Pelo segundo ano consecutivo, Ancine não apoia candidato brasileiro ao Oscar
A Ancine, que supostamente teria mais de R$ 2 bilhões em caixa do FSA, o fundo do setor audiovisual brasileiro, não está dando nenhum apoio financeiro para a campanha do filme brasileiro “Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou”, de Barbara Paz, na disputa por uma vaga no Oscar 2021. O comando da agência, no governo Bolsonaro, tem ignorado sistematicamente o Programa de Apoio Financeiro aos filmes brasileiros de longa-metragem indicados ao Oscar, a Portaria nº 280 instituída em 2008 para ajudar os candidatos a conquistar uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional. O boicote começou com “A Vida Invisível”, da Karim Aïnouz, no Oscar 2020. O governo brasileiro autorizou apenas o apoio institucional da campanha brasileira. Isto é, a inclusão da marca do governo federal no filme. Isto porque “A Vida Invisível” foi parcialmente financiado com recursos oriundos da Lei do Audiovisual. Como comparação, em 2018, durante o governo Temer, o longa escolhido para representar o país na disputa, “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, recebeu cerca de R$ 200 mil do antigo Ministério da Cultura para sua divulgação em Hollywood. O corte de verbas ainda se estende a outros programas similares, como o Apoio à Participação Brasileira em Festivais, Laboratórios e Workshops Internacionais. A página oficial da Ancine destinada a este apoio não é atualizada desde 2019 e os links para novas candidaturas não funcionam mais. No ano passado, o Brasil teve participação recorde de filmes no Festival de Berlim. Motivo de orgulho em outros governos, a situação foi ignorada pelo atual desgoverno. Nenhum dos filmes recebeu apoio para representar o país no evento. Sob o pretexto de não ter dinheiro, apesar dos supostos R$ 2 bilhões em caixa do FSA para isso, a Ancine realmente suspendeu os programas de apoio internacional em 2019, seguindo a política de desmonte cultural determinada por Bolsonaro. Além da Ancine, os filmes brasileiros também contavam com financiamento do Cinema do Brasil, um programa de exportação e fomento implementado em parceria pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP) e pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), ligada ao Ministério das Relações Exteriores. O apoio chegava a US$ 15 mil por produção até que, também em 2019, a então diretora de Negócios da Apex, Letícia Catelani, filiada ao PSL, interrompeu a distribuição dos recursos. Diante da situação, Barbara Paz está tendo que recorrer a um crowdfunding para conseguir dinheiro para a campanha de seu filme, em busca de uma vaga no Oscar 2021. A campanha está no site Benfeitoria (https://benfeitoria.com/babenco). Enquanto os governos dos países mais desenvolvidos do mundo transformam a produção cultural numa de suas maiores fontes de influência (o soft power) e enriquecimento financeiro, o atual desgoverno do Brasil segue firme rumo ao empobrecimento em todos os sentidos.
