Festival de Brasília é cancelado por falta de apoio financeiro
O Festival de Brasília, um dos eventos mais tradicionais do cinema brasileiro, não vai acontecer em 2020 por falta de verbas. À retirada do apoio da Petrobrás no ano passado, por ordem de Bolsonaro, juntou-se este ano a crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus, inviabilizando financeiramente sua realização. O cancelamento foi revelado pelo Secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec-DF), Bartolomeu Rodrigues, em entrevista neste domingo (7/6) ao site brasiliense Metrópoles. O órgão é responsável pela organização do evento. Rodrigues afirmou ter buscado alternativas, como realizar o festival em parceria com o Cine Drive-In ou plataformas de streaming, mas o orçamento não permitiu. “Constatamos que não tínhamos recursos. Não tive nenhuma sinalização [que conseguiríamos arrecadar o dinheiro], portanto, preferi cancelar”. O orçamento previa a necessidade de R$ 3 milhões para a realização do festival. No ano passado, após a suspensão do patrocínio da Petrobras, outros festivais, como Anima Mundi e o Festival do Rio, correram o risco de serem cancelados, mas driblaram as restrições financeiras com ajuda de financiamento coletivo. Essa é a primeira vez desde os anos 1970, em meio à ditadura militar, que o festival, conhecido por apresentar longas com temas políticos e que denunciam diversas dificuldades enfrentadas pela população, é cancelado.
Produtores processam Ancine para receber verbas aprovadas há mais de um ano
A paralisação dos recursos do audiovisual foi parar nos tribunais de justiça. Sem acesso a recursos já aprovados, produtores passaram a processar a Ancine (Agência Nacional de Cinema). Desde meados de abril, empresas decidiram entrar com mandados de segurança para que a agência libere recursos de projetos já aprovados e que cumpriam os trâmites exigidos, mas se encontravam engavetados sem justificativa. Algumas destas ações determinam inclusive multas diárias direcionadas ao presidente interino da instituição, Alex Braga. A judicialização virou a última saída para os produtores, muitos dos quais esperavam mais de um ano – isto é, desde o começo do desgoverno Bolsonaro – pela liberação de verbas travadas pela desorganização de todas as agências ligadas à Cultura. Reportagem do jornal O Globo procurou alguns dos produtores que processaram a Ancine e descobriu que muitos se arrependeram de ter esperado, pacientemente, por uma resolução satisfatória dos trâmites burocráticos. Mas a entidade assumiu postura kafkiana de usar a incompetência como método de trabalho. A produtora catarinense Aline Belli, sócia da Belli Studio, responsável pela série animada “Boris e Rufus” exibida pelo Disney XD, foi selecionada em um edital de Santa Catarina, pelo qual recebeu R$ 250 mil em outubro de 2018 para a realização dos 13 episódios da 2ª temporada. O projeto seria complementado com recursos do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), no valor de R$ 950 mil. Após cumprir todas as exigências, o prazo máximo determinado pela própria Ancine seria de aproximadamente 105 dias, entre análise do projeto e análise complementar, o que deveria acontecer até junho do ano passado. Um ano depois, o contrato foi enviado apenas após a entrada da produtora na Justiça. “Passamos meses fazendo tudo o que eles nos pediam, tentamos todos os contatos possíveis, inclusive por intermédio do governo do estado. Nos informavam que estávamos numa fila de análise, mas sem dar um prazo. Como eu poderia fechar um contrato de exibição sem a previsão de quando os recursos para finalizar a produção serão liberados?”, desabafou Belli. A ação demonstrou o único caminho possível para que outros produtores buscassem seus recursos aprovados, levando à multiplicação de mandados judiciais. Apenas entre os membros da Associação das Produtoras Independentes (API), estima-se que entre 25 e 30 processos sigam o mesmo caminho, para a liberação de um montante total que pode chegar a R$ 15 milhões — e que seguem travados pela agência sem maiores explicações. Um produtor baseado em São Paulo, que preferiu não se identificar ao jornal por temer represálias na agência, contou ter se surpreendido com o uso da burocracia para impedir financiamentos e só conseguiu obter o orçamento já captado para seu projeto após entrar com mandado de segurança. “Há mais de uma década faço estes trâmites na Ancine. A impressão é que de dois anos para cá a burocracia aumentou muito, e por vezes temos que refazer os processos. Havia um diálogo maior com o setor, hoje recebemos decisões que parecem arbitrárias e nos deixam falando sozinhos. É uma morosidade que não se justifica, e são recursos originados pelo próprio audiovisual. Se não há uma razão econômica, fica uma sensação de um viés ideológico por trás do travamento deste dinheiro”, reclama o produtor. Também sob condição de anonimato, dois servidores da Ancine confirmaram as impressões do produtor. Um deles disse haver pressão para que produções com temas que contrariem as diretrizes de Bolsonaro para a liberação de fomento, como sexo e drogas, caiam em demandas burocráticas, que vão de novas análises até diligências para as produtoras. “Eram orientações sutis da direção, que não eram passadas diretamente a todos os servidores da área”, contou um dos servidores. “Mas há uma perseguição a quem não aceita, gente que perdeu gratificação, ou foi impedida de trocar de área”. Outro servidor ouvido por O Globo entende que a decisão de segurar projetos é deliberada para todos os projetos, independente da temática. “Pode ter foco maior sobre projetos de determinados temas, mas tem uma coisa mais ampla deste governo para não repassar verbas para a Cultura. As demandas do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a prestação de contas viram um álibi conveniente para travar as coisas”, revelou. Procurada pelo jornal, a agência não quis comentar as manifestações dos servidores. Mas disse que “as decisões judiciais serão cumpridas, e as ações da Ancine também serão informadas em juízo, assim como a situação financeira do FSA” e que “a direção da Ancine tem compromisso com a gestão pública e a legislação em vigor”. A sugestão dessa narrativa é que, em relação à liberação de verbas, apenas as “as decisões judiciais serão cumpridas”, porque há um problema sobre “a situação financeira do FSA”. Sobre esse detalhe, fontes ouvidas pelo site O Antagonista declararam haver um rombo nos fundos do audiovisual, que teriam um déficit de R$ 650 milhões em investimentos assumidos. Atenta a esse quadro, há duas semanas o TCU enviou um ofício a Regina Duarte, questionando as razões pelas quais a Secretaria Especial de Cultura e a Ancine paralisaram a política de fomento ao setor cultural, feita pelo Fundo Nacional de Cultura (FNC) e pelo Fundo Setorial de Audiovisual. O tribunal quer um levantamento sobre o FSA, cujo resultado pode se tornar mais um escândalo no desgoverno. Não por acaso, Bolsonaro tem feito de tudo para impedir reunião do Comitê Gestor do Fundo, entre outras coisas mudando continuamente o titular da secretaria de Cultura e deixando a secretaria do Audiovisual acéfala. O FSA está parado por falta de uma reunião do Comitê Gestor do Fundo. A reunião devia ter acontecido há um ano. Chegou a ser marcada em dezembro, um dia antes de Bolsonaro trocar o secretário da Cultura. Sua substituta já está demissionária. Mesmo assim, Regina acena com a falsa expectativa de realizar a mitológica reunião, citada numa postagem de sexta (5/6) em seu Instagram. Ela só não diz, claro, em que dia. Ou que mês. O fundo mantém repasses que datam de 2018 cujo montante total é mantido em segredo, mas pode chegar a R$ 2 bilhões.
