Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho vencem Cannes com “O Agente Secreto”
Cinema brasileiro tem vitória dupla no festival com prêmios de Melhor Ator e Direção para "O Agente Secreto"
Lee Sun-kyun, ator de “Parasita”, é encontrado morto num carro em Seul
Lee Sun-kyun, ator do filme “Parasita”, foi encontrado morto num carro em Seul nesta quarta-feira (27/12). No filme vencedor do Oscar de 2020, ele interpretou Park Dong-ik, o pai da família rica em cuja casa luxuosa os “parasitas” da trama se empregam. Ele foi encontrado dentro de um veículo em um parque no distrito Seongbuk de Seul e, segundo a agência sul-coreana de notícias Yonhap, deixou um “bilhete que parece um testamento”. Investigação criminal O ator de 48 anos era investigado por suposto uso de maconha e outras drogas psicoativas. Ele teria consumido as drogas na residência de uma funcionária de um bar sofisticado no badalado bairro de Gangnam, em Seul. Em outubro, o ator alegou ter sido “enganado” pela funcionária e que não tinha conhecimento do caráter ilegal das substâncias. Ele também fez uma declaração sobre a investigação: “Peço sinceras desculpas por causar grande decepção a muitas pessoas por estar envolvido em um incidente tão desagradável. Eu sinto muito pela minha família, que está enfrentando uma dor tão difícil neste momento”. No fim de semana passado, Lee sofreu um longo interrogatório de 19 horas, que começou no sábado (23/12) e terminou no domingo (24/12). A Coreia do Sul tem leis drásticas contra o uso de drogas que permitem processar até os cidadãos do país que consomem drogas no exterior. Por conta disso, várias personalidades tem sido obrigadas a dar explicações à polícia. Além disso, a venda de maconha, que é liberada em alguns países, pode ser punida com pena de prisão perpétua. Carreira de sucesso internacional Lee estreou como ator na série de comédia “Lovers”, em 2001. Mas sua carreira foi deslanchar a partir de uma parceria com o premiado diretor Hong Sang-soo, com quem filmou “Noite e Dia” (2008), “O Filme de Oki” (2010), “Filha de Ninguém” (2013) e “Nossa Sunhi” (2013), todos exibidos em festivais internacionais, o que o tornou um ator conhecido em todo o mundo. Ele também participou de thrillers de ação populares, como o excelente “Um Dia Difícil” (2014), “Zona Desmilitarizada” (2018) e “Jo Pil-ho: O Despertar da Ira” (2019), antes de filmar sua obra mais famosa em 2020. Primeira produção sul-coreana a vencer o Oscar de Melhor Filme, “Parasita”, do diretor Bong Joon-ho, também conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Seu filme mais recente, “Sleep”, de Jason Yu, foi exibido fora de competição no Festival de Cannes deste ano, na mostra Semana da Crítica. No filme, em que interpreta um marido sonâmbulo que aterroriza a esposa, ele contracena com Jung Yu-mi, reprisando a parceria de “Nossa Sunhi” e “O Filme de Oki”. Além da carreira no cinema, Lee foi aclamado pela crítica por seu papel na série “My Mister”, de 2018, na qual interpretou um arquiteto que enfrenta turbulências pessoais ao descobrir que foi traído pela esposa. Mais recentemente, ele protagonizou a série sci-fi de suspense “Dr. Brain”, distribuída no Brasil pela Star+, e neste ano liderou o elenco de “Vingança: Dinheiro e Poder”. Entretanto, após o escândalo, começou a ser dispensado de novos projetos. Lee era casado com a atriz Jeon Hye-jin (de “O Trono” e “Alerta Vermelho”), com quem teve dois filhos. Atenção Se você está atravessando um momento difícil e precisa de ajuda, ligue para o CVV (Centro de Valorização a Vida), no número 188, e receba apoio emocional e prevenção do suicídio. A ligação é sigilosa e gratuita para todo o território nacional. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
Filmes sobre Dom Pedro I e Zé Arigó chegam aos cinemas
Os cinemas recebem 12 lançamentos nesta quinta (1/9), a maioria em circuito limitado. Em contraste com as últimas semanas, a maior estreia é nacional. “Predestinado”, sobre a vida do médium Zé Arigó, chega em mais de 650 salas, apostando no apelo religioso da trama. No passado, a cinebiografia de “Chico Xavier” e “Nosso Lar” provaram a força comercial do cinema espírita no país. Outro grande título brasileiro, “A Viagem de Pedro” aproveita a data do bicentenário da independência para se destacar na programação. Mas é uma obra contemporânea e revisionista, que questiona a figura heroica de D. Pedro I, apresentando-o como um homem tóxico, que queria ser ditador, apesar de se apresentar como libertador. Entre os títulos internacionais, os destaques são a fantasia extravagante “Era uma vez um Gênio”, de George Miller (o diretor de “Mad Max”), o romance “Um Lugar Bem Longe Daqui”, o drama culinário britânico “O Chef” e o relançamento de “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” com cenas inéditas. Confira abaixo todas as estreias com seus respectivos trailers. | A VIAGEM DE PEDRO | Cauã Reymond (“Alemão”) vive Dom Pedro I no drama histórico, que chega aos cinemas na véspera dos 200 anos da proclamação da Independência. Entretanto, o longa de Laís Bodanzky, diretora dos premiados “Bicho de Sete Cabeças” (2000) e “Como Nossos Pais” (2017), não é um filme para exaltar a data, como foi o marco dos 150 anos, “Independência ou Morte”. O drama de época acompanha o imperador brasileiro em sua viagem de exílio, após ser expulso do país que ele fundou. Destronado, depressivo e doente, ele busca encontrar forças durante a travessia do Atlântico para enfrentar seu irmão, que usurpou seu trono em Portugal, enquanto recorda