Ancine culpa burocracia por falta de dinheiro
A Justiça Federal negou o pedido do Ministério Publico Federal (MPF) para que a Ancine fosse obrigada a concluir todos os processos administrativos referentes aos editais dos anos de 2016, 2017 e 2018 em até 90 dias. Segundo uma ação movida contra a agência pelo procurador Sérgio Suiama, 782 projetos que foram lançados com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) estão parados. O inquérito do MPF foi aberto em julho de 2020, após a exoneração do coordenador de gestão de negócios da Ancine, supostamente por ele ter se negado a cumprir ordem de paralisação de processos financiados com recursos do FSA. O servidor e outras seis testemunhos foram ouvidas e confirmaram a ordem. Na ocasião, o MPF apurou que existia uma orientação para que apenas projetos com liminares judiciais pudessem tramitar. Mas o juiz Vigdor Teitel, da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro, aceitou explicação da Ancine de a culpa é da burocracia e não da má vontade. Segundo a Ancine, há um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sendo elaborado e que há trâmites ainda a serem cumpridos. Apesar dessa decisão, já há, na Justiça Federal do Rio, ao menos 194 mandados de segurança impetrados contra a Ancine, em razão da demora na análise de projetos audiovisuais. Ao todo, apenas 24 projetos foram encaminhados em 2020. Mas vale ressaltar que são projetos que tiveram edital aprovado até 2018. Nenhum edital foi lançado relativo aos anos de 2019 e 2020, quando a arrecadação das taxas que financiam o FSA – Condecine e Fistel – continuaram a ser cobradas normalmente. O juiz da 11ª Vara Federal do Rio pediu que o procurador que abriu processo contra os dirigentes da Ancine por improbidade administrativa forneça mais informações sobre o caso no prazo de 15 dias. Não faltam informações. Usando a burocracia como desculpa, a Ancine represou toda a arrecadação do FSA, sem cumprir várias determinações, e ainda se aproveitou do inevitável colapso da produção cinematográfica brasileira que isso tende a causar para encaminhar uma proposta visando eliminar a exigência de cotas para a exibição de filmes e séries nacionais em 2021. Não haveria produção nacional suficiente, porque não houve liberação de verbas para que isso acontecesse, de modo que, na avaliação dos responsáveis pelo represamento, as cotas não poderiam ser cumpridas. Trata-se de um exemplo perfeito de como politizar a burocracia em nome de um projeto ideológico de destruição cultural. Vale lembrar que o então ministro Osmar Terra assumiu explicitamente os planos do governo Bolsonaro para acabar com as cotas num discurso de agosto de 2019. Como a Ancine tem represado a liberação de verbas sem sofrer pressão judicial, o mesmo problema começou também a ser constatado em relação à aprovação de projetos pela Lei de Incentivo Fiscal, a antiga Lei Rouanet. Segundo informou o jornal folha de S. Paulo na quinta (17/12), há mais de 200 projetos incentivados parados no gabinete do secretário André Porciúncula, só à espera de sua assinatura para que possam receber as verbas acertadas com a iniciativa privada e serem executados. Mas o prazo está se esgotando – vai até 30 de dezembro.
MPF processa diretores da Ancine por improbidade administrativa
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação de improbidade administrativa nesta sexta (18/12) contra os diretores e o procurador-chefe da Agência Nacional de Cinema (Ancine) pela paralisação de 782 projetos audiovisuais, referentes a editais dos anos de 2016, 2017 e 2018, lançados com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Na ação, o MPF pede a concessão de tutela de urgência para determinar que a Ancine conclua a análise de todos os processos no prazo de 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. A ação acusa os diretores Alex Braga Muniz, Vinícius Clay Araújo Gomes e Edilásio Santana Barra Júnior, e o procurador-chefe da Ancine, Fabrício Duarte Tanure, de ordenarem a interrupção do andamento de projetos audiovisuais, omitirem dados que comprovam a paralisia dos processos e recusarem-se a formalizar um acordo com o MPF para regularizar o passivo da agência. O inquérito do MPF foi aberto em julho de 2020, após a exoneração do coordenador de gestão de negócios da Ancine, supostamente por ele ter se negado a cumprir ordem de paralisação de processos financiados com recursos do FSA. O servidor e outras seis testemunhos foram ouvidas e confirmaram a ordem. Na ocasião, o MPF apurou que existia uma orientação para que apenas projetos com liminares judiciais pudessem tramitar. De acordo com o jornal O Globo, já há, na Justiça Federal do Rio, ao menos 194 mandados de segurança impetrados contra a Ancine, em razão da demora na análise de projetos audiovisuais. Ao todo, apenas 24 projetos foram encaminhados em 2020. Outros 782 aguardam conclusão. Mas isso são projetos até 2018. Nenhum edital foi lançado relativo aos anos de 2019 e 2020, quando a arrecadação das taxas que financiam o FSA – Condecine e Fistel – continuaram a ser cobradas normalmente. Em dezembro de 2019, praticamente um ano após o período habitual das gestões anteriores, a Ancine correu para realizar a primeira reunião do comitê gestor do FSA do governo Bolsonaro. Na ocasião, foi revelado que havia R$ 703,7 milhões disponíveis no fundo para investir em novas produções e ficou acertado que uma próxima reunião definiria o Plano Anual de Investimentos (PAI), com as diretrizes para o destino deste montante. Mas 2020 começou e o comitê gestor esqueceu o que prometeu. Voltou a se reunir poucas vezes ao longo do ano, sem mencionar encaminhando algum para editais de financiamento. A última ata de reunião disponível no site da Ancine é de agosto passado. Faltando menos de duas semanas para o fim do ano, o dinheiro de 2019 continua parado, e nem sequer foi feita reunião sobre os valores do FSA de 2020. Como estes valores foram arrecadados em 2019, especula-se que existam mais R$ 1,5 bilhão não encaminhados no fundo, além dos R$ 703,7 revelados e não usados desde o ano passado. Apesar disso, num relatório de junho passado, a Ancine afirmou que o valor do FSA estava negativo. Não foram revelados maiores detalhes, nem o Tribunal de Contas da União (TCU) se interessou em se aprofundar na questão. De acordo com a legislação, o financiamento de projetos audiovisuais no Brasil, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual ou de incentivos fiscais, depende da prévia análise dos projetos por parte da Ancine. “Sem a aprovação da Agência, os recursos não são liberados, e todo o setor audiovisual no Brasil, por maior ou menor que seja a produção, fica prejudicado”, afirma o procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, responsável pela atual ação. Em vez de liberar o FSA, que é verba incentivada, muitas vezes à fundo perdido, a Ancine decidiu inovar e propor neste ano empréstimos aos produtores interessados em fazer filmes, a juros “camaradas”. Esta função bancária, que não consta das atividades originais da agência, foi oferecida como alternativa à falta de investimento público que a própria Ancine tem represado. Por conta do protelamento da Ancine, existe um risco real de que as cotas de programação nacionais não possam ser cumpridas pelos programadores de cinema e TV em 2021. Infelizmente, isto integra outra linha de ataque à produção cultural brasileira da parte do governo, que, desde um discurso do então ministro Osmar Terra, em agosto de 2019, assume planos para acabar com as cotas que ajudam a impulsionar o conteúdo nacional. Vale reparar que o mesmo problema constatado na Ancine também está sendo observado em relação à liberação de projetos pela Lei de Incentivo Fiscal, a antiga Lei Rouanet. Segundo informou o jornal folha de S. Paulo na quinta (17/12), há mais de 200 projetos incentivados parados no gabinete do secretário André Porciúncula, só à espera de sua assinatura para que possam receber as verbas acertadas com a iniciativa privada e serem executados. Mas o prazo está se esgotando – vai até 30 de dezembro. A protelação é, de fato, a marca de um desgoverno como nunca se viu no Brasil, que destrói o país, gera desemprego e quebra setores econômicos com o auxílio de um burocracia que, de uma hora para outra, resolveu deixar de funcionar. Nada disso é surpresa. O próprio Jair Bolsonaro já deixou claro que não quer ver dinheiro gasto com o Cultura, muito menos com o cinema brasileiro, porque, segundo ele, a indústria cinematográfica nacional “não faz um bom filme” há tempos. Curiosamente outro presidente, Barack Obama, dos EUA, escolheu nesta sexta (18/12) o filme brasileiro “Bacurau” como um de seus favoritos de 2020.