Regina Duarte diz que ainda é secretária de Cultura
A ex-atriz Regina Duarte revelou em seu Instagram que ainda não virou ex-secretária da Cultura. Num post confuso, em que parece acusar bolsonaristas de sabotagem, Regina desabafou: “E sigo Secretária”. A afirmação acontece três semanas depois dela dizer que tinha “ganhado um presente”: “O Presidente Bolsonaro me propôs, a partir de agora, assumir a Cinemateca”. Em outras palavras, em vez de anunciar sua demissão, Bolsonaro deliberou seu rebaixamento para o comando da Cinemateca Brasileira. O anúncio foi feito entre risos num vídeo publicado nas redes sociais, em que Bolsonaro afirma ainda que Regina estava com saudade da família e que a mudança seria para o “bem” dela, em respeito ao “passado” da ex-atriz e “por tudo o que representa para todos nós”. Só que o prêmio de consolação era presente de grego. O cargo para o qual Regina foi nomeada por Bolsonaro não existe. Era fake, porque a Cinemateca deixou de ser administrada diretamente pelo governo federal há quatro anos, quando teve sua gestão transferida para uma organização social, a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto). Desde então, o governo faz um repasse anual à Roquette Pinto para gerir o espaço. Mas como a proposta de Bolsonaro para a Cultura é o sucateamento, as verbas foram diminuindo até sumirem. No ano passado, a previsão era de entrada de R$ 13 milhões, mas só R$ 7 milhões foram transferidos até dezembro. Neste ano, nada. Por conta disso, Associações ligadas ao setor audiovisual lançaram um manifesto em defesa da Cinemateca Brasileira na quinta-feira (4/6), reclamando do desgoverno Bolsonaro A nomeação fake de Regina serviu de pretexto para o ministério do Turismo, pasta em que a Cultura foi jogada, determinar que a Cinemateca seria estatizada. Em comunicado, o ministério informou que a Acerp já não responde mais pela preservação do acervo da Cinemateca. Entretanto, o desgoverno, que se elegeu com proposta desestatizante, não deu prazo para a incorporação da entidade. O comunicado conclui dizendo apenas que “a Cinemateca Brasileira, que detém uma parcela significativa da memória audiovisual e documental brasileira, prosseguirá sob a Direção da secretária Regina Duarte”. Em seu novo post no Instagram, Regina não citou a Cinemateca. Na verdade, ela parece ignorar completamente o vídeo de 20 de maio, que ainda está em seu feed. Veja abaixo. Para falar que segue secretária, Regina fez um longo preâmbulo em que assume sua inexperiência e seus embates contra uma “torcida nas mídias, nas redes sociais”, feita por quem está “muito mais preocupado com ideologias do que com Cultura”. Parece até que reclama de bolsonaristas. Só que não. “… e por falar em Cultura… aceitei assustada o convite para a Missão. Aceitei por amor ao meu País, por paixão irrefreável por Arte e Cultura, por confiança no governo Bolsonaro. Aceitei porque muita gente, muita gente mesmo, quando cruzava comigo, em qualquer lugar, com o olho brilhando de esperança, dizia: ‘Aceita, Regina’!”, contou. “Minha inexperiência em gestão pública foi crucial para que eu descobrisse, até com certo atraso, que o Projeto de Cultura com que sempre sonhei era inviável, porque eu estava enredada num universo muito mais preocupado com ideologias do que com Cultura. As pressões cotidianas de gente que desconhece a máquina da administração pública foram companheiras constantes. Sempre me pareceu nítido que havia uma torcida nas mídias, nas redes sociais para que a minha gestão não se consolidasse”, escreve, como quem se desculpa pelo fracasso de sua gestão. Então, vem a surpresa: “E sigo Secretária”. Sem mencionar o caos causado na Cinemateca por conta de seu “presente”, ela interpreta o papel de líder cultural. “Não me permito sair deixando incompletas lutas e conquistas para o Setor Cultural. Um exemplo? A Convocação pelo Ministério do Turismo, da reunião do Conselho Gestor da ANCINE para que o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) seja liberado. Editais que darão novo fôlego à Cultura Brasileira serão novamente possíveis”, escreveu. O conselho gestor do FSA deveria ter sido convocado há pelo menos um ano e quem tira o fôlego da Cultura Brasileira é o desgoverno que protela para cumprir o mínimo de suas obrigações burocráticas. “Trabalho ainda na edição de um vídeo com textos e imagens que falam do Projeto de Cultura que pude construir com minha Equipe. Não foi pouca coisa. Em breve vou ter a alegria de comunicar as ações que minha passagem pela Secretaria Especial da Cultura deixa como legado a quem me suceder”, ela afirma. Esse material citado tende a ser outra surpresa bombástica sobre fatos que contrariam evidências. Por enquanto, a única realização visível da rainha da sucata cultural é a transferência do comando de sua pasta de Brasília para o limbo. Ver essa foto no Instagram … e por falar em Cultura… … aceitei assustada o convite para a Missão. Aceitei por amor ao meu País, por paixão irrefreável por Arte e Cultura, por confiança no governo Bolsonaro. Aceitei porque muita gente, muita gente mesmo, quando cruzava comigo, em qualquer lugar, com o olho brilhando de esperança, dizia: “Aceita, Regina”! Minha inexperiência em gestão pública foi crucial para que eu descobrisse, até com certo atraso, que o Projeto de Cultura com que sempre sonhei era inviável, porque eu estava enredada num universo muito mais preocupado com ideologias do que com Cultura. As pressões cotidianas de gente que desconhece a máquina da administração pública foram companheiras constantes. Sempre me pareceu nítido que havia uma torcida nas mídias, nas redes sociais para que a minha gestão não se consolidasse. E sigo Secretária. Não me permito sair deixando incompletas lutas e conquistas para o Setor Cultural. Um exemplo? A Convocação pelo Ministério do Turismo, da reunião do Conselho Gestor da ANCINE para que o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) seja liberado. Editais que darão novo fôlego à Cultura Brasileira serão novamente possíveis. Trabalho ainda na edição de um vídeo com textos e imagens que falam do Projeto de Cultura que pude construir com minha Equipe. Não foi pouca coisa. Em breve vou ter a alegria de comunicar as ações que minha passagem pela Secretaria Especial da Cultura deixa como legado a quem me suceder. Uma publicação compartilhada por Regina (@reginaduarte) em 4 de Jun, 2020 às 7:54 PDT Ver essa foto no Instagram Oba! 😉 Meus queridos, este vídeo representa a concretização de um um sonho. O Presidente Bolsonaro me propôs, a partir de agora, assumir a Cinemateca , órgão da Secretaria Especial de Cultura que cuida da proteção do acervo e também do desenvolvimento da cinematografia brasileira . Trata-se de duplo presente : vou poder ficar mais próxima da minha família (minha paixão) e também participar mais de perto e ativamente de um setor da Secretaria de Cultura : o áudio visual, a tele dramaturgia, outras paixões da minha vida. Ter a possibilidade de dispor do equipamemto de ponta da Cinemateca Brasileira para criar , fazer Cultura … é prêmio ! É uma honraria . E agora, enquanto este sonho não se concretiza burocraticamente … nos próximos dias vocês vão poder acompanhar uma Série de Vídeos contendo projetos e realizações dos meus últimos 2 meses de trabalho como Secretária Especial da Cultura. Neles faço questão de mostrar metas e o legado que minha Equipe e eu desenvolvemos para continuar contribuindo com os amados brasileiros que fazem e consomem Arte no Brasil.☺️💓🇧🇷🥰🥰🥰🥰🥰 Uma publicação compartilhada por Regina (@reginaduarte) em 20 de Mai, 2020 às 7:57 PDT