seu período no Brasil, desde a chegada na colônia à proclamação da independência. O retrato não é heroico, muito pelo contrário, e serve de contraponto à celebração acrítica do bicentenário. O elenco ainda destaca a alemã Luise Heyer (da série “Dark”) como a imperatriz Leopoldina, a artista plástica Rita Wainer, que estreia como atriz no papel de Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, o irlandês Francis Magee (“Into the Badlands”), o guineense Welket Bungué (“Berlin Alexanderplatz”) e vários atores portugueses, com destaque para Luísa Cruz (“As Mil e uma Noites”), João Lagarto (“O Filme do Bruno Aleixo”) e Victória Guerra (“Variações”). | PREDESTINADO | O drama espírita conta a história de Zé Arigó, um homem comum que recebe o espírito de Dr. Fritz, médico alemão falecido durante a 1ª Guerra Mundial, e se torna um milagreiro. Criticado por céticos, ele teria salvo inúmeras vidas por intermédio da cirurgia espiritual. O primeiro filme dirigido por Gustavo Fernández (da novela “Pantanal”) traz Danton Mello (“Vai que dá Certo”) no papel principal, Juliana Paes (também de “Pantanal”) como sua esposa e o inglês James Falkner (“Da Vinci’s Demons”) como o espírito do Dr. Fritz. E chega aos cinemas com uma missão: recuperar a fé no espiritismo depois que o Brasil parou para acompanhar o escândalo do médium João de Deus, condenado por crimes sexuais contra mulheres que acreditavam em seu poder de cura. O biografado é exemplar neste sentido, já que sempre foi humilde. Perseguido, chegou a ser preso por curandeirismo, mas teve o trabalho documentado em filme por pesquisadores americanos, que não conseguiram contestá-lo. Como diz o filme, se tivesse nascido em outro país, Arigó seria motivo de estudo, não de rechaço. | ERA UMA VEZ UM GÊNIO | O filme que marca a volta do cineasta George Miller ao cinema, sete anos após deixar público e crítica impressionados com “Mad Max: Estrada da Fúria”, é inspirado pelas fábulas das Mil e uma Noites. A fantasia de visual arrebatador traz Idris Elba (“Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw”) como um gênio encantado – na verdade, um Djinn – , cuja “lâmpada” mágica vai parar nas mãos de uma viúva solitária (vivida por Tilda Swinton, de “Doutor Estranho”) após passar séculos perdida. Enquanto pondera seus três desejos, a mulher conhece a história do gênio e reflete sobre a velha moral da história: “cuidado com o que desejar”. O visual, especialmente durante as cenas de recriação do Oriente exuberante, é de encher os olhos, com muitos efeitos visuais, além de uma fotografia, cenografia e figurinos refinadíssimos. Mas a expectativa para a produção era maior que seus 72% de aprovação da crítica na medição do site Rotten Tomatoes. | UM LUGAR BEM LONGE DAQUI | Baseado no livro de mesmo nome de Delia Owens, o filme gira em torno de Kya, uma jovem que cresceu sozinha no brejo de uma cidadezinha e passou a ser tratada como se fosse um bicho. Só que é uma menina doce, que acaba atraindo o interesse de dois rapazes. Quando um deles aparece morto, ela passa a ser caçada pela polícia e precisa provar sua inocência diante de uma população que a odeia. O filme foi escrito por Lucy Alibar (indicada ao Oscar por “Indomável Sonhadora”), dirigido por Olivia Newman (“Minha Primeira Luta”), estrelado por Daisy Edgar-Jones (“Normal People”) e conta ainda com uma música exclusiva de Taylor Swift (“Carolina”) em sua trilha sonora. | HOMEM-ARANHA – SEM VOLTA PARA CASA: A VERSÃO AINDA MAIS DIVERTIDA | O blockbuster de maior bilheteria da pandemia (US$ 1,9 bilhão mundial) volta aos cinemas com 11 minutos de cenas inéditas, incluindo mais cenas de Tobey Maguire e Andrew Garfield. A trama abre o multiverso e infinitas possibilidades no MCU (Universo Cinematográfico da Marvel), além de transformar “fan service” em arte, representando o ápice do modelo cinematográfico da Marvel. Há muitas participações especiais – todas que os fãs pediram – e citações envolvendo 20 anos de cronologia do herói, desde o primeiríssimo “Homem-Aranha” de 2002. Há cenas de muita ação, comédia de rir à toa e tragédia para soluçar de choro. Não é à toa que foi considerado o melhor filme do Homem-Aranha já feito – há quem diga que seja o melhor filme do MCU. E de quebra ainda oferece uma conclusão para a primeira trilogia estrelada por Tom Holland e Zendaya, com direção de Jon Watts. Com tanto sucesso, nem precisavam anunciar, mas já está oficializado que este não é realmente o fim da história. | O CHEF | Elogiadíssima e realmente eletrizante, a produção britânica traz Stephen Graham (“Venom: Tempo de Carnificina”) como um chef que lida com as pressões da crítica e de funcionários, falta de ingredientes e visitas inesperadas numa noite caótica, tentando manter o controle de seu restaurante. Toda filmada em plano sequência pelo diretor Philip Barantini (“Villain”), ao estilo do filme de guerra “1917”, a obra foi indicada a quatro BAFTAs (o Oscar britânico) e tem 99% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes. | ENCONTROS | Se o filme é do diretor sul-coreano Hong Sang-Soo (“Certo Agora, Errado Antes”), ele tem uma viagem, conversas em torno de uma mesa, brindes de saquê, passeios na praia e prêmio de festival internacional. Esse arranjo minimalista está mais uma vez presente nas três histórias interconectadas por encontros e desencontros, que começam com a visita de Young-ho a seu pai, um médico. Este não o recebe, pois está atendendo a um ator famoso. Enquanto isso, a namorada do protagonista se muda para Berlim, onde se hospeda na casa de