Ministério Público questiona Ancine sobre destino dos milhões do audiovisual
O Ministério Público Federal questionou, num ofício datado de 13 de outubro, porque a Agência Nacional do Cinema (Ancine) aprovou apenas um projeto para obter recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) num período de dez meses. O procurador Sergio Suiama deu 15 dias de prazo para a agência responder esta e outras demandas, e este prazo acaba na próxima quarta (28/10). No ofício, obtido pela reportagem do jornal O Globo, o MP pede explicações à agência e a seu diretor-presidente, Alex Braga, sobre a razão de não terem sido deliberados projetos destinados ao FSA entre agosto de 2019 e maio de 2020. “No período de onze meses entre julho de 2019 e maio de 2020, consta que nenhum projeto passou pela fase de elaboração de alíquotas de retorno financeiro, o que levou a um significativo déficit. Desse modo, requisito a V.S.a. que esclareça a paralisação da elaboração de alíquotas no mencionado intervalo, bem como quantos projetos aguardam a elaboração de relatório de adimplência pela ANCINE dentre os enviados ao BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, responsável pelo pagamento dos contratos) para contratação”. O documento também compara o número atual com o de projetos contratados nos governos anteriores: “Considerando que, no ano de 2018, a média de projetos contratados destinados aos recursos do FSA era de 25 (vinte e cinco) ao mês, valor que se iguala ao montante total dos últimos 14 (catorze) meses, requisito a V.S.a. que especifique as razões para a drástica queda na média em 2019 e 2020”. O ofício também solicita que a agência “apresente as metas e estimativas de conclusão de projetos (contratação pelo BRDE e publicação em Diário Oficial), contemplando tanto os projetos já acumulados ao longo do período analisado, quanto os novos que forem submetidos à apreciação desta autarquia”. Vale observar: o FSA não está paralisado há dez meses, mas há um ano e dez meses, desde que Bolsonaro se tornou presidente. A Pipoca Moderna alerta para este fato desde agosto do ano passado, quando o então ministro da Cidadania Osmar Terra suspendeu um edital de filmes LGBTQIA+ denunciado pelo presidente usando como justificativa a necessidade de recomposição dos membros do Comitê Gestor do FSA. Para as verbas serem liberadas, é preciso formar um Comitê Gestor, e o governo Bolsonaro só tomou essa iniciativa em dezembro do ano passado. Na ocasião, o comitê comunicou a existência de um montante de R$ 703,7 milhões, relativo à taxas de Condecine e Fistel cobradas do setor audiovisual em 2018, que estaria disponível para produções de filmes, séries e games nacionais em 2019. Este valor, porém, nunca foi utilizado. Desde então, as poucas reuniões realizadas pelo comitê discutiram empréstimos bancários e outras pautas, menos a liberação do FSA – a razão de existência do chamado Comitê Gestor do FSA. O fato mais preocupante é que, em junho passado, a Ancine sugeriu num comunicado contábil bastante vago – e sem dar maiores explicações – que o dinheiro do FSA teria sumido. Até a eleição de Bolsonaro, o governo federal costumava liberar o FSA no começo de cada ano. Assim sendo, já são dois anos completos de verbas do FSA que o desgoverno atual não libera – algo em torno de R$ 1,5 bilhão. Este dinheiro já foi arrecadado, via taxas. Apenas não foi disponibilizado onde deveria, para cumprir o objetivo legal de sua arrecadação. O MP está puxando um fio que pode conduzir a uma bomba.