Instagram censura segunda fake news de Regina Duarte
O Instagram estampou um alerta de fake news sobre uma publicação feita pela ex-atriz Regina Duarte. É a segunda vez que a plataforma utiliza informações verificadas por agências de checagem de fatos para indicar que ela compartilha dados inverídicos sobre a pandemia da Covid-19. A primeira foi em abril e dizia respeito ao uso da cloroquina no combate à doença. Na quinta-feira (4/6), o selo de “notícia falsa” foi estampado sobre conteúdo que tentava minimizar a covid-19 ao afirmar que pandemias acontecem a cada cem anos e seguem um padrão. A informação é, digamos, imprecisa e as datas citadas não batem com a realidade. Um “verificador independente” a serviço do Instagram concluiu que se trata de notícia falsa porque pandemias não seguem um padrão, as datas envolvidas na teoria não refletem fatos históricos e todas as exceções que desmentem a tese foram excluídas da hipótese, como a pandemia de gripe A em 2009, por exemplo. Ao ser flagrada mentindo para seus seguidores pela segunda vez, Regina apagou o post. Mas é possível ver a intervenção do Instagram na cópia abaixo.
Setor audiovisual lança manifesto em defesa da Cinemateca Brasileira
Associações ligadas ao setor audiovisual lançaram um manifesto em defesa da Cinemateca Brasileira. O documento, que conta com apoio de Cinematecas europeias, foi divulgado durante um protesto realizado na quinta-feira (4/6) em frente ao prédio da entidade, que é mais uma vítima do desgoverno Bolsonaro. Ao menos 25 entidades e associações ligadas ao audiovisual brasileiro participaram da manifestação, convocada pela Associação Paulista de Cineastas (Apaci). No texto, os grupos criticam o governo federal, que parou de fazer repasses para a Associação Roquette Pinto (Acerp), responsável pela gestão da Cinemateca. A dívida do governo com a Acerp já soma R$ 11 milhões e a proposta do desgoverno é não pagar, visando estatizá-la. Sem dinheiro, a Cinemateca vai sofrer um apagão – literalmente. “Um eventual apagão elétrico será desastroso, pois atingirá a climatização das salas onde estão arquivados verdadeiros tesouros de seu acervo histórico. Sem refrigeração e inspeção constante, os filmes em nitrato de celulose ficarão expostos ao tempo e podem entrar em autocombustão como já ocorreu em 2016”, diz trecho do manifesto. A conta de luz já está dois meses atrasada. Além disso, contratos com terceirizados, como manutenção e segurança, estão prestes a acabar, e os funcionários da Cinemateca estão com os salários atrasados desde de abril. Tudo isso é fruto da “política cultural” de destruição de Bolsonaro. “Técnicos valiosos e especializados foram demitidos e as atividades foram reduzidas drasticamente. Entre outras coisas, isso se refletiu na subutilização dos equipamentos de ponta, fruto de vultosos investimentos, que correm o risco de sucateamento”, frisou a Apaci. Ao tomar ciência do caos, o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) encaminhou um ofício à Secretaria Especial da Cultura cobrando “informações a respeito da possível ausência de repasse orçamentário que vem prejudicando o funcionamento da Cinemateca Brasileira e causando danos a acervo audiovisual mantido pela citada entidade”. De acordo com o documento, que o jornal O Globo divulgou na sexta (30/5), a secretaria tem agora 54 dias para confirmar se houve ou não repasse à Cinemateca Brasileira. Se confirmada a falta de envio dos recursos — eram previstos R$ 12 milhões para 2020 — , o Ministério Público poderá entrar com uma ação civil pública contra a pasta. Só não se sabe quem responderá por isso. A pasta está sem comando. Regina Duarte foi “saída” por Bolsonaro há três semanas, mas o presidente ainda não publicou sua exoneração no Diário Oficial. Tecnicamente, ela ainda é a responsável por esse problema, embora não esteja mais em Brasília. Pior que isso: Regina sonha em presidir a Cinemateca, provavelmente confundindo a função com curadoria de mostras cinematográficas. Quando demitiu a ex-atriz, Bolsonaro se comprometeu em colocá-la na Cinemateca. Só que, para realizar isso, precisa retomar o controle da entidade, que desde 2018 é gerida pela Acerp, uma organização social (OS) independente. Em comunicado, o ministério do Turismo, onde Bolsonaro jogou a pasta da Cultura, confirmou os planos de “reincorporação” da Cinemateca pela União, declarando que a Acerp já não responde mais pela preservação do acervo. Entretanto, o desgoverno, que se elegeu com proposta desestatizante, não deu prazo para a estatização da entidade. O comunicado conclui dizendo apenas que “a Cinemateca Brasileira, que detém uma parcela significativa da memória audiovisual e documental brasileira, prosseguirá sob a Direção da secretária Regina Duarte”. Como o desgoverno determinou por conta própria que a Acerp não é mais responsável pela Cinemateca e, por outro lado, nem sequer oficializou o desligamento de Regina Duarte do cargo de secretária de Cultura, a responsabilidade pelo equipamento caiu oficialmente no limbo. Fundada em 1946, a Cinemateca guarda registros inestimáveis, como filmes feitos durante as incursões do Exército brasileiro na 2ª Guerra Mundial, filmes do Brasil do começo do século 20, coleção de imagens raras da TV Tupi, primeira emissora de TV do país, inaugurada em 1950, 1 milhão de documentos relacionados à área do audiovisual, 245 mil rolos de filmes e 30 mil títulos de cinema, entre obras de ficção, documentários, cinejornais, filmes publicitários e registros familiares de personalidades históricas. O descaso com o acervo precioso que trata da própria História do Brasil só não é maior que o descaso com a saúde dos brasileiros, considerando que, em plena pandemia, o Ministério da Saúde também encontra-se sem titular há três semanas.
