados da Janie do título (Joyce Reynolds), que acabou assinando um contrato com a Warner, especializando-se em interpretar soldados, marinheiros, ajudantes e amigos engraçados. O início de sua carreira foi marcada por pequenos papéis em grandes clássicos, como “Um Punhado de Bravos” (1945), de Raoul Walsh, “Regeneração” (1946), de Jean Negulesco, e “Tormento de uma Glória” (1949), de Jacques Tourneur, até se destacar em “Espíritos Indômitos” (1950), de Fred Zinneman, na pele de Leo, um dos pacientes em uma ala paraplégica de veteranos de guerra que ajuda um furioso recém-chegado (ninguém menos que Marlon Brando em sua estréia no cinema) a se ajustar a uma nova vida na sociedade. Numa entrevista de 2010, Erdman lembrou com orgulho que o crítico do New York Times, Bosley Crowther, escreveu sobre o filme que “o sr. Brando é impressionante, mas ele tem algumas coisas para aprender com um ator de Hollywood chamado Richard Erdman”. Richard Erdman voltou a ganhar elogios como coadjuvante de Dick Powell e Rhonda Fleming, interpretando um ex-fuzileiro naval alcoólatra no clássico noir “Golpe do Destino” (1951), a estréia na direção de Robert Parrish, editor de filmes premiado com o Oscar. Fez ainda outro noir famoso, “Gardênia Azul” (1953), dirigido pelo mestre Fritz Lang, e algumas comédias, entre elas “O Biruta e o Folgado” (1951), com Dean Martin e Jerry Lewis, antes de viver um de seus papéis mais famosos, como o Sargento “Hoffy” Hoffman no icônico filme de prisioneiros de guerra “O Inferno Nº 17” (1953), obra-prima de Billy Wilder. Ele contou, numa entrevista de 2012, que “Wilder deu uma olhada em mim e disse: ‘Não ria. Nem uma pequena risada, porque você é a cola que mantém esse filme funcionando. Todo mundo é engraçado, menos você'”. Ao final dos anos 1950, Erdman passou a se dedicar mais à TV, chegando a estrelar as séries “Where’s Raymond?” e “The Tab Hunter Show”, de onde partiu para uma infindável leva de participações especiais – em “Perry Mason”, “Jeannie É um Gênio”, “A Família Buscapé”, “James West”, “O Agente da UNCLE” e até “Guerra, Sombra e Água Fresca”, a série inspirada em “O Inferno Nº 17”, entre inúmeras outras atrações. Voltou a se destacar no filme de guerra “Tora! Tora! Tora!” (1970), mas o resto de sua carreira foi basicamente na TV, onde trabalhou durante todos os anos seguintes, tanto como ator quanto dublador de séries animadas. Nos últimos anos, Erdman tinha reencontrado a popularidade graças às participações em “Community”, onde deu vida a Leonard, o aluno mais veterano da universidade Greendale, que era sempre repreendido pelo grupo de estudos de Jeff (Joel McHale) e cia. Ele apareceu em 53 episódios da série, exibida entre 2009 e 2015. Seu papel final foi como ele mesmo, numa participação de 2017 em “Dr. Ken”, série estrelada por Ken Jeong, seu colega de “Community”.
Bernardo Bertolucci (1941 – 2018)
O cineasta italiano Bernardo Bertolucci morreu nesta segunda-feira (26/11), aos 77 anos. Celebrado por clássicos como “O Último Tango em Paris” (1972) e “O Último Imperador” (1987), ele lutou por anos contra um câncer, mas não resistiu. Com a saúde deteriorada, locomovia-se com uma cadeira de rodas há cerca de uma década, porém nem isso o impediu de realizar um último filme recentemente. Bertolucci foi um dos maiores nomes do cinema italiano e mundial, o mais novo e último remanescente de uma geração que contava com Fellini, Antonioni, Pasolini e Visconti, cuja obra autoral marcou gerações. Vencedor do Oscar de Melhor Direção por “O Último Imperador” – filme que conquistou ao todo nove troféus da Academia – , ele também foi homenageado com a Palma de Ouro, do Festival de Cannes, pelo conjunto da obra. E que obra. Filho de Attilio Bertolucci, um famoso poeta italiano, ele costumava acompanhar seu pai ao cinema em Parma, a cidade onde ele nasceu e cresceu, e começou a fazer filmes de 16mm aos 16 anos de idade. Conheceu o poeta Pier Paolo Pasolini através de seu pai, e quando Pasolini dirigiu seu primeiro filme, “Accattone – Desajuste Social” (1961), Bernardo foi contratado como assistente de produção. Um ano depois, ele dirigiu seu primeiro longa-metragem, “A Morte” (1962), baseado em um esboço de cinco páginas de Pasolini. Rodado quando ele tinha 22 anos de idade, o filme investigava o mistério de um assassinato por meio de flashbacks e diferentes