Ancine completa um ano sem presidente sob Bolsonaro
A Ancine (Agência Nacional de Cinema) completou um ano sem presidente no domingo passado (30/9). A entidade ficou sem presidente após Jair Bolsonaro afastar Christian de Castro no final de agosto de 2019, atendendo a uma decisão judicial. O MPF (Ministério Público Federal) acusou Castro de ter prestado declaração falsa a respeito de vínculos societários à Ancine e à Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Ele e um sócio são acusados de terem atuado em favor de empresas nas quais tinham participação. A Justiça Federal no Rio de Janeiro aceitou a denúncia e o tornou réu. Desde então, a agência é presidia de forma interina por Alex Braga. No entanto, passado este tempo, o desgoverno não cogitou efetivar Braga no cargo nem indicar outro nome. Esta não é a única posição vaga na Ancine ou nas várias entidades e comissões da área da Cultura. Desde que Bolsonaro assumiu a presidência, o setor vive paralisação e desmonte, inclusive com alta rotatividade no cargo de titular da Secretaria Especial de Cultura. Vale lembrar que, por conta dessa prática, a Ancine ainda não liberou o FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) de 2019, resultado de impostos cobrados em 2018, nem sequer mencionou os valores disponíveis para 2020 – antigamente definidos no começo de cada ano. Produtores que tiveram projetos aprovados antes de 2019 estão processando a entidade para ter acesso à verbas definidas em editais. E um dos relatórios mais recentes da instituição sugere que os mais de R$ 700 milhões do FSA contabilizados e não utilizados no ano passado simplesmente “sumiram”…
Ancine ataca cinema brasileiro com reprovação recorde de contas
A Ancine divulgou nesta semana uma lista de filmes que tiveram suas prestações de contas reprovadas. A iniciativa não tem precedentes. Em mais de um sentido. Mas é apenas mais uma nova batalha da guerra cultural travada pelo desgoverno Bolsonaro contra o cinema brasileiro. Para começar, a Ancine nunca tinha divulgado listas similares. A iniciativa teria sido feita em nome da “transparência”, mas o motivo das reprovações não foi divulgado. Ou seja, um ato opaco – o oposto de transparente. O que mais chama atenção nesta iniciativa é a grande quantidade de filmes com contas reprovadas. De uma lista de 168 produções – de um total de cerca de 4 mil pendências – , a entidade reprovou completamente 102 delas — 60,7% do total analisado – , aprovou 56 com ressalvas e considerou apenas 10 projetos plenamente aprovados. É um volume recorde de reprovações. Ainda mais considerando que nos primeiros 20 anos de captação da Ancine, entre 1993 e 2013, apenas 17 (dezessete!) projetos tiveram contas totalmente reprovadas – e um deles teria revertido a condição, “Chatô, O Rei do Brasil”. Outro detalhe inusitado é a idade dos projetos. Há filmes que completaram a maioridade, como “Desmundo”, “Madame Satã” e “Rocha que Voa”, lançados em 2002, há 18 anos. Os títulos mais novos também são da década passada, “Viajo porque Preciso, Volto porque Te Amo”, “Xuxa em O Mistério de Feiurinha” e “Budapeste”, que chegaram aos cinemas em 2009. Por conta dessa abrangência, a relação também enquadra obras de cineastas já falecidos, como Nelson Pereira dos Santos (1928-2018) e Carlos Reichenbach (1945-2012). Mas enquanto se observa uma mescla “democrática” de blockbusters (“2 Filhos de Francisco”) com trabalhos engajados (“Serra da Desordem”), chama atenção, por outro lado, um predomínio de títulos de diretores ligados à rede Globo, como Guel Arraes (“Lisbela e o Prisioneiro”), Andrucha Waddington (“Casa de Areia”), Jorge Furtado (“Saneamento Básico, O Filme”), Cao Hamburger (“O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias”) e Selton Mello (“Feliz Natal”), e principalmente de produções com a chancela da Globo Filmes – a grande maioria da relação. O presidente Jair Bolsonaro considera a Globo como uma de suas principais inimigas. Além de incentivar a hashtag #Globolixo nas redes sociais, ele já mandou cortar a verba de publicidade federal destinada à emissora e supostamente – embora não haja contradito – envolvido fiscais da receita numa devassa nos impostos dos principais artistas da emissora – mas não de outros canais. Ao justificar a lista, a Ancine alega atender uma demanda do Tribunal de Contas da União (TCU). Vale observar que o TCU tem considerado prescritas as dívidas públicas não cobradas após cinco anos. Todas as eventuais cobranças dos filmes com contas rejeitadas estariam, portanto, prescritas. Esta prescrição, contudo, não impede que as obras sejam incluídas numa lista negra. E aí encontra-se o objetivo prático da relação. As produtoras “negativadas” não poderiam, segundo os critérios para fomento da Ancine, “aprovar novos projetos, prorrogar, redimensionar, remanejar ou obter autorização para movimentar recursos já aprovados”. Elas também estariam “impedidas de contratar com o Fundo Setorial do Audiovisual ou receber apoio de fomento direto da agência”. Sem prestar contas do Fundo Setorial do Audiovisual e mantendo trancada a verba arrecadada em 2018 – e já aprovada – para fomento de novos filmes, a Ancine agora trabalha para impedir que as principais produtoras de cinema do Brasil possam apresentar novos projetos em busca de incentivos. Além da Globo Filmes, a relação inclui produções e coproduções da Conspiração Filmes, Gullane, Diller Associados, Bananeira Filmes, Casa de Cinema de Porto Alegre, até mesmo da Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto), com quem o governo está brigando por dever mais de R$ 12 milhões em custos de manutenção da Cinemateca Brasileira, entre outras. Mas não há na lista de contas reprovadas produções ligadas ao setor evangélico, relacionadas a movimento político de direita ou a canais de TV rivais da Globo.