Senado aprova Lei Aldir Blanc de auxílio à Cultura brasileira
O Senado Federal aprovou nesta quinta-feira (4/6), por unanimidade, o projeto de lei que vai destinar R$ 3 bilhões para socorrer o setor cultural durante a pandemia do novo coronavírus. Conhecida como Lei Aldir Blanc, em homenagem ao compositor que morreu vítima de covid-19, a lei prevê um auxílio de R$ 600, em três parcelas, para trabalhadores da arte e da cultura, que Bolsonaro excluiu, via veto, do “coronavoucher” destinado aos trabalhadores informais, de baixa renda e microempreendedores individuais. Como o senado aprovou o projeto sem alterar o texto encaminhado pela Câmara, o texto vai seguir diretamente para a sanção presidencial. O relator do projeto, senador Jaques Wagner, fez um apelo para que o presidente da República sancione o projeto sem vetos. “Eu espero que Sua Excelência, o presidente da República, acolhendo o apelo de seus líderes, e me somo a esse apelo como Relator desta matéria no Senado, que Sua Excelência possa aprovar o texto sem vetos para que esse recurso possa rapidamente, como o texto prevê, em 15 dias chegar à ponta para que o remédio não encontre o paciente já em situação terminal”. De autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e de outros 23 parlamentares, o projeto de Lei 1075/2020 prevê também que os espaços culturais terão direito a uma quantia que varia entre R$ 3 mil e R$ 10 mil até o fim da quarentena. Além disso, 20% do total deverá ser aplicado na manutenção de espaços artísticos e no apoio a micro e pequenas empresas culturais, cooperativas e instituições dedicadas à arte que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social. O recurso também poderá ser usado para editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural. De acordo com o texto, os R$ 3 bilhões serão divididos ao meio: 50% vão para os estados e o Distrito Federal e 50%, para os municípios. 80% do valor destinado aos municípios (R$ 1,5 bilhão) serão distribuídos de acordo com o tamanho da população deles. Os outros 20% serão distribuídos de acordo com os critérios do Fundo de Participação de Município (FPM), uma transferência constitucional que leva em consideração fatores como tamanho e renda per capita. A partir do momento em que o dinheiro entra em caixa, o município terá 60 dias para distribuir o apoio emergencial. Para ter direito ao auxílio emergencial, o trabalhador vai precisar comprovar sua atuação social ou profissional nas áreas artística e cultural dos últimos dois anos. Pela proposta, serão analisados os cadastros culturais dos estados, onde os artistas devem estar registrados. O profissional também não poderá ter outro emprego formal ativo e não pode ser titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado o Bolsa Família. E aqueles que já recebem o auxílio emergencial do governo pago a trabalhadores informais também não terão acesso a nova ajuda. O benefício de pessoa jurídica será para espaços culturais e artísticos, micro e pequenas empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas e instituições culturais com atividades atualmente suspensas como prevenção contra a pandemia. Elas precisam comprovar que constam em ao menos um dos cadastros públicos existentes (estadual, municipal, distrital de Cultura, ou de pontos de cultura) para receber o montante. Estas empresas também não podem ter vínculo com a administração pública, Sistema S ou fundações e institutos mantidos por grupos empresariais. Esta lei se tornou emergencial porque Bolsonaro, além de barrar o auxílio de R$ 600 para artistas, não liberou nenhum valor dos fundos de fomento cultural, que superam esse montante. O dinheiro arrecadado desde 2018 para financiar a Cultura encontra-se parado em aplicações financeiras, enquanto o setor atravessa sua mais grave crise econômica. Como reação à essa “política cultural”, deputados, artistas e secretários estaduais e municipais de Cultura decidiram se organizar e negociar uma solução para o setor, via Congresso. Isso se provou necessário porque o desgoverno não tem nem sequer quem responda pela pasta da Cultura, assim como não tem ministro da Saúde em plena pandemia.
Bolsonaro cria caos na Cinemateca para acomodar Regina Duarte
A situação de abandono e caos administrativo criada pelo governo Bolsonaro na Cinemateca Brasileira, o maior arquivo de filmes da América do Sul e uma das mais importantes instituições do gênero no mundo, voltou a chamar atenção da mídia e virou caso de justiça ao se tornar um prêmio de consolação para Regina Duarte. Ao anunciar a saída da ex-atriz do cargo de secretária de Cultura, na semana passada, Jair Bolsonaro disse que ela iria comandar a Cinemateca, com sede em São Paulo. Essa nomeação, porém, criou mais uma crise de desgoverno. Para começar, o cargo que Bolsonaro quer dar para Regina não existe, uma vez que a Cinemateca deixou de ser administrada diretamente pelo governo federal há quatro anos, quando teve sua gestão transferida para uma organização social, a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto). Desde então, o governo faz um repasse anual à Roquette Pinto para gerir o espaço. Mas como a proposta de Bolsonaro para a Cultura é o sucateamento, as verbas foram diminuindo até sumirem. No ano passado, a previsão era de entrada de R$ 13 milhões, mas só R$ 7 milhões foram transferidos até dezembro. Neste ano, nada. Como se não bastasse, o polêmico ministro da Educação, Abraham Weintraub, decidiu romper contrato com a Acerp, que era responsável pelos programas da TV Escola. Como a administração da Cinemateca era um adendo desse contrato, este ato deixou o mais importante espaço de preservação da história do cinema brasileiro sem acordo de gestão. Sem contrato e sem dinheiro, a Acerp tem feito mais que o Estado para preservar a Cinemateca. De janeiro a abril deste ano, o local foi mantido apenas com verbas próprias da Acerp, que teria desembolsado R$ 4 milhões para o pagamento de funcionários, prestadores de serviço e dos custos da instituição. Os poucos funcionários na ativa trabalham sem receber e a instituição tem negociado débitos da conta de luz — que varia entre R$ 100 e R$ 200 mil ao mês – para impedir o corte de energia que seria fatal para o acervo, dadas as condições de refrigeração necessárias para sua preservação. Além disso, contratos de prestação de serviços, como o dos bombeiros, fundamentais para preservação do acervo de 250 mil rolos de filmes, o maior da América do Sul, também estão para prescrever, o que é mais um risco sobre o acervo. Enquanto isso, os arquivos da Cinemateca já sofreram com incêndio e inundação nos últimos meses. Muito material precioso já foi perdido. Ao tomar ciência do caos, o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) encaminhou um ofício à Secretaria Especial da Cultura cobrando “informações a respeito da possível ausência de repasse orçamentário que vem prejudicando o funcionamento da Cinemateca Brasileira e causando danos a acervo audiovisual mantido pela citada entidade.” De acordo com o documento, que o jornal O Globo divulgou na sexta (30/5), a secretaria tem até 60 dias para confirmar se houve ou não repasse à Cinemateca Brasileira. Se confirmada a falta de envio dos recursos — eram previstos R$ 12 milhões para 2020 —, o Ministério Público poderá entrar com uma ação civil pública contra a pasta. A decisão de Bolsonaro de colocar Regina Duarte à frente desse problema rendeu uma reunião na sexta-feira entre a Acerp e integrantes do governo. A expectativa da Acerp era fechar um termo de emergência com a Secretaria Especial de Cultura, mas o resultado do encontro foi uma nota, divulgada pelo ministério do Turismo, que afirma que a Cinemateca Brasileira será reincorporada à União. Para tanto, o governo decidiu pela oficialização do encerramento do contrato de gestão com a Acerp. “A Cinemateca Brasileira não será fechada e agora entra na fase natural de reincorporação pela União, uma vez que não existe respaldo contratual para a Organização Social permanecer”, diz a nota, enviada ao jornal O Estado de S. Paulo. “Todos os acertos jurídicos serão feitos com a Roquette Pinto”, garante o ministério. Com a rescisão do contrato, a instituição teria que interromper projetos já em andamento e a Acerp demitiria cerca de 150 funcionários. O governo, que deve milhões à instituição, também não arcaria com os custos das rescisões trabalhistas. Apesar do anúncio do ministério do Turismo, a Acerp teria recusado a proposta e acionado o conselho administrativo para tomar medidas judiciais. Afinal, a nota deixa claro que toda essa movimentação tem o objetivo exclusivo de dar função para Regina Duarte, que não tem a menor experiência com preservação e restauração de filmes. “A Cinemateca Brasileira, que detém uma parcela significativa da memória audiovisual e documental brasileira, prosseguirá sob a Direção da Secretária Regina Duarte”, assume o comunicado oficial do desgoverno. Como o ministério determinou por conta própria que a Acerp não é mais responsável pela Cinemateca e, por outro lado, nem sequer oficializou o desligamento de Regina Duarte do cargo que ela perdeu na semana passada, a responsabilidade pelo equipamento foi pro limbo. Quanto mais tempo o impasse demorar, maiores são as chances de deterioração e perdas de um arquivo inestimável. A situação de negligência por incompetência burocrática pode configurar crime e, conforme observado, já está sendo acompanhada pelo MPF-SP.
Regina Duarte ainda é secretária da Cultura, uma semana após anunciar saída do cargo
Uma semana depois de anunciar sua saída da secretária especial da Cultura, Regina Duarte segue no cargo. Ela não foi exonerada (desligada oficialmente) porque o ato que a desvincula da secretaria ainda não foi publicado no Diário Oficial da União até esta quinta-feira (28/5). O afastamento da ex-atriz e futura ex-secretária foi comunicado em vídeo pelo presidente, ao lado de Regina, na quarta-feira passada (20/5), quando anunciaram que ela seria transferida para o comando da Cinemateca, em São Paulo. Mas o cargo informado não existe, uma vez que a Cinemateca é gerida por uma ONG. Comprovando sua permanência, a agenda pública da secretária revela que, nesta semana, ela teve ao menos quatro atividades de despachos da pasta – duas internas, duas por videoconferência. Questionado pelo UOL, o Ministério do Turismo informou que Regina está em transição. “A secretária especial de Cultura, Regina Duarte, encontra-se em fase de transição dos trabalhos realizados por ela durante este período para valorizar a cultura no país”, comunicou a pasta. Desde o anúncio da saída de Regina, um dos nomes cotados para substituí-la é do ator Mário Frias, que almoçou com Bolsonaro na semana passada, antes mesmo da ida da ex-atriz para o limbo, e que o próprio presidente tachou de “excelente nome” para assumir a Cultura do país. Mas assim que sua participação no governo
Câmara dos Deputados aprova auxílio emergencial de R$ 3 bilhões para a Cultura
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (26/5) o projeto de lei que concederá R$ 3 bilhões em ações emergenciais para a área da Cultura. Todos os partidos apoiaram a proposta, que agora precisa ser apreciada pelo Senado e seguir para promulgação da Presidência para virar lei. O Projeto de Lei 1075/2020, de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e de outros 23 parlamentares, conta com a relatoria da deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ) e prevê aos trabalhadores informais no setor cultural uma complementação mensal de renda no valor de R$ 600, em três parcelas. Artistas tinham sido excluídos do “coronavoucher”, o benefício emergencial original de R$ 600, em veto do presidente Jair Bolsonaro, que desde o começo de seu governo só realizou ações que objetivam quebrar a indústria cultural brasileira, bem como seus trabalhadores e seus empreendedores. Ainda pela proposta, os espaços culturais terão direito a uma quantia que varia entre R$ 3 mil e R$ 10 mil até o fim da quarentena. Além disso, 20% do total deverá ser aplicado na manutenção de espaços artísticos e no apoio a micro e pequenas empresas culturais, cooperativas e instituições dedicadas à arte que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social. O recurso também poderá ser usado para editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural. A lei pode ser batizada de Aldir Blanc, em homenagem ao artista que morreu vítima do novo coronavírus, e foi resultado de uma parceria entre deputados, artistas e secretários estaduais e municipais de Cultura, como reação à “política cultural” do governo – muito anterior à pandemia, a paralisação do setor foi iniciada no dia em que Bolsonaro assumiu o poder e decidiu travar uma guerra contra o que batizou de “marxismo cultural”, que seriam quase todos os filmes, séries, peças teatrais e exposições artísticas. “Entendemos que esse é um momento histórico do parlamento brasileiro. Cultura é o que nos simboliza. Como já dizia o nosso saudoso Aldir Blanc: o Brazil não conhece o Brasil. Mas esta casa de representação nacional certamente conhece”, disse a relatora Jandira Feghali, ao comemorar a aprovação. Líder do governo na Câmara, o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) afirmou ter se reunido com o presidente Jair Bolsonaro e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e que o governo consentiu o apoio ao projeto. O líder afirmou ter construído um acordo para que a deputada da oposição tirasse pontos conflitantes do seu texto sob a garantia de o Planalto sancionar a proposta. Há um esforço coletivo de lideranças partidárias junto ao gabinete da presidência, a fim de que a proposta seja sancionada integralmente, sem vetos. De acordo com o texto, os R$ 3 bilhões serão divididos ao meio: 50% vão para os estados e o Distrito Federal e 50%, para os municípios. 80% do valor destinado aos municípios (R$ 1,5 bilhão) serão distribuídos de acordo com o tamanho da população deles. Os outros 20% serão distribuídos de acordo com os critérios do Fundo de Participação de Município (FPM), uma transferência constitucional que leva em consideração fatores como tamanho e renda per capita. A partir do momento em que o dinheiro entra em caixa, o município terá 60 dias para distribuir o apoio emergencial. Para ter direito ao auxílio emergencial, o trabalhador vai precisar comprovar sua atuação social ou profissional nas áreas artística e cultural dos últimos dois anos. Pela proposta, serão analisados os cadastros culturais dos estados, onde os artistas devem estar registrados. O profissional também não poderá ter outro emprego formal ativo e não pode ser titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado o Bolsa Família. E aqueles que já recebem o auxílio emergencial do governo pago a trabalhadores informais também não terão acesso a nova ajuda. O benefício de pessoa jurídica será para espaços culturais e artísticos, micro e pequenas empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas e instituições culturais com atividades atualmente suspensas como prevenção contra a pandemia. Elas precisam comprovar que constam em ao menos um dos cadastros públicos existentes (estadual, municipal, distrital de Cultura, ou de pontos de cultura) para receber o montante. Estas empresas também não podem ter vínculo com a administração pública, Sistema S ou fundações e institutos mantidos por grupos empresariais. Esta lei se tornou emergencial porque Bolsonaro, além de barrar o auxílio de R$ 600 para artistas, não liberou nenhum valor dos fundos de fomento cultural, que superam esse montante. O dinheiro arrecadado desde 2018 para financiar a Cultura encontra-se parado em aplicações financeiras, enquanto o setor atravessa sua mais grave crise econômica. Atualmente, o desgoverno não tem nem sequer quem responda pela pasta da Cultura, assim como não tem ministro da Saúde. E daí?
Regina Duarte defende sua gestão na Cultura com ataques à esquerda
Regina Duarte já tenta fazer controle de danos de sua breve passagem pela Secretaria Especial da Cultura do desgoverno atual. Em artigo publicado nesta sexta-feira (22/5) no jornal O Estado de S. Paulo, ela se defendeu das críticas “à esquerda e à direita” que recebeu enquanto foi a secretária cultural de Bolsonaro, mas principalmente “à esquerda”. Dizendo-se consciente de que sua passagem pela Secretaria seria alvo de críticas, ela afirma que assumiu a missão com a convicção de que teria de “enfrentar interesses entrincheirados em ideologias cujo anacronismo não parece suficiente para sepultá-las”, mas mesmo assim lamenta “a ação coordenada de apedrejar uma pessoa que, há mais de meio século, vem se dedicando às artes e à dramaturgia brasileira”. No artigo, Regina diz ter sido “formuladora de diretrizes” na política cultural de Bolsonaro, sem detalhar suas realizações nos 77 dias em que esteve à frente da pasta. E sem trabalho para mostrar, o texto se revela apenas um roteiro para papel de vítima. Não da direita, que promoveu hashtag #ForaRegina, mas de colegas “de esquerda”. Os colegas que ficaram horrorizados com sua falta de sensibilidade às vítimas reais, da covid-19, e sua defesa da ditadura, com direito à marchinha patriótica, durante a entrevista fatídica para a CNN Brasil, em que tentou agradar terraplanistas para permanecer no cargo. “Amo meu país, sim, e tenho deixado isso sempre bem claro, a ponto de, numa recente entrevista à TV, ter cantado a conhecida marchinha dos anos 70, que fala de ‘todos ligados na mesma emoção’. Nada a ver com defesa da ditadura, como quiseram alguns, mas com o sonho de brasilidade e união que venho defendendo ao longo de toda a minha vida”, justificou a atriz. “E me desculpo se, na mesma ocasião, passei a impressão de que teria endossado a tortura, algo inominável e que jamais teria minha anuência, como sabem os que conhecem minha história. Dito isso, não será o veneno destilado nas redes sociais que me fará silenciar nem renegar amor à minha pátria”. Ela chega a lembrar da novela “Roque Santero”, de Dias Gomes, e seu famoso papel como a Viúva Porcina para dizer que enfrentou a censura nos primórdios da redemocratização – o que é meia-verdade. “Nos anos 80, na pele da Viúva Porcina e integrante do elenco da novela ‘Roque Santeiro’, enfrentei a censura nos primórdios da redemocratização. Fui aplaudida”, falou. “Duas décadas mais tarde, não me abstive de alertar a sociedade sobre a ameaça que representaria para o País um governo de matiz notoriamente socialista. Fui vaiada”. Na verdade-inteira, “Roque Santero” foi completamente censurada pela ditadura e proibida de ser produzida, mas em sua primeira versão, em 1975. Na ocasião, Betty Faria interpretaria a viúva “que foi sem nunca ter sido”. Regina até participou de movimento de repúdio à produção da obra, mas quando a novela foi liberada uma década depois, permitindo que ela vivesse Porcina, o Brasil já tinha um civil na presidência, José Sarney, e a infame Dona Solange, a burocrata que encarnou a censura no Brasil, já estava com a tesoura confiscada, de forma que Regina não enfrentou censura nenhuma para viver esse papel. Ao mesmo tempo, ela chama de “ameaça” “de matiz notoriamente socialista” um governo que, ao ser eleito, jamais ameaçou a democracia ou promoveu atos contra os poderes legislativo e judiciário, em defesa de um novo AI-5, como a administração da qual ela fez parte. Regina não enxerga essas diferenças. Pior: ela diz que chamar atenção para essas diferenças é ruim e sintomático de uma “infodemia” de esquerda. A citação a uma pandemia não vem com a lembrança, tão cobrada pelos artistas, às vítimas da covid-19, mas a uma “pandemia de informações tendenciosas em que conta o viés de quem as veicula e não o factual isento, não a verdade”. Trata-se, por óbvio, de uma visão ideológica do que é “verdade” – para bolsonaristas, ideológica é a “esquerda” e a verdade é “de direita”. Por fim, Regina Duarte acrescenta que o país precisa “de uma política cultural que transcenda ideologias”. Ou seja, que transcenda a esquerda. E finaliza: “Num país que tivesse nas comunicações uma elite pensante que não optasse pelo ‘quanto pior, melhor’, esse era o trabalho que deveria estar sob os holofotes da opinião pública – nunca a minha pessoa”. Vale lembrar, já que Regina esqueceu, que a elite que está nas comunicações lhe pagou salário por cinco décadas, e foi lembrada por ela, em seu próprio texto, via citação de novela, como produtora de arte que merecia ser defendida de um governo autoritário, na época em que estavam “todos ligados na mesma emoção”.
Bolsonaro nomeou Regina Duarte para cargo que não existe
Pegadinha do Mallandro? O cargo para o qual Jair Bolsonaro nomeou a ex-atriz e ex-secretária da Cultura Regina Duarte não existe. O presidente da República disse que ela iria presidir a Cinemateca Brasileira, responsável pela preservação e difusão do patrimônio audiovisual brasileiro. Mas a Cinemateca deixou de ser administrada diretamente pelo governo federal há quatro anos, quando teve sua gestão transferida para uma organização social, a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto). Desde então, o governo faz um repasse anual à Roquette Pinto para gerir o espaço. No ano passado, a previsão era de entrada de R$ 13 milhões, mas só R$ 7 milhões foram transferidos até dezembro. Neste ano, nada. A falta de recursos é um espelho do desgoverno na área da Cultura, administrada de forma deliberadamente incompetente, com demissões em série e cancelamentos de contratos, que visam manter a Secretaria Especial da Cultura desestruturada e paralisada. No Congresso, parlamentares já relataram dificuldades para transferir recursos de emendas para a Cinemateca por impedimento por parte do governo federal em empenhá-las. Enquanto isso, os arquivos da Cinemateca já sofreram com incêndio e inundação nos últimos meses. Muito material precioso já foi perdido. Para piorar, Bolsonaro odeia “ongistas”, a quem já culpou por incendiar a Amazônia e jogar petróleo no litoral brasileiro, sem provas ou razão. Administrada por uma ONG autônoma, a Cinemateca não está ao alcance da caneta nomeadora do presidente. No máximo, Regina poderia participar da coordenação-geral, um cargo de confiança, como representante da Secretaria do Audiovisual para supervisionar as ações do equipamento. Mas até a Secretaria do Audiovisual está desestruturada. Como se não bastasse, a Acerp está em briga declarada com o governo, após o ministro da Educação romper contrato com a associação, que era responsável pelos programas da TV Escola. Uma solução seria o governo “estatizar” a administração da Cinemateca, para desagradar seu desestatizante ministro da Economia. Só após promover o retorno da Cinemateca à administração federal é que o governo poderia alocar sua diretoria. O mais provável, porém, é Bolsonaro fazer o que tem feito com relação a todas as decisões urgentes que precisa tomar na pasta da Cultura: nada. Simplesmente deixar o tempo passar. Responsável por costurar a saída de Regina Duarte da Secretaria Especial da Cultura, a deputada Carla Zambelli, principal bolsonarista da Câmara, confessou na quarta (20/1) para a imprensa que a formalização da ida da atriz para a Cinemateca de São Paulo “ainda está pendente”. E, como se pode apostar, assim ficará por muito tempo. Segundo a própria deputada, a nomeação depende de questões burocráticas que não têm prazo para serem resolvidas. Um detalhe que veio à tona em meio a essa indefinição foi uma indefinição ainda maior na pasta da Cultura. Aparentemente, Regina Duarte foi saída sem realmente sair, deixando um vácuo em seu lugar, que não será preenchido enquanto o governo protelar a questão da Cinemateca. “A secretária [Regina] não saiu ainda [do cargo]. Ela vai fazer a transição”, disse Zambelli no Palácio do Planalto, apontando que ela continua como secretária da Cultura, sem ser mais a secretária de Cultura. Os detalhes do que seriam essa transição não foram esclarecidos nem pela parlamentar, nem pelo Planalto e nem pela atriz. Se não existisse de verdade, o governo Bolsonaro seria um pesadelo digno de Kafka – que não é comida árabe, ao contrário do que acredita o ministro da Educação.
Mario Frias já teria acertado substituir Regina Duarte na Secretaria de Cultura
O ator Mario Frias já teria sido convidado para assumir a Secretaria de Cultura, afirmaram aliados do presidente Jair Bolsonaro à vários veículos de imprensa. Ele vai substituir a atriz Regina Duarte, que foi exonerada nesta quarta (20/5), após cerca de dois meses no comando da pasta. Ainda não está definida a data em que o ex-ator será empossado. Sai a Viúva Porcina, de “Roque Santero”, e entra o Drácula, de “Os Mutantes”. Frias é uma ator de novelas de apenas 38 anos, cuja maior credencial para o cargo é ser bolsonarista. Revelado em “Malhação”, em 1998, ele também apareceu em “Senhora do Destino” e “Bela, a Feia”, e atualmente apresentava um game show na Redetv. Frias acompanhou a posse de Regina, mas foi rápido para sugerir seu próprio nome como sucessor da ex-atriz, durante o ápice da campanha #ForaRegina, promovida por terraplanistas das redes sociais. Ele se ofereceu para ocupar o cargo numa entrevista à CNN Brasil, há duas semanas. Na reta final da fritura da ex-atriz e agora ex-secretária, o ex-“Malhação” almoçou por dois dias consecutivos com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Na tarde desta quarta (20/5), segundo atualização da agenda oficial do presidente, voltaram a se encontrar, quando o presidente teria batido o martelo. Sem grande currículo, Mario Frias pode se dar ao luxo de se queimar com a classe artística, ao abraçar a política anti-cultural de Bolsonaro. Quinto secretário de Cultura em menos de um ano e meio desse desgoverno, se ele ficar mais tempo na pasta que os dois meses de Regina, se tornará um dos mais resistentes no cargo. O recorde de longevidade pertence a Henrique Pires, que se demitiu após oito meses, recusando-se a praticar censura para agradar ao presidente. Este ato dramático, entretanto, acabou eclipsado pelo sincericídio de Roberto Alvim, que nem Bolsonaro conseguiu segurar após estrelar um vídeo da pasta com discurso inegavelmente nazista.
Regina Duarte não é mais secretária de Cultura
Regina Duarte não é mais secretária especial da Cultura. Um dia depois de almoçar com um dos nomes cotados para assumir o cargo, o ex-“Malhação” Mário Frias, o presidente confirmou nesta quarta (20/5) o remanejamento da ex-atriz de 73 anos para a Cinemateca Brasileira, com sede em São Paulo. Bolsonaro afirmou nesta manhã que Regina estava com saudade da família e que a mudança seria para o “bem” dela, em respeito ao “passado” da atriz e “por tudo o que representa para todos nós”. Vale lembrar que ela encerrou um contrato de mais de 50 anos com a TV Globo, com salário muito maior e todas as garantias possíveis para seu futuro, para atender ao convite do presidente e virar secretária de Cultura. Mas não pode reclamar de falta de exemplos de traição, inclusive de amigos íntimos, cometidas por Bolsonaro no poder. Há poucos dias, Regina reclamou foi de “matérias tendenciosas, maldosas, fakes, venenosas” que apontavam sua fritura, em meio à campanha #ForaRegina nas redes sociais, incentivada pelo próprio Bolsonaro. Segundo fontes ouvidas pelo jornal Folha de S. Paulo, os dois estavam insatisfeitos um com o outro e se dedicaram a encontrar uma saída honrosa para a artista, que vinha sofrendo intervenção no cargo, sem poder nomear ninguém. A tal saída honrosa, o comando da Cinemateca, foi estabelecida em um café da manhã desta quarta, no Palácio da Alvorada. A solução encontrada reflete uma reclamação de Bolsonaro, que já havia dito publicamente que Regina não dava expediente em Brasília, ficando a maior parte do tempo em São Paulo, trabalhando pela internet, o que prejudicava a gestão da pasta. A ausência da atriz abriria espaço, de acordo com o presidente, a conflitos ideológicos dentro da secretaria. Conflitos ideológicos, na visão de Bolsonaro, não são os absurdos terraplanistas defendidos por seu mentor Olavo de Carvalho, mas a defesa de direitos humanos. “Tem muita gente de esquerda [na secretaria de Cultura] pregando ideologia de gênero, essas coisas todas que a sociedade, a massa da população não admite. E ela tem dificuldade nesse sentido”, afirmou ele em 28 de abril. A ex-atriz esperava ter carta branca — algo que lembrou, em sua posse, ter-lhe sido prometido pelo presidente — para poder nomear os subordinados. Mas nunca teve. Bolsonaro mandou exonerar quem ela contratou em duas ocasiões e ainda impediu um terceiro de assumir um cargo, ao mesmo tempo em que manteve quem ela queria destituir e ensaiou trazer de volta quem tinha sido demitido por ela. Em seu discurso por ocasião da demissão-transferência da ex-atriz e ex-secretária de Cultura, Bolsonaro foi condescendente, sugerindo ter dado uma migalha para ela não ficar tristinha. “Pode ter certeza de uma coisa, acho que você quer ajudar o Brasil e o que eu mais quero é o seu bem pelo pelo seu passado e por tudo o que representa para todos nós. Ir para Cinemateca do lado do apartamento, saber que você vai ser feliz e produzir muito mais. Fico feliz por isso. Mas chateado porque sai um pouco do convívio com a gente”, disse o presidente. Bolsonaro postou um vídeo no Twitter ao lado da ex-atriz para justificar a decisão. E ela seguiu firme no papel que escolheu para si mesma pelo resto de sua vida, definindo a mudança como um “presente”. “Acabo de ganhar um presente, que é o sonho de qualquer profissional de comunicação, de audiovisual, de cinema e de teatro, um convite para fazer a Cinemateca que é um braço da cultura em São Paulo. Ficar secretariando o governo na cultura dentro da Cinemateca. Pode ter presente maior do que isso?” A atuação de Regina Duarte como secretária foi digna do Framboesa de Ouro, a premiação dos piores do ano em Hollywood, tendo como auge da canastrice a entrevista desastrosa que deu à CNN Brasil, quando teve chilique, defendeu a ditadura e minimizou as mortes de artistas por coronavírus para não perder o cargo. Tanto que a classe artística chegou a criar um manifesto dizendo que “ela não nos representa”. Decididos a ignorá-la, artistas buscaram alianças com secretários municipais e estaduais da Cultura para se dirigir diretamente ao Congresso em busca de aprovação de leis e alternativas de sobrevivência para o setor, durante a crise do novo coronavírus, que Regina não foi capaz de formular. A queda da ex-atriz, pouco mais de dois meses após sua posse, também faz parte do método implantado por Bolsonaro para neutralizar a pasta da Cultura e congelar todo e qualquer fomento para o setor. Trata-se de uma repetição escancarada de situações, que revela a tática de mudar tudo, o tempo todo, para que nada aconteça e ninguém faça coisa alguma. O método das demissões em série, desorganização estrutural e sabotagem assumida implode organogramas e trava definições de comitês importantes, como o responsável pela gestão do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual). Essa desgovernança, que se aproveita da morosidade burocrática para transformar inoperância em modelo administrativo, explica porque nenhum dinheiro da Cultura foi liberado por Bolsonaro desde que assumiu a presidência. Além de não liberar, seu desgoverno se caracteriza por cortar incentivos e vetar leis que possam ajudar a classe artística, com o objetivo claro de sangrar o setor até matá-lo. Regina Duarte foi peão e cúmplice do maior ataque estatal já sofrido pela Cultura brasileira em todos os tempos. Seu sucessor deve apenas esquentar banco para o próximo, e assim sucessivamente, para que o pior presidente da História do Brasil avance em sua guerra cultural declarada, com o objetivo de sucatear o setor.