uma pintora. Por fim, o rapaz encontra sua mãe almoçando com o ator, paciente de seu pai. Levou o troféu de Melhor Roteiro no Festival de Berlim. | ENTRE ROSAS | A comédia dramática francesa acompanha uma criadora de rosas à beira da falência, que é salva por uma solução de sua fiel secretária: contratar três presidiários sem nenhum conhecimento de jardinagem, mas que trabalham por salários baixos. Completamente diferentes, eles se unem na missão de salvar a pequena fazenda. A veterana Catherine Frot (“Margueritte”) tem o papel principal. | A ÚLTIMA CHAMADA | O terror B acompanha a vingança de uma velhinha que teve seus últimos momentos de vida importunados pela brincadeira de mau gosto de três adolescentes. Após sua morte, o viúvo procura os jovens para informá-los que eles estão no testamento dela e podem ganhar US$ 100 mil cada apenas para fazer uma ligação – de dentro de sua casa para um telefone no caixão da morta. Mas ao ligarem para o número indicado, coisas estranhas e sanguinárias começam a acontecer. O elenco destaca Linn Shaye (a médium Elise da franquia “Sobrenatural”) como a falecida e Tobin Bell (o serial killer Jigsaw de “Jogos Mortais”) como seu marido. Medíocre, atingiu 44% de aprovação no Rotten Tomatoes. | PINOCCHIO – O MENINO DE MADEIRA | Esta versão irreconhecível da história de Carlo Colodi é uma animação russa de baixo orçamento e péssimo acabamento, que substitui o Grilo Falante por um cavalo falante. A história acompanha Pinóquio cavalgando para conhecer o mundo e fazer truques equestres num circo, onde se apaixona por uma trapezista. | SEGREDOS DE PUTUMAYO | O documentário de Aurélio Michiles (“O Cineasta da Selva”) resgata as investigações do ativista irlandês Roger Casement de mais de 100 anos atrás, quando o então Cônsul Britânico no Brasil denunciou a escravidão e assassinato de milhares de indígenas que eram forçados a trabalhar na coleta de borracha. O seu relatório sobre este assunto foi publicado pelo parlamento britânico e deu-lhe o reconhecimento internacional como humanista e o título de Cavaleiro (Sir) – que ele perdeu junto com a vida, ao ser condenado por se aliar aos alemães num complô pela independência da Irlanda na véspera da 1ª Guerra Mundial. | MARIA – NINGUÉM SABE QUEM SOU EU | O documentário de Maria Bethânia tem como base um depoimento exclusivo para o diretor e roteirista Carlos Jardim, entremeado por imagens raras de ensaios e shows da cantora ao longo de seus 57 anos de carreira. Completando a narrativa, a atriz Fernanda Montenegro recita textos de autores como Ferreira Gullar e Caio Fernando Abreu sobre a importância de Bethânia no cenário cultural brasileiro.
Festival de San Sebastián divulga seleção com novo filme de Florence Pugh
O Festival de San Sebastián divulgou a lista completa com os filmes selecionados para a sua 70ª edição, que vai acontecer entre os dias 16 e 24 de setembro. Entre os destaques estão “The Wonder”, dirigido pelo chileno Sebastián Lelio (“Uma Mulher Fantástica”) e estrelado por Florence Pugh (“Viúva Negra”), e “Top/Walk Up”, do cineasta coreano Hong Sang-soo (“A Mulher que Fugiu”). Produção da Netflix, “The Wonder” é uma adaptação do romance “O Milagre”, escrito por Emma Donoghue. A trama se passa na Irlanda, no ano de 1859, e acompanha uma enfermeira chamada para cuidar que uma criança que supostamente sobrevive há meses sem comer. Já “Top/Walk Up” conta a história de um cineasta de meia-idade que se reúne com a filha que ele não vê há anos. Os dois visitam um prédio com o intuito de alimentar o desejo da filha por design de interiores. Outros títulos de destaque são “Winter Boy”, dirigido pelo cineasta francês Christophe Honoré (“Conquistar, Amar e Viver Intensamente”), “Sparta”, novo trabalho do diretor austríaco Ulrich Seidl (“Paraíso: Esperança”), e “A Hundred Flowers”, que marca a estreia na direção do produtor japonês Genki Kawamura (responsável pelas animações “Seu Nome” e “O Tempo com Você”). A lista completa dos filmes selecionados pode ser conferida abaixo. O festival ainda vai prestar homenagens ao cineasta canadense David Cronenberg (“Crimes do Futuro”) e à atriz Juliette Binoche (série “A Escada”), na consagração do prestigioso Prêmio Donostia. Além da homenagem, Juliette Binoche também estampa o cartaz oficial da festival. FILMES EM COMPETIÇÃO “The Substitute”, de Diego Lerman “Great Yarmouth – Provisional Figures”, de Marco Martins “A Hundred Flowers”, de Genki Kawanura “Il Boemo”, de Pert Vaclav “Winter Boy”, de Christophe Honore “The Kings Of The World”, de Laura Mora “Pornomelancholia”, de Manuel Abramovich “Forever”, de Frelle Petersen “Runner”, de Marian Mathias “Sparta”, de Ulrich Seidl “The Wonder”, de Sebastian Lelio “Top/Walk Up”, de Hong Sango-Soo FORA DE COMPETIÇÃO “Tax Me If You Can”, de Yannick Kergoat
Drama iraniano filmado em segredo por preso político vence Festival de Berlim