Ancine lança relatório em que se vangloria de sua ineficácia
A Agência Nacional do Cinema (Ancine), que em junho disse não ter dinheiro para honrar compromissos assumidos, publicou na terça-feira (30/6) um balanço financeiro de sua gestão, em que afirma ser “possível perceber que não houve, em nenhum momento, uma paralisação da política pública de financiamento”. Mas o balanço demonstra claramente o contrário. Nele, é possível perceber que houve, desde a posse de Bolsonaro, uma paralisação quase completa da política pública de financiamento. O argumento da atual gestão da Ancine é o mesmo do presidente anterior, atualmente enredado em processo penal. O órgão afirma que continua a desembolsar valores para fomento de projetos. Um dos detalhes não mencionados é que esses projetos foram aprovados até 2018. Afinal, o comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) ainda não estabeleceu a política de editais para liberação da verba de 2019 – R$ 703,7 mil. Muito menos estabeleceu o Plano Anual de Investimento (PAI) de 2020. Geralmente o PAI é formulado no começo do ano, mas o PAI de 2019 foi feito às pressas em dezembro passado, para evitar um caso flagrante de omissão. Outro detalhe não mencionado pela Ancine é que a política pública de financiamento está funcionando atualmente à base de decisões judiciais. A judicialização virou a única forma dos produtores terem acesso a dinheiro de editais aprovados até 2018. Muitos cansaram de esperar por mais de um ano – isto é, desde o começo do desgoverno Bolsonaro – pela liberação de verbas, que foram travadas pela desorganização atual de todas as agências ligadas à Cultura. Reportagem do jornal O Globo de junho passado procurou alguns dos produtores que processaram a Ancine e descobriu que muitos se arrependeram de ter esperado, pacientemente, por uma resolução satisfatória dos trâmites burocráticos. A produtora catarinense Aline Belli, sócia da Belli Studio, responsável pela série animada “Boris e Rufus” exibida pelo Disney XD, foi selecionada em um edital de Santa Catarina, pelo qual recebeu R$ 250 mil em outubro de 2018 para a realização dos 13 episódios da 2ª temporada. O projeto seria complementado com recursos do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), no valor de R$ 950 mil. Mas após cumprir todas as exigências, ela não recebeu o aporte da Ancine, previsto para ter sido liberado em junho do ano passado. O contrato foi enviado apenas um ano depois, com a entrada da produtora na Justiça. Outro produtor, baseado em São Paulo e que preferiu não se identificar ao jornal por temer represálias na agência, contou ter se surpreendido com o uso da burocracia para impedir financiamentos e só conseguiu obter o orçamento já captado para seu projeto após entrar com mandado de segurança. Entre os membros da Associação das Produtoras Independentes (API), estima-se que entre 25 e 30 processos ainda disputam a liberação de um montante que pode chegar a R$ 15 milhões — e que seguem travados pela agência sem maiores explicações. Este quadro sugere que apenas as ações na Justiça impedem a paralisação total da política pública de financiamento. Mas nenhum projeto novo (ZERO), de janeiro de 2019, data da posse de Bolsonaro, até o dia de hoje recebeu qualquer encaminhamento financeiro na Ancine. Em vez de tratar do futuro do audiovisual, a Ancine segue firme em sua pujança para liberar verbas de… 2018. Chama atenção ainda que mesmo o valor liberado tem sido escandalosamente pequeno. O balanço financeiro, em que a Ancine se vangloria por ainda estar funcionando, demonstra que o fomento encolheu a valores do primeiro ano de vigência da Lei nº 11.437 e do decreto nº 6.299, que estabeleceram o