perspectivas de testemunhas, que narravam o que viram ao investigador do caso, um figura invisível para os espectadores. O estilo era diferente e ousado já naquela época, resultado, segundo ele, de quem “tinha visto muitos e muitos filmes”. “Antes da Revolução” (1964) foi um trabalho muito mais pessoal, explorando os problemas de um jovem egoísta de classe média que se vê dividido entre política radical e conformidade, e entre um caso apaixonado com sua jovem tia e seu casamento burguês. Ele opta por respeitabilidade em ambos os casos. Vagamente baseado no romance “A Cartuxa de Parma”, de Stendhal, o filme chamou atenção por ser tecnicamente impressionante e pela capacidade de Bertolucci de articular temas, como o pai traidor e a conexão da libido com a política, que ele exploraria ao longo da carreira. Em “Partner”, ele adaptou “O Duplo” de Dostoiévski, atualizando a trama para a Roma de 1968 e incluindo uma homenagem à novelle vague, ao mostrar o protagonista, interpretado por Pierre Clémenti, falando francês, enquanto todos os demais falam italiano. No mesmo ano, Bertolucci assinou o roteiro do filme que passou a ser celebrado como auge do gênero spaghetti western, “Era uma Vez no Oeste”, de Sergio Leone, em que manifestou pela primeira vez suas aspirações épicas. Sua carreira estourou na década seguinte, após dar ao operador de câmera de “Antes da Revolução” o status de diretor de fotografia. A parceria com Vittorio Storaro marcou época. Fizeram oito filmes juntos, sendo o primeiro “A Estratégia da Aranha” (1970), que transpôs a história de Jorge Luis Borges da Irlanda para a Itália, mudando o contexto político para um retrato do fascismo dos anos 1930, ao mostrar que o pai, que o protagonista considerava um herói, era realmente um traidor. Um de seus maiores clássicos foi rodado quase ao mesmo tempo. “O Conformista” (1970) juntou as preocupações freudianas e políticas de Bertolucci em um estudo da Itália fascista, que procurava captar o pensamento da extrema direita por meio de um protagonista reprimido. Um homossexual que se recusava a se assumir, vivido por Jean-Louis Trintignant, e que por isso optava por valores burgueses e pela violência, recebendo do partido fascista a missão de assassinar seu ex-professor. O roteiro adaptado da obra de Alberto Moldavia rendeu ao cineasta sua primeira indicação ao Oscar. Impressionante, por ser um “filme falado em língua estrangeira”. O longa também se destacou pelo florescimento do estilo cinematográfico de Bertolucci, com tomadas elaboradas, ângulos de câmera barrocos, cores opulentas, cenografia repleta de ornamentos e um intrincado jogo de luz e sombra, que quase transformavam o filme em 3D só pelo impacto visual. Mas nenhum filme marcou mais sua carreira, para o bem e para o mal, que o que veio em seguida. “O Último Tango em Paris” se tornou um clássico do cinema erótico, por seu retrato de um relacionamento anti-romântico, baseado apenas em sexo, entre uma ninfeta e um homem bem mais velho, vividos por Maria Schneider, então com 19 anos, e Marlon Brando, de 48, que não querem saber nada um do outro, nem mesmo o nome. Altamente sensual, mas também violento, o filme provocou muitas discussões na época e rende assunto até hoje. Na ocasião, o cineasta foi indiciado por um tribunal em Bolonha por fazer um filme pornográfico. Embora tenha sido absolvido, perdeu seus direitos civis (incluindo seu direito de voto) por cinco anos e os tribunais italianos ordenaram que todas as cópias do filme fossem destruídas. Mas a obra estourou no exterior, lotou cinemas, gerou frisson e rendeu a segunda indicação ao Oscar para Bertolucci, desta vez como Melhor Diretor. Muito já se falou sobre a cena da manteiga, usada para simular lubrificação numa simulação de estupro. Uma violação não consentida que, na trama, levava a jovem protagonista a encerrar o relacionamento, algo que o homem não consegue entender. Maria Schneider denunciou Bertolucci e Brando, anos depois em sua autobiografia, pela violência da encenação. Mesmo que o estupro fosse simulado, ela se disse vítima de agressão, já que o uso da manteiga não estava no roteiro ou tinha sido combinado, e foi resultado de um ato violento, com Brando jogando-a no chão e tocando sua partes íntimas. Em uma entrevista de 2007, quatro anos antes de morrer, Schneider disse que suas “lágrimas eram verdadeiras” no filme. Em dezembro de 2016, a polêmica voltou à tona, quando uma entrevista antiga de Bertolucci ressurgiu nas redes sociais. Nela, Bertulucci assumia: “A sequência da manteiga foi uma ideia que eu tive com Marlon na véspera da filmagem. Eu queria que Maria reagisse, que ela fosse humilhada. Eu não queria que ela interpretasse a raiva, eu queria que ela sentisse raiva e humilhação”. A confissão ultrajou feministas. “A todos que gostaram do filme, vocês estão vendo uma jovem de 19 anos sendo violentada por um homem de 48 anos. O diretor planejou a agressão. Isso me dá nojo”, tuitou a atriz Jessica Chastain, que, depois, tomaria a frente do movimento Time’s Up, contra abusos e discriminação contra as mulheres em Hollywood. Essa discussão demorou décadas para assumir contornos mais negativos, o que levou Bertolucci a passar seus últimos anos se defendendo. Entretanto, ele também se beneficiou bastante da controvérsia. O interesse gerado pelas reputação de “O Último Tango em Paris” ajudou Bertolucci a obter o financiamento necessário para embarcar em seu projeto mais ambicioso, “1900”. O filme de 1977 foi o primeiro grande épico de sua carreira como diretor, com uma duração de nada menos de cinco horas, além de consumir um dos maiores orçamentos do cinema italiano. O diretor ainda quis aproximar duas escolas rivais de cinema, as grandes produções hollywoodianas e o realismo socialista do cinema russo dos anos 1930, para narrar a história da Itália sob o ponto de vista da luta de classes, representado pelos dois protagonistas: Olmo (Gérard Depardieu), o filho de uma camponesa, e Alfredo (Robert De Niro), o filho do dono da fazenda (Burt Lancaster), ambos nascidos no mesmo dia, 27 de janeiro de 1901. Imponente, mas também didático, o filme atinge o ápice em seus últimos 30 minutos, para encerrar seu painel histórico no Dia da Libertação da Itália pelos aliados, em 25 de abril de 1945. Ao buscar a grandiosidade, Bertolucci se afastou da introspecção que marcava seus trabalhos anteriores. E “1900” acabou considerado uma anomalia em sua filmografia. Suas obras seguintes voltaram aos temas psicológicos e políticos, em mergulhos na sexualidade e na relação paternal. “La Luna” (1979) foi a história de um relacionamento apaixonado, quase incestuoso, entre mãe e filho, rodado com simbolismos edipianos e virtuosismo cinematográfico. E “A Tragédia de um Homem Ridículo” (1981) representou o reverso de “A Estratégia da Aranha”, com um pai investigando a vida do filho, sequestrado misteriosamente e acusado de conspirar com a extrema esquerda. A ambiguidade das obras não agradaram público e crítica. Mas suas inclinações políticas de esquerda lhe permitiram ser bem-recebido na China, onde retomou o cinema épico, atingindo o ápice artístico de sua carreira. “O Último Imperador” foi o primeiro filme ocidental inteiramente rodado na China, e contou com participação oficial do governo do país, que lhe deu acesso à Cidade Proibida e outras locações imponentes, nunca antes registradas numa produção falada em inglês. O filme contava a história real de Pu Yi, o último imperador da China, que nasceu para governar e acabou como um jardineiro comum, após ser “reeducado” pelo regime maoísta, numa trajetória de 60 anos que cobria o período histórico mais controvertido da China. O filme era o equivalente chinês a “1900”, um novo retrato da luta de classes, mas muito mais suntuoso, ecoando o esplendor dourado do palácio na Cidade Proibida. As imagens deslumbrantes e a história inacreditável, mas real, impressionaram crítica e público em todo o mundo. Bertolucci venceu não um, mas dois Oscars, de Direção e Roteiro Adaptado, enquanto o longa colecionou 9 troféus, incluindo Melhor Filme e Fotografia (de Vittorio Storaro). “O Último Imperador” mudou os rumos da carreira de Bertolucci, que a seguir decidiu completar uma “trilogia oriental”, abrindo seu trabalho à temas existenciais e filosóficos por meio de “O Céu que nos Protege” (1990), filmado na Argélia e Marrocos, e “O Pequeno Buda” (1993), filmado no Butão e no Nepal. Mas embora fossem igualmente dispendiosos e exóticos, nenhum dos dois repetiu o êxito do longa chinês. Ele voltou para casa, descartou os excessos, retomou o cinema intimista e redescobriu o sexo com “Beleza Roubada” (1996), drama sobre o despertar sexual de uma adolescente americana (Liv Tyler) em uma vila na Toscana, habitada por artistas e boêmios, e “Assédio” (1998), ambientado em Roma, que se concentra na relação entre um pianista inglês recluso e sua jovem empregada africana (Thandie Newton). Com “Os Sonhadores” (2003), Bertolucci voltou a seus dias de juventude, tanto em termos de tema quanto de repercussão. Passado no ano de 1968, o filme juntava sexo e revolução, dois dos assuntos favoritos do diretor, usando a Primavera de Paris como pano de fundo para um relacionamento a três. Enquanto uma praia se revelava sob os paralelepípedos das ruas, os personagens se fechavam entre quatro paredes, como em “O Último Tango” passado na mesma Paris, para explorar sua paixão sexual e pelo cinema. O resultado se tornou a apoteose da cinefilia de Bertolucci e deslanchou a carreira dos jovens Louis Garrel, Michael Pitt e Eva Green, que fazia sua estreia nas telas. Foi um sucesso. Mas em vez de marcar um renascimento em sua carreira, foi quase uma despedida, pois logo em seguida ele passou a sofrer sérios problemas nas costas. Bertolucci se viu confinado a uma cadeira de rodas e não fez outro filme por nove anos. Foi buscar energia e vontade de filmar nos aplausos dos colegas, durante uma homenagem do Festival de Cannes, que lhe rendeu tributo pela carreira em 2011. Um ano depois, lançou “Eu e Você” (2012), seu primeiro filme italiano desde 1981 e último longa de sua filmografia. Foi um trabalho relativamente modesto com um pequeno elenco e, novamente, uma locação minimalista – um porão em que um adolescente se escondia com sua meia-irmã. Nos últimos anos, sua saúde deteriorou, acumulando um câncer. E, em vez de aplausos, Bertolucci precisou lidar com acusações de abusos cometidos num filme que ele dirigiu aos 31 anos de idade. Em sua derradeira manifestação pública, ele se defendeu: “Eu gostaria, pela última vez, de esclarecer um mal-entendido ridículo que continua a gerar reportagens sobre ‘O Último Tango em Paris’ em todo o mundo. Vários anos atrás, na Cinémathèque Française, alguém me perguntou detalhes sobre a famosa cena da manteiga....
FBI confisca Oscar de Marlon Brando que estava com Leonardo DiCaprio
O ator Leonardo DiCaprio precisou devolver um Oscar para a Justiça. Mas não foi o troféu que conquistou por “O Regresso” (2015). Ele entregou a investigadores da FBI um troféu vencido por Marlon Brando, que havia chegado às suas mãos como presente dos produtores do filme “O Lobo de Wall Street” (2013) em reconhecimento ao seu desempenho. DiCaprio planejava usá-lo em um leilão beneficente de sua fundação, criada em 1998, que apoia uma série de projetos ambientais. Mas a peça acabou integrando a relação de objetos suspeitos de terem sido adquiridos por corrupção com o dinheiro público da Malásia. A produtora Red Granite, que financiou “O Lobo de Wall Street”, está sofrendo uma devassa, devido a acusações de corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Alguns objetos de arte que foram dados a DiCaprio como pagamento pelo filme também foram confiscados. “O sr. DiCaprio começou a devolver esses itens, que foram recebidos e aceitos por ele com o propósito de serem incluídos em um leilão de caridade anual para beneficiar sua fundação”, disse um comunicado oficial, expedido na quinta-feira (15/6). “Ele também devolveu o Oscar originalmente conquistado por Marlon Brando, que foi entregue ao sr. DiCaprio como um presente conjunto da Red Granite para agradecer por seu trabalho em ‘O Lobo de Wall Street'”, acrescenta o texto. O motivo da investigação é a suspeita de apropriação ilegal de dinheiro público do governo da Malásia para financiar as produções da Red Granite. O orçamento de US$ 155 milhões de “O Lobo de Wall Street” teria sido desviado de um fundo estatal malaio, denominado 1MDB (1Malaysia Development Berhad). O escândalo de corrupção envolve o enteado do Primeiro Ministro da Malásia, Riza Aziz, que é sócio da Red Granite. Igualmente financiada pela produtora, a comédia “Debi & Lóide 2” (2014) também está tendo seus gastos e pagamentos fiscalizados. Os desvios, porém, não se restringem às produções da Red Granite. Com débitos de US$ 11,73 bilhões, a trilha de dinheiro do 1MDB chega à vários bancos internacionais, incluindo, segundo denúncias, a contas de outros parentes do Primeiro Ministro Najib Tun Razak, abertas em paraísos fiscais.
Elenco de O Poderoso Chefão se reencontra nos 45 anos de lançamento do clássico
O Festival de Tribeca patrocinou uma rara reunião do elenco de “O Poderoso Chefão” em Nova York, celebrando os 45 anos de lançamento do filme, considerado um dos melhores de todos os tempos. Participaram do encontro Al Pacino, Robert Duvall, James Caan, Diane Keaton, Talia Shire, o diretor Francis Ford Coppola e Robert de Niro, que estrelou “O Poderoso Chefão II” e é diretor-fundador do festival. Organizado por de Niro, o evento relembrou histórias de bastidores da produção, num palco decorado como a famosa biblioteca de Don Corleone, com direito a uma foto do personagem vivido por Marlon Brando na parede. Além do encontro com os atores, também foram exibidas as partes I e II da trilogia. Os atores relembraram a difícil batalha para colocar o longa no cinema, já que Coppola era um diretor novato à época e suas escolhas enfrentavam resistência por parte da Paramount. A escalação de Brando, que morreu em 2004, foi a mais contestada. O ator vinha de vários fracassos, após uma carreira bem sucedida nas décadas de 1950 e 1960, e tinha a reputação de ser difícil. “Me disseram que ter Brando no filme o tornaria menos comercial que ter um total desconhecido”, disse Coppola. Brando criou a voz áspera, as bochechas macias e os cabelos oleosos para Don Corleone no teste de tela, mas não convenceu o estúdio. “Eles (o estúdio) odiavam Brando, achavam que ele murmurava, aumentando ainda mais seu ódio ao meu trabalho, que estaria muito escuro”, disse Coppola. Brando ganhou um Oscar pela performance. A Paramount também implicou com Al Pacino, que teve que fazer “inúmeras vezes” o teste para o papel de Michael, o filho universitário que assume os negócios da família Corleone. Os executivos do estúdio queriam Robert Redford ou Ryan O’Neal no papel. Mas Coppola persistiu, porque “toda vez que lia o roteiro, sempre via seu rosto de Pacino”. O próprio Pacino confessou que, originalmente, queria viver o personagem do filho cabeça quente, Sonny, que ficou com James Caan, e chegou a pensar que Coppola “estivesse realmente louco” por deseja-lo no papel de Michael. Pois o papel acabou consagrando-o com um dos grandes atores de sua geração. “O Poderoso Chefão” (1972) e “O Poderoso Chefão II” (1974) ganharam, ao todo, 9 Oscars e se tornaram clássicos absolutos do cinema americano.
HBO prepara filme sobre os bastidores de O Poderoso Chefão
A HBO vai produzir um filme sobre os bastidores de “O Poderoso Chefão” (1972). Intitulado “Francis & the Godfather”, a produção vai detalhar o trabalho do diretor Francis Ford Coppola para produzir seu clássico, a entrada de Marlon Brando e Al Pacino no elenco e como a verdadeira máfia de Nova York se interessou pelo projeto. Segundo o site da revista Variety, o filme é baseado num roteiro escrito por Andrew Farotte, produtor do reality “Big Brothers”, e terá consultoria de Peter Bart, o executivo da Paramount que adquiriu os direitos originais do romance de Mario Puzo nos anos 1970 e supervisionou as filmagens de Coppola. O projeto ainda está em estágio de desenvolvimento e ainda não definiu diretor e elenco. Lançado em 1972, “O Poderoso Chefão” se tornou um dos filmes mais famosos da história do cinema, aclamado pela crítica e vencedor de três Oscars: Melhor Filme, Roteiro Adaptado e Ator (Marlon Brando). Seu sucesso rendeu duas continuações dirigidas por Copolla – uma ainda mais premiada em 1974 (seis Oscars) e outra divisiva em 1990.
Trailer de série britânica vira polêmica ao mostrar Joseph Fiennes no papel de Michael Jackson
O canal pago britânico Sky Arts divulgou o primeiro trailer da série “Urban Myths”. E, conforme esperado, a aparição do ator Joseph Fiennes (“Shakespeare Apaixonado”, “Hércules”) como Michael Jackson precipitou um temporal de críticas negativas. A escolha de um ator branco para interpretar Jackson já tinha sido considerada polêmica na época da escalação, há exatamente um ano. Na ocasião, discutia-se o racismo da indústria cinematográfica com a hashtag #OscarSoWhite, alertando para a falta de atores negros na premiação de Hollywood. Mesmo se dizendo “chocado” pelo convite, Fiennes não exitou em assumir “um papel tão magnífico”. Mas os fãs de Michael Jackson não perdoaram e compararam a maquiagem usada com o visual de Voldemort, que o irmão do ator, Ralph Fiennes, usou para parecer embranquecido na franquia “Harry Potter”. Houve também quem achasse que ele ficou mais parecido com Scott Stapp, vocalista do Creed. “Urban Myths” é uma antologia episódica que encena encontros curiosos, que podem ou não ter acontecido, já que fazem parte do folclore das lendas das urbanas. Um deles é uma “road trip” de Michael Jackson, Elizabeth Taylor e Marlon Brando, interpretados, respectivamente, por Fiennes, Stockard Channing (“Grease”, série “The Good Wife”) e Brian Cox (“A Identidade Bourne”, minissérie “War & Peace”). A história supostamente verídica foi revelada pela revista Vanity Fair, que descobriu que os atores foram convidados por Jackson para assistir ao show de seus 30 anos de carreira no Madison Square Garden em setembro de 2001. Após a queda das Torres Gêmeas, com todos os vôos cancelados, eles alugaram um carro para voltar à Califórnia. Um ex-funcionário de Jackson afirma que os três chegaram juntos a Ohio, “num carro dirigido por eles mesmos”. A trama também traz Bob Dylan (vivido por Eddie Marsan, da série “Ray Donovan”), Cary Grant (Ben Chaplin, de “A Lenda de Tarzan”), Samuel Beckett (David Threlfall, da série britânica “Shameles”) e Adolf Hitler (Iwan Rheon, da série “Game of Thrones”). O roteiro foi escrito por Neil Forsyth (minissérie “Bob Servant”) e a direção está a cargo de Ben Palmer (“InBetweeners – O Filme”). A estreia está marcada para 19 de janeiro no Reino Unido.
Pedro Almodóvar lamenta “sensacionalismo” das acusações de estupro contra Bertolucci
O diretor espanhol Pedro Almodóvar lamentou no fim de semana que “o sensacionalismo” tenha triunfado nas recentes acusações contra seu colega de profissão, o cineasta italiano Bernardo Bertolucci, devido a uma antiga controvérsia do filme “O Último Tango em Paris” (1972). “Tenho certeza que o roteiro era bem conhecido e estava pactuado”, declarou Almodóvar em Breslávia, na Polônia, durante a cerimônia de premiação da Academia Europeia de Cinema, em que disputava por seu filme “Julieta”. “Eu nunca poria um intérprete em risco, nem psíquico nem físico”, disse o espanhol, que considerou que no caso do filme de Bertolucci estaria tudo pactuado entre diretor e atores, além de opinar que há problemas atuais mais relevantes. “São acusações que tanto tempo depois já não têm importância”, disse o cineasta sobre a polêmica gerada após a divulgação de uma entrevista de Bertolucci de 2013, na qual assegurava que não informou à protagonista, Maria Schneider, das mudanças na controvertida cena de estupro de “O Último Tango em Paris”. O desabafo foi entendido como confissão de abuso e originou acusações de estupro em diversos sites e nas redes sociais. Diante da controvérsia, as declarações foram relativizadas pelo próprio Bertolucci, que divulgou um comunicado no qual assegura que Schneider conhecia a cena com antecipação e a “única novidade” foi a manteiga que Marlon Brando usou como lubrificante. Isto não encerrou a controvérsia.
Denúncia de O Último Tango em Paris revela o padrão da cultura do estupro
As explicações de Bernardo Bertolucci não acalmaram os ânimos exaltados pela denúncia de estupro cometido contra Maria Schneider durante as filmagens de “O Último Tango em Paris”. Ao contrário, a discussão continua em plena evolução. Os mais velhos, e principalmente o público masculino, perguntam-se o que teria originado uma reação tão apaixonada, após anos de evidências ignoradas. Em busca de uma explicação, o jornal americano The Washington Post publicou um longo artigo que recapitula o caso, lembrando que ninguém prestava muita atenção neste tipo de denúncia até recentemente. O que pode ter mudado isso foi o escândalo envolvendo o comediante Bill Cosby, acusado de estuprar dezenas de mulheres durante décadas. As denúncias também eram conhecidas há anos, mas só em 2014 se tornaram notícia, lembra a publicação. O jornal espanhol El País partiu dessa análise para destacar uma evolução de fatos que contribuíram para o clima de revolta, lembrando como atrizes vêm trazendo à tona denúncias de abuso sexual, que no passado eram ignoradas. No final de outubro, Tippi Hedren publicou um livro de memórias em que voltou a denunciar o tratamento que recebeu de Alfred Hitchcock durante a filmagem de “Os Pássaros” (1963). Ela sofreu uma situação de abuso, não muito diferente da vivida por Schneider, quando o diretor não a avisou que os ataques das aves seriam mais reais do que imaginava. Embora já fosse conhecida a complicada relação entre ambos, em seu livro Hedren finalmente definiu o caso como assédio sexual. Outras situações muito comentadas no passado foram abusos entre Lars Von Trier e seus elencos femininos, Stanley Kubrick e Shelley Duvall e até, de forma mais recente, Abdellatif Kechiche e Léa Seydoux. Nada, entretanto, foi devidamente apurado em relação às denúncias. O El Pais aponta que há um padrão evidente nestes casos, que condiz com a cultura do estupro, cujos conceitos incluem: a normalização do impulso agressor, a impunidade, a culpabilização da vítima e a necessidade de filmar a agressão. Tudo isso se encaixa na acusação contra Bertolucci.
Bernardo Bertolucci se pronuncia sobre suposto estupro em O Último Tango em Paris
[Texto revisado pelo editor] O diretor Bernardo Bertolucci decidiu se pronunciar diante da polêmica criada por um artigo da revista Elle, que o acusa de ter conspirado para “filmar uma cena de estupro não consentido” da atriz Maria Schneider, durante a famosa cena da manteiga em “O Último Tango em Paris”. A acusação foi baseada numa suposta admissão do próprio diretor, registrada em vídeo durante um encontro com cinéfilos na Cinémathèque Française em 2013. Diante da escalada de acusações, o cineasta emitiu um comunicado em italiano nesta segunda-feira (5/12), dizendo: “Eu gostaria, pela última vez, de esclarecer um mal-entendido ridículo que continua a gerar reportagens sobre ‘O Último Tango em Paris’ em todo o mundo. Vários anos atrás, no Cinémathèque Française, alguém me perguntou detalhes sobre a famosa cena da manteiga. Eu especifiquei, mas talvez não tenha sido claro o suficiente, que eu decidi com Marlon Brando não informar a Maria de que usaríamos manteiga na cena. Queríamos sua reação espontânea ao uso impróprio. E é nisto que se resume o mal-entendido. Alguém pode ter achado que Maria não tinha sido informado sobre a violência que aconteceria contra ela. Isso é falso! Maria sabia de tudo porque ela tinha lido o roteiro, onde tudo foi descrito. A única novidade foi a ideia da manteiga. “E isso, eu aprendi muitos anos depois, ofendeu Maria. Não foi a violência a que ela foi submetida na cena, que estava escrita no roteiro.” No vídeo referido pela publicação, porém, o diretor inclui mais detalhes sobre o uso da manteiga na cena, que ele e Marlon Brando tinham combinado de acrescentar na manhã das filmagens. Conforme o diretor diz naquele registro: “Estava especificado no roteiro que teríamos que mostrar seu estupro de alguma forma. E enquanto eu e Marlon tomávamos café da manhã no piso do apartamento onde estávamos filmando, havia um baguette e havia manteiga, e olhamos um para o outro e, sem dizer nada, sabíamos o que queríamos fazer”. Ele acrescentou que se sentiu horrível pela forma como tratou Schneider, mas defendeu-se, explicando que “queria a reação dela como garota, não como atriz.” “Eu não queria que Maria interpretasse sua humilhação e sua raiva, eu queria que ela sentisse… a raiva e a humilhação. Então ela me odiou pelo resto de sua vida.” Maria Schneider também deu sua versão sobre os fatos em vida. Leia aqui o depoimento da atriz.
Houve estupro em O Último Tango em Paris? Saiba o que Maria Schneider falou sobre o assunto
[Texto revisado pelo editor] Um artigo da revista Elle que acusa o diretor Bernardo Bertolucci de ter conspirado com Marlon Brando para cometer estupro em Maria Schneider durante as filmagens de “O Último Tango em Paris” (1972) vem causando sensação nas redes sociais. Mas o que realmente aconteceu durante a encenação da famosa cena da manteiga? Bertolucci e Brando são monstros que combinaram estuprar Maria Schneider para dar mais realismo ao filme, como afirma a Elle? Não foram tão longe, mas abusaram da atriz para a cena? E assim, considerando que abuso sexual é estupro, foi o que aconteceu contra ela? Schneider e Brando já estão mortos. Bertolucci muito doente – o vídeo da entrevista usada como tese de que ele admite ter abusado da atriz é de 2013. Mesmo assim, os principais personagens dessa história já falaram bastante sobre o assunto ao longo dos anos. Bertolucci sempre com remorso, mas nunca arrependido. Schneider, que faleceu em 2011, sempre com raiva. A própria jornalista da Elle cita trecho de uma entrevista da atriz que dá força à sua tese. Na mesma entrevista, Schneider nega ter acontecido sexo real no filme, mas acusa veementemente Bertolucci de manipulação, humilhação e de abuso de poder, por não informá-la sobre como seria a cena do estupro. O trecho citado pela Elle é o seguinte: “Eu me senti humilhada e, para ser honesta, um pouco estuprada, tanto por Marlon quanto por Bertolucci. Após a cena, Marlon nem veio me consolar ou pedir desculpas. Felizmente, foi apenas um take.” A entrevista foi dada em 2007 para o jornal Daily Mail, por ocasião da celebração dos 35 anos de “O Último Tango em Paris”. Veja o artigo original aqui e abaixo a tradução do depoimento de Maria Schneider para o jornal sobre o filme e suas consequências: “É incrível. Eu fiz 50 filmes em minha carreira e ‘O Último Tango’ tem 35 anos, mas ainda é sobre ele que todo mundo me pergunta até hoje.” “Marlon era tímido sobre seu corpo, mas a nudez não era um problema para mim naqueles dias, porque eu pensava que era bonito.” “No entanto, eu nunca mais fiquei nua em um filme novamente depois de ‘Último Tango’, embora tenham me oferecido muitos desses papéis. As pessoas hoje estão acostumados com essas coisas, mas quando o filme estreou em 1972 foi um escândalo.” [nota: ela fez um filme completamente nua no ano seguinte, “Reign” (1973), e vários outros com nudez parcial, encenando inclusive cenas de sexo lésbico em “A Woman Like Eve” (1979)] “Eu o assisti novamente três anos atrás, depois que Marlon morreu e me pareceu cafona.” “Eu acho que Bertolucci é superestimado e nunca fez nada depois de ‘Último Tango’ que tivesse o mesmo impacto.” “Ele era gordo e suado e muito manipulador, tanto de mim quanto de Marlon, e fazia certas coisas para obter uma reação minha. Algumas manhãs no set ele era muito agradável e dizia ‘Olá’, e em outros dias ele não dizia nada mesmo.” “Eu era muito jovem para saber melhor. Marlon disse mais tarde que ele se sentiu manipulado, e ele era Marlon Brando, então você pode imaginar como eu me sentia. As pessoas pensavam que eu era como a menina [personagem] no filme, mas eu não era.” “Eu me senti muito triste porque fui tratada como um símbolo sexual. Eu queria ser reconhecida como uma atriz e todo o escândalo e repercussão do filme me deixou um pouco louca e eu tive um colapso.” “Agora, porém, eu posso olhar para o filme e gostar do meu trabalho nele.” “Aquela cena não estava no roteiro original. A verdade é que foi Marlon quem teve a idéia.” “Ele só me falou sobre isso na véspera de filmar a cena e eu fiquei com muita raiva.” “Eu deveria ter chamado meu agente ou fazer meu advogado vir para o set, porque você não pode forçar alguém a fazer algo que não está no script, mas, na época, eu não sabia disso.” “Marlon disse para mim: ‘Maria, não se preocupe, é apenas um filme,’ mas, durante a cena, embora o que Marlon estava fazendo não fosse real, eu estava chorando lágrimas de verdade.” “Eu me senti humilhada e, para ser honesta, um pouco estuprada, tanto por Marlon quanto por Bertolucci. Após a cena, Marlon nem veio me consolar ou pedir desculpas. Felizmente, foi apenas um take.” [O Daily Mail escreve: “Muitos acreditavam que as cenas de sexo entre Brando e Schneider foram reais, mas ela insiste que não”. Segue a entrevista:] “De forma alguma. Não havia atração entre nós. Para mim, ele era mais como uma figura paterna e eu como uma filha…” “Marlon me disse: ‘Você parece Cheyenne [sua filha, que, posteriormente, se suicidou em 1995] com o seu rosto de bebê.” “Ele me deu conselhos sobre a indústria do cinema.” “Quando eu comemorei meu aniversário de 20 anos durante as filmagens, meu trailer ficou cheio de flores e havia uma nota dizendo: ‘De um admirador desconhecido’.” “Nós ficamos amigos até o fim, embora, por um tempo, não podíamos falar sobre o filme. Sem dúvida, a minha melhor experiência em fazer o filme foi conhecer Marlon.” “Eu quase me recusei a fazer o filme, porque tinha uma oferta para estrelar outro filme, com Alain Delon, mas a minha agência, William Morris, disse: ‘É um papel de protagonismo com Marlon Brando – você não pode recusar’.” “Eu era tão jovem e relativamente inexperiente e eu não entendi todo o conteúdo sexual do filme. Eu tinha um pouco de mau pressentimento sobre aquilo tudo.” “Ficar famosa de repente em todo o mundo foi assustador. Eu não tinha guarda-costas como eles têm hoje. As pessoas pensavam que eu era como meu personagem e eu gostava de inventar histórias para a imprensa, mas aquela pessoa não era eu.” [O circo da mídia] “me fez enlouquecer e me envolver com drogas – maconha e, em seguida, cocaína, LSD e heroína. Era como uma fuga da realidade. Eram os anos 1970 e, naquele momento, era isto que estava acontecendo.” “Eu não gostava de ser famosa de forma alguma e as drogas foram a minha fuga. Tomei pílulas para tentar cometer suicídio, mas eu sobrevivi, porque Deus decidiu que não era o momento de eu ir.” “Acho que foi como um suicídio, já que eu tive duas ou três overdoses, mas em todas as vezes eu acordei quando a ambulância chegou.” “Eu tive muita sorte. Perdi muitos amigos para as drogas. Mas eu conheci alguém em 1980 que me ajudou a parar. Eu chamo essa pessoa de meu anjo e estamos juntos desde então. Eu não digo se é um homem ou uma mulher. Esse é o meu jardim secreto. Eu gosto de mantê-lo um mistério.” [O artigo começa a discutir sua carreira e vida pessoal, até voltar ao tema do “Último Tango em Paris” para uma última frase sobre a animosidade da atriz contra Bertolucci] “Eu não o perdoei realmente pela maneira como ele me tratou e, embora tenhamos nos encontrado em Tóquio, há 17 anos, eu o ignorei. Além disso, ele e Marlon fizeram uma fortuna com o filme e eu fiz cerca de £ 2.500. E Bertolucci era um comunista, também!”