O filme “There Is No Evil”, do iraniano Mohammad Rasoulof, venceu o Urso de Ouro do 70º Festival de Berlim, em uma edição de forte caráter político. O júri presidido pelo ator britânico Jeremy Irons concedeu o prêmio máximo à obra de Rasoulof, que alinha histórias protagonizadas por militares encarregados de executar condenados pelo estado. O longa foi filmado em segredo, porque o diretor é considerado preso político e está supostamente proibido de filmar. Rasoulof, inclusive, cumpre prisão domiciliar devido a seu longa anterior, “Lerd”, que denunciou a corrupção no Irã e foi premiado em Cannes em 2017. O governo iraniano considerou o filme um “perigo para a segurança nacional” e peça de “propaganda contra o regime islâmico”. Para piorar seu caso, ele é reincidente, pois também foi condenado por “Manuscritos não Queimam”, igualmente premiado em Cannes em 2013. Foi nesta ocasião que foi proibido de filmar por 20 anos. “There Is No Evil” já é seu segundo filme desde esta proibição. “Gostaria que ele estivesse aqui. Muito obrigado a toda esta equipe incrível que arriscou sua vida para estar no filme”, disse o produtor Farzad Pak ao receber o troféu, junto da filha do diretor, Baran Rasoulof, que também atuou no longa. Favorito da crítica presente no festival, “Never Rarely Sometimes Always”, da americana Eliza Hittman, que causou comoção ao defender o direito ao aborto, levou o Grande Prêmio do Júri, considerado o 2º lugar da premiação. O drama de duas adolescentes do interior da Pensilvânia que viajam a Nova York para terminar uma gravidez indesejada já havia sido premiado em Sundance, em janeiro, e ainda deve dar muito o que falar ao longo do ano. A onda sul-coreana que impulsionou “O Parasita” durante sua trajetória vitoriosa de Cannes ao Oscar continuou em Berlim na premiação de Hong Sang-soo como Melhor Diretor por “The Woman Who Ran”, sobre encontros de uma jovem casada com amigas do passado. O Urso de Prata de Melhor Atriz foi conquistado pela alemã Paula Beer, por “Undine”, de Christian Petzold, que vive uma guia de turismo de Berlim numa história de amor relacionada ao mito das sereias, enquanto a estatueta prateada de Melhor Ator ficou com o italiano Elio Germano por “Hidden Away” (Volevo Nascordermi), de Giorgio Diritti, no qual interpreta um pintor com problemas físicos e psicológicos. A Itália também levou o troféu de Melhor Roteiro, vencido pelos irmãos Damiano e Fabio D’Innocenzo por “Favolacce”, que eles também dirigiram. “Irradieted”, do cambojano Rithy Panhm, foi eleito o Melhor Documentário da seleção oficial. O único candidato brasileiro na mostra competitiva, “Todos os Mortos”, não recebeu nenhuma menção. O trabalho dos diretores Marco Dutra e Caetano Gotardo foi recebido com frieza pela crítica internacional. Confira abaixo a lista completa dos vencedores. Urso de Ouro – Melhor Filme “There Is No Evil”, de Mohammad Rasoulof – Irã Grande Prêmio do Júri “Never Rarely Sometimes Always”, de Eliza Hittman – EUA Melhor Direção Hong Sang-soo, por “The Woman Who Ran” – Coreia do Sul Melhor Atriz Paula Beer, por “Undine” – Alemanha Melhor Ator Elio Germano, por “Hidden Away” (Volevo Nascordermi) – Itália Melhor Roteiro “Favolacce”, de Damiano D’Innocenzo e Fabio D’Innocenzo – Itália Melhor Contribuição Artística Fotografia de “DAU. Natasha”, de Ilya Khrzhanovskiy e Jekaterina Oertel – Rússia Prêmio Especial da 70º Berlinale “Effacer l’Historique”, de Benoìt Delépine e Gustave Kervern – França Melhor Documentário “Irradiated”, de Rithy Panh – Camboja
O Dia Depois é tragicomédia estilizada à maneira de Hong Sang-soo
Pequena crônica do cotidiano, a comédia dramática sul-coreana “O Dia Depois” acompanha o editor literário Kim Bongwan (Kwon Hae-hyo, de “A Visitante Francesa”), um homem arrogante, covarde e mulherengo que se vê constantemente envolvido em situações tragicômicas. O longa inicia com Bongwan sendo questionado pela esposa se ele tem uma amante. Por mais que a mulher insista na pergunta, ele opta por não falar nada. A dúvida, porém, não dura muito tempo, já que a montagem não linear logo responde esse questionamento para o espectador ao mostrar o protagonista se agarrando com uma funcionária da sua editora. Mas o relacionamento extraconjugal parece não ter dado muito certo, porque em seguida ele é visto entrevistando uma nova funcionaria para a vaga da sua antiga amante. O filme é escrito e dirigido pelo dinâmico cineasta sul-coreano Hong Sang-soo (“Na Praia à Noite Sozinha”), que chega a lançar até duas produções por ano. Para manter esse ritmo, Sang-soo não perde muito tempo. Uma vez que estabeleceu os respectivos personagens, o diretor logo passa a explicitar os absurdos daquela situação de maneira leve e extremamente divertida. Contando com uma montagem precisa, ele retira tudo aquilo que poderia ser considerado desnecessário, mantendo apenas o cerne da sua narrativa intacto. Ou seja, ele não se preocupa em desenvolver o antes e o depois das situações, apenas o meio delas, aproveitando ao máximo os 92 minutos de duração. A passagem de tempo pode parecer confusa em alguns momentos, em parte por conta da fotografia em preto e branco. Porém, esse embaralhamento dos acontecimentos é proposital e instiga o público a montar as sequências temporais na sua cabeça. Desta forma, algumas cenas soam aleatórias quando são apresentadas, mas aos poucos passam a fazer sentido dentro da cronologia montada pelo espectador. Da mesma maneira, ao manter a câmera parada na maior parte do tempo e investir bastante em planos-conjunto (aqueles nos quais vemos duas pessoas em cena, ao mesmo tempo), o diretor explora a interação entre aquelas pessoas, o que o permite explicitar ainda mais a falta de escrúpulos do seu protagonista. E é justamente no personagem-principal que reside a maior força de “O Dia Depois”, pois Kwon Hae-hyo interpreta Bongwan com um misto de canalhice e ingenuidade. Incapaz de perceber os absurdos das suas ações, ou simplesmente optando por ignorá-los, ele se mantém inerte em relação a tudo o que se desenrola à sua volta, não assumindo responsabilidade por nada. E por pior que ele seja, o destino sempre parece conspirar a seu favor. Em suma, ele é um cafajeste. Mas é um cafajeste muito divertido.
Rampage opta pelo gigantismo para se destacar entre as estreias de cinema da semana
Maior estreia da semana, “Rampage – Destruição Total” chega em quase mil salas, apostando que a ocupação do espaço cinematográfico, overdose de marketing, monstros gigantes e a popularidade do astro Dwayne Johnson sejam capazes de transformar um lançamento genérico num blockbuster. Mas este não é um novo “Jumanji”. Apesar de baseado num jogo antigo de arcade, esta adaptação se leva a sério demais, com muitas explosões e expressões compenetradas, embora não passe, basicamente, de um amontoado de absurdos dignos da série “Zoo”, já cancelada. O filme é uma adaptação do velho game homônimo lançado em 1986, em que três criaturas gigantes (o macaco George, o lagarto Lizzy e o lobisomem Ralph) destruíam cidades e lutavam contra militares. E a trama não passa disso, com alguns vilões humanos para justificar “cientificamente” a transformação dos bichos em pseudo-Godzillas. A versão de cinema foi escrita pelos roteiristas Carlton Cuse e Ryan Condal (criadores da série “Colony”), marcando um reencontro entre Condal e Johnson após o fraco “Hércules” (2014). “Rampage”, por sinal, também é o terceiro filme do ator dirigido por Brad Peyton, que o comandou em “Terremoto: A Falha de San Andreas” (2015) e “Viagem 2: A Ilha Misteriosa” (2012). Todos muito bem-sucedidos nas bilheterias. E todos considerados medíocres pela crítica. Desta vez não é diferente, com apenas 49% de aprovação no Rotten Tomatoes. Os demais lançamentos chegam em circuito bem menor, após passarem por festivais internacionais. Clique nos títulos de cada filme para ver os trailers de todas as estreias. Novo filme de Roman Polanski A estreia mais convencional é “Baseado em Fatos Reais”, um thriller do veterano Roman Polanski. Trata-se da adaptação do livro homônimo de Delphine de Vigan, que venceu diversos prêmios literários em 2015, com roteiro de outro cineasta famoso, Olivier Assayas (“Personal Shopper”). Mas se essa combinação gera expectativa, ela logo se frustra ao entregar um amontoado de clichês do gênero, de “Mulher Solteira Procura” (1992) a “Louca Obsessão” (1990). Na trama, a esposa do diretor, Emmanuelle Seigner (“A Pele de Vênus”), vive o alter-ego de Delphine de Vigan, uma escritora que passa por um bloqueio criativo após o lançamento de seu último e bem-sucedido livro. O momento difícil é superado com a ajuda de uma nova e maravilhosa amiga, Elle, papel de Eva Green (“O Lar das Crianças Peculiares”). O problema é que a amiga, que trabalha como ghost writer, revela-se uma admiradora obsessiva que, em pouco tempo, tenta se intrometer no texto e até na vida íntima da escritora. Para não ficar no já visto, há uma pouco inesperada reviravolta. Cinema brasileiro premiado Em contraste, a frustração causada por “Aos Teus Olhos” é muito bem-vinda. A trama parece feita sob medida para estes tempos de acusações de abuso que geram movimentos e condenações nas redes sociais, combinando suspeita e drama sem conclusão fácil. A premissa é inspirada na peça espanhola “O Princípio de Arquimedes”, de Josep Maria Miró, mas o filme é brasileiro, escrito por Lucas Paraizo (de “Gabriel e a Montanha” e série “Sob Pressão”) e dirigido por Carolina Jabor (“Boa Sorte”). A trama gira em torno do personagem de Daniel de Oliveira (“Sangue Azul”), um professor de natação infantil acusado de abuso sexual pelos pais de um aluno. A acusação vem, como é praxe hoje em dia, pelas redes sociais. O post de uma mãe se torna viral e provoca um linchamento virtual imediato. A denúncia se espalha rapidamente na internet e até as pessoas mais próximas do protagonista, como a diretora da escola e um colega de trabalho, ficam em dúvida sobre suas ações e intenções. Esta história também aconteceu com o professor vivido por Mads Mikkelsen em “A Caça” (2012). A diferença é que o personagem brasileiro não é simpático e dá bandeira, embora isso apenas reforce o julgamento superficial das aparências. Exibido em diversos festivais nacionais e internacionais, “Aos Teus Olhos” venceu quatro troféus no Festival do Rio 2017: Melhor Ator (Daniel de Oliveira), Melhor Ator Coadjuvante (Marco Ricca, pai do menino supostamente abusado), Melhor Roteiro e Melhor Filme no Voto Popular. Também foi considerado o Melhor Filme brasileiro na Mostra de São Paulo. Logicamente, também é o melhor filme para ver neste fim de semana. Surpresas da América do Sul “Severina” também tem direção de brasileiro, Felipe Hirsch (de “Insolação”), mas é falado em espanhol e filmado no centro de Montevidéu, no Uruguai, onde o dono de uma livraria de poucos clientes se apaixona por uma musa fugidia, argentina como o escritor Jorge Luis Borges, que visita sua loja para roubar livros. Não há gênero mais convencional que a comédia romântica, portanto ver um filme anti-convencional partir das premissas desse gênero é digno de exaltação. Exibido no Festival de Locarno, é uma obra para amantes de literatura, cinema e também para os simplesmente amantes – de amar. Premiado em festivais latinos, “A Noiva do Deserto” marca a estreia de duas diretoras assistentes de sucessos argentinos, Cecilia Atán (assistente de “Táxi, um Encontro”) e Valeria Pivato (assistente de “Leonera”), no comando de um longa. A história, escrita pelas duas, gira em torno de uma mulher de 54 anos, que vê seu trabalho como doméstica em risco, conforme a crise econômica afeta a família que a emprega, deixando-a desnorteada e literalmente sem rumo. A história é bastante simples, mas se torna profunda com a interpretação formidável da chilena Paulina Garcia, que já tinha encantado no papel-título de “Gloria” (2013). Mestres orientais Completa a programação dois filmes de mestres orientais. “Antes que Tudo Desapareça” é uma sci-fi de Kiyoshi Kurosawa. O diretor japonês, que conquistou um séquito por seus terrores cultuados da virada do século – entre eles, “A Cura” (1997) e “Pulse” (2001) – , faz sua versão de “Invasores de Corpos” ao mostrar alienígenas que assumem identidades humanas para preparar uma invasão da Terra. Elementos de humor negro vem à tona em detalhes, como no que revela o segredo – uma mulher desconfia que seu marido se tornou gentil demais. Apesar da premissa conhecida, o resultado é esquisito o suficiente para ser puro Kurosawa. “O Dia Depois” também é puro Hong Sang-soo. É mais uma história de corações partidos do diretor sul-coreano, calcada na contemplação e na repetição, e marcada por algum detalhe estilístico – no caso, filmada em preto e branco, com edição fragmentada, para marcar passagens bruscas de tempo, e paralelos que visam destacar que o protagonista é um homem fadado a se repetir. No ano retrasado, Hong Sang-soo confessou em Cannes que só precisava de duas coisas para fazer um filme: atores e um restaurante/café/bar. Desta vez, é um confusão de identidades que dispara a indefectível discussão filosófica de bar-restaurante, típica do cinema de noodles e álcool de Sang-hoo. O evento acontece durante os primeiros dias de trabalho de uma funcionária recém-contratada numa pequena editora. O proprietário da empresa traía a mulher com outra funcionária. Por isso, sua esposa desconfiada aparece de surpresa e estapeia a nova funcionária, que não tem nada a ver com a história. É a deixa para o bar-restaurante, onde a conversa entre o patrão e a empregada se estende até o fim do filme.
Na Praia à Noite Sozinha traz a banalidade ousada do cinema de Hong Sang-soo
O cinema do sul coreano Hong Sang-soo é ousado, na medida em que ele se permite mostrar cenas e personagens em que, aparentemente, nada acontece e nem se pode dizer que conversem sobre questões profundas. Além disso, comem e, principalmente, bebem quase todo o tempo, em volta de mesas de conversa, que muitas vezes descambam para o descontrole, motivado certamente pelo consumo do álcool. No entanto, é um cinema original, cheio de vida e de verdade, de pessoas e situações banais, mas autênticas. Por que mostrá-las, se não são heróis, figuras extraordinárias, grandes pensadores, filósofos, ou gente revolucionária que, com sua ação, mudam o mundo? Ou, ainda, que sejam capazes de descobrir o sentido da vida? Porque a vida é feita assim, de momentos felizes, rotineiros, agradáveis ou incômodos. A atriz Younghee, personagem de “Na Praia à Noite Sozinha”, é bem sucedida no seu trabalho, mas ainda não se encontrou, não sabe direito quem é, o que quer, onde seria bom morar, se vale a pena investir numa relação amorosa, da qual ela duvida, e muitas vezes não tem paciência nos relacionamentos que mantém com amigos e parentes. Vive uma questão existencial, que esbarra nas pequenas coisas do cotidiano e na falta de um projeto de vida que a impulsione para algum lugar. Enfrenta, portanto, os aborrecimentos decorrentes dessa condição, as tentativas um tanto toscas de resolver suas pendências, o incômodo tanto da solidão como do convívio social, que não constroem nada de muito concreto. O filme se torna, assim, melancólico, como sua protagonista, interpretada por Kim Min-hee em seu segundo trabalho com o diretor – após “Certo Agora, Errado Antes” (2015). Pelo desempenho, ela venceu o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim deste ano. Hong Sang-soo mantém o clima leve das cenas que vimos em outros belos trabalhos dele, como “HaHaHa” (2010), “A Filha de Ninguém” (2013), e o mencionado “Certo Agora, Errado Antes”, mas a insatisfação pesa mais aqui. Pode haver lances patéticos, mas a perda de rumo não chega a ser uma coisa divertida. A falta de um horizonte acaba se transformando em angústia, deixando no ar decisões importantes que, na verdade, não podem ser tomadas. Tudo isso se deduz a partir de cenas e sequências que apenas mostram pequenos incômodos ou problemas, ao lado de uma dificuldade atávica para lidar com eles. Ou de lhes dar a importância que, de fato, eles têm. Na base de tudo, a necessidade e a falta do amor. E também uma certa incapacidade de buscá-lo, de lutar por ele.
Mostra Indie 2017 traz retrospectiva de Philippe Garrel, clássicos e filmes premiados nos grandes festivais
A mostra Indie completa 17 anos de poucas concessões, trazendo alguns dos cineastas mais obscuros e as produções mais autorais do cinema contemporâneo ao Brasil. Em 2017, o evento “começa ao contrário”, por São Paulo, estendendo-se por um semana a partir de quarta (13/9), antes de ser retomado em Belo Horizonte, seu lar original, na terça (20/9). Entre os 43 filmes, selecionados de 15 países, 22 pertencem a uma retrospectiva do diretor francês Philippe Garrel, mais conhecido das novas gerações como o pai do galã Louis Garrel. O próprio cineasta selecionou os títulos e decidiu quais seriam exibidos em cópias de 35mm e quais teriam exibição digital. Nove filmes fazem parte do começo experimental de sua carreira – obviamente – , incluindo o curta “Actua I” (1968), um registro raro de maio 1968, cuja cópia era considerada perdida até pouco tempo. Mas a maior curiosidade é “La Cicatrice Intérieure” (1972, foto acima), estrelado pela modelo, atriz e cantora Nico, da banda Velvet Underground. A tradicional Mostra Mundial traz 16 filmes anti-comerciais, dentre eles seis dirigidos por mulheres. Os destaques são para “Na Praia à Noite Sozinha”, do sul-coreano Hong Sang-Soo, que vendeu o prêmio de Melhor Atriz (Kim Minhee) no Festival de Berlim deste ano, e “Jovem Mulher”, da francesa Léonor Serraille, premiado com a Câmera de Ouro (melhor primeiro filme) no Festival de Cannes 2017. O festival também tem uma seção chamada Clássica, que apresentar clássicos restaurados. Este ano, terão projeção em 4K duas obras-primas que estão completando 50 anos: “A Bela da Tarde” (1967), de Luis Buñuel, e “A Primeira Noite de Um Homem” (1967), de Mike Nichols. A lista também inclui “Stromboli” (1950), de Roberto Rossellini, “Acossado” (1960), de Jean Luc-Godard, e o contemporâneo “Mulholland Drive – Cidade dos Sonhos” (2001), de David Lynch. Para saber mais sobre a programação do evento, cinemas e horários, visite o site oficial.
Hong Sang-soo transforma sua repetição em arte no Festival de Cannes
O diretor Hong Sang-soo é um raro cineasta asiático que costuma ter todos os seus filmes distribuídos no Brasil. O mais estranho nesta constatação é que suas obras não são sucessos de público. Mas isso não o impede de filmar sem parar, geralmente sobre as mesmas coisas. Repetição. Só este ano, já são três longas, todos sobre situações banais, que servem de ponto de partida para experiências sobre como relativizar uma narrativa cinematográfica. Esta banalidade disfarçada em estilo tem rendido prêmios em inúmeros festivais e convertido cinéfilos ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, entedia os não iniciados. Em competição no Festival de Cannes, “The Day After” não vai mudar opiniões sobre seu cinema. É mais uma história de corações partidos do diretor sul-coreano, calcada na contemplação e na repetição. E feita com estilo: filmada em preto e branco, com edição fragmentada, para marcar passagens bruscas de tempo, e paralelos que visam destacar que o protagonista é um homem fadado a se repetir. Desta vez, é um confusão de identidades que dispara a indefectível discussão filosófica de bar-restaurante, típica do cinema de noodles e álcool de Sang-hoo. O evento acontece durante os primeiros dias de trabalho de uma funcionária recém-contratada numa pequena editora. O proprietário da empresa traía a mulher com outra funcionária. Por isso, sua esposa desconfiada aparece de surpresa e estapeia a nova funcionária, que não tem nada a ver com a história. É a deixa para o bar-restaurante, onde a conversa se estende até o fim do filme. No ano passado, Hong Sang-soo confessou em Cannes que só precisava de duas coisas para fazer um filme: atores e um restaurante/café/bar. “São duas coisas muito físicas, um cenário e uma pessoa, e a partir daí trata de se abrir, de progredir para além da presença física”, descreveu. Neste ano, ele voltou a comparar atores com cenários, mas lhes concedeu também a capacidade de criar “clima”, via conversas espontâneas estimuladas por álcool e intimidade. Para conseguir esse clima, ele prefere trabalhar sempre com os mesmos atores, que já estão à vontade com seu método. “Os atores têm um papel fundamental em um filme; eles são como o cenário ou o clima de uma determinada história. Como meus trabalhos envolvem muito improviso em relação ao roteiro, acho importante trabalhar com quem já conheço e posso contar”, explicou. A bela Kim Min-hee, destaque de “A Criada” (2016), de Park Chan-wook, é uma das atrizes que se repetem sua filmografia há mais de 20 anos. Ela participou do primeiro filme do diretor, “O Dia em que o Porco Caiu no Poço” (1996), e está nos três filmes que Sang-soo lançou em 2017. O primeiro da safra, “On the Beach at Night Alone”, rendeu a Min-hee o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim. E, além de viver a nova funcionária de “The Day After”, ela também está em “Claire’s Camera”, outro filme do diretor no Festival de Cannes, exibido fora de competição. Questionado sobre sua obsessão pela repetição, ele filosofou. “Tenho desejo de entender, sair da confusão que me rodeia, o que não quer dizer que saiba analisar essa confusão de onde quero sair. O fato é que não sei nada de nada. Não sei qual a verdade absoluta. A única questão que me importa é: como posso viver melhor? O que posso fazer, apenas, é concentrar-me numa coisa pequena em profundidade e esperar que a partir daí isso se expanda”.
Festival do Rio anuncia programação internacional com vencedores de Cannes e Veneza
O Festival do Rio anunciou na manhã desta sexta-feira (23/9) a sua programação internacional. São cerca de 250 filmes de mais de 60 países, que serão exibidos em diversas mostras entre os dias 6 e 16 de outubro. Entre os destaques estão os vencedores dos festivais de Cannes e Veneza deste ano, respectivamente “Eu, Daniel Blake”, do inglês Ken Loach, que levou a Palma de Ouro, e “A Mulher que se Foi”, do filipino Lav Diaz, detentor do Leão de Ouro. Além destes, a programação inclui três outros filmes premiados em Cannes: “Toni Erdmann”, da alemã Maren Ade, que venceu prêmio da crítica e é um dos mais cotados para o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, “É Apenas o Fim do Mundo”, do canadense Xavier Dolan, que levou o Grande Prêmio do Juri, e “Personal Shopper”, estrelado por Kristen Stewart, que rendeu o troféu de Melhor Direção ao francês Olivier Assayas. Já a lista do Festival de Veneza inclui os dois filmes que dividiram o Leão de Prata de Melhor Direção: “La Región Salvaje”, do mexicano Amat Escalante, e “Paradise”, do russo Andrei Konchalovsky. Há ainda novos trabalhos de Terrence Malick (“Voyage of Time”), Wim Wenders (“Os Belos Dias de Aranjuez”), André Téchiné (“Being 17”), Bruno Dumont (“Mistério na Costa Chanel”), Jeff Nichols (“Loving”), Bertrand Bonello (“Sarah Winchester, Ópera Fantasma e Nocturama”), Hong Sang-soo (“Você e os Seus”), Werner Herzog (“Eis os Delírios do Mundo Conectado”), Jim Jarmusch (“Gimme Danger”), Ira Sachs (“Melhores Amigos”), Andrzej Zulawski (“Cosmos”), Sergei Loznitsa (“Austerlitz”), Johnnie To (“Three”), Kelly Reichardt (“Certain Women”), Todd Solondz (“Wiener-Dog”), Terence Davies (“A Canção do Pôr do Sol”) e Kevin Smith (“Yoga Hosers”). Entre os nacionais, a maior curiosidade fica por conta de “Pequeno Segredo”, de David Schurmann, que tentará vaga no Oscar 2017, e “Elis”, de Hugo Prata, ambos exibidos fora de competição. Já a mostra competitiva terá novos filmes de Eliane Caffé, Andrucha Waddington e José Luiz Villamarim. Clique aqui para ver a lista completa dos filmes brasileiros selecionados para o festival.
Certo Agora, Errado Antes busca se diferenciar pela repetição
Hong Sang-soo, o diretor sul-coreano de “Certo Agora, Errado Antes”, já teve alguns filmes exibidos no circuito comercial dos cinemas por aqui: “Ha Ha Ha” (2010), “A Visitante Francesa” (2012) e “Filha de Ninguém” (2013). É um cineasta que trabalha com a sutileza, com a inibição e com as demais dificuldades que se dão nos contatos humanos, com o uso do álcool e dos ambientes de bares e restaurantes, onde coisas acontecem, às vezes de forma abrupta ou inesperada. E também com a repetição de situações, ou com as diferentes visões de determinados acontecimentos. “Certo Agora, Errado Antes” também pode inverter a chamada para “Certo Antes, Errado Agora”. É uma situação que se repete de forma diferente, em alguns aspectos, mostrando que as ações de cada um, por pequenas que sejam, podem transformar significativamente as relações que se estabelecem e o que resta na lembrança e na vida de cada um dos envolvidos. A trama é simples. Um diretor de cinema se dirige para a cidade de Suwon, onde seu novo filme será exibido e haverá um debate após a projeção. Mas ele chega, por engano, um dia antes e fica sem nada para fazer. O que ocorre nesse dia livre é que ele conhecerá uma ex-modelo, que se dedica agora à pintura, e se estabelecerá uma intimidade entre eles, ao longo de todo esse dia em que convivem e se encontram também com pessoas da cidade, que conhecem a pintora. O repertório dos dois protagonistas para estabelecerem esse relacionamento é um tanto pobre, inibido, bloqueado. Ao mesmo tempo, expressam um afeto genuíno um pelo outro, ainda que contido e até envergonhado. O encontro dura metade do filme. A outra metade é uma reprise da mesma situação, com algumas diferenças. Acompanhar esse jogo relacional em duas versões é bastante curioso e nos leva a repensar as formas como os relacionamentos podem se estabelecer e o que pode comprometê-los desde o início. Mas é preciso aceitar a repetição de cenas, porque, em cada uma das versões, grande parte das coisas simplesmente se repetem sem mudanças. O longa tem um clima delicado e suave, como de costume, no trabalho de Hong Sang-soo. E os conflitos não tomam a forma de grandes dramas. Apesar de conter situações intensas e inesperadas, tudo se passa num tom menor, ainda que a bebida jogue como fator desestabilizador. Um filme que se foca no ritmo da vida pacata de uma pequena cidade, sem pressa, mostrando por meio de planos-sequência filmados com sutileza e uma bela fotografia como as relações humanas se dão. Os protagonistas Jeong Jae-yeong (“Nossa Sunhi”) e Kim Min-Hee (“Assassino Profissional”) encontraram o tom certo e minimalista de expressão, para viver essa relação amorosa fugaz.