FSA. Em seu primeiro período de arrecadação, de 2008 para 2009, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) rendeu R$ 37 milhões para a Ancine utilizar no fomento de filmes e séries brasileiras. Basicamente o mesmo repassado em 2019: R$ 37,1 milhão. Entre o começo e o atual período de arrecadação, o Condecine também passou a incidir sobre serviços de provedores de telecomunicação, o que aumentou sensivelmente o montante do FSA. Em 2018, os valores disponibilizados para fomento atingiram R$ 1,1 bilhão, um pico até exagerado em relação às arrecadações entre R$ 440 e 640 milhões da última década. Por tudo isso, os R$ 37,1 milhão obtidos por meio de ações judiciais são a antítese de uma política pública de financiamento em pleno funcionamento. Os motivos dessa paralisação variam desde a incompetência como método de (des)governo, via sucessivas demissões e falta de preenchimento de vagas que mantém as instituições inoperantes, até “mistérios” financeiros, que surgem de cabeça para baixo em relatórios semelhantes a este que celebra a pungência da ineficácia. Em junho passado, por exemplo, outro relatório da Ancine chegou a sugerir que o dinheiro do FSA simplesmente “sumiu”. Faltaram maiores explicações, como no caso atual. Sem liberar verbas, a proposta da Ancine para os projetos de 2019 em diante é emprestar dinheiro à juros para os produtores, trocando seu papel original de agência fomentadora para uma atividade que se confunde com intermediação bancária. Tem muita gente achando o máximo, mas é realmente o mínimo possível e nem sequer atende a questão principal: o que vão fazer – ou já fizeram – com o dinheiro supostamente disponível no FSA?
Desgoverno demite secretário do Audiovisual – de novo
O novo secretário especial da Cultura, Mario Frias, demitiu Heber Trigueiro, secretário nacional do Audioviosual, e Caio Kitade, secretário de Desenvolvimento Cultural. As exonerações foram publicadas no Diário Oficial da União desta quinta (2/7). Ambos haviam sido nomeados por Regina Duarte, antiga secretária especial da Cultura. Kitade chegou em março, enquanto Trigueiro assumiu o cargo em abril – ficou pouco mais de dois meses no cargo. Com isso, o Brasil volta a ficar sem secretário do Audiovisual, responsável pela política do setor. Regina já não tinha dado posse ao escolhido (André Sturm) pelo secretário da Cultura anterior, e a última secretária oficializada, Katiane Gouvêa, ficou só duas semanas no cargo, entre novembro e dezembro do ano passado. Antes dela, tinham passado pelo cargo durante o atual desgoverno o produtor Ricardo Rihan e o biógrafo de Alexandre Frota, Pedro Peixoto. O secretário do Audiovisual também integra o comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), de onde sai o dinheiro para o fomento de filmes, séries e até games nacionais. Montante que não é liberado desde a posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, justamente pela alta rotatividade de seus membros, inclusive do próprio secretário da Cultura. Mario Frias já é o quinto secretário da Cultura do desgoverno atual. Recentemente, a Ancine sugeriu que o FSA, que deveria reunir mais de R$ 1 bilhão arrecadados por meio de taxas do setor, “sumiu”.
Reunião do Fundo Setorial do Audiovisual ignora Fundo Setorial do Audiovisual
O comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) realizou nesta quarta (24/6), por videoconferência, sua segunda reunião do ano – a quarta desde a eleição de Jair Bolsonaro e apenas a segunda com membros suficientes. A falta de reuniões, ocasionada pela alta rotatividade da pasta da Cultura, paralisa o fomento do setor desde 2018, caracterizando a política de destruição cultural em vigor. Como esperado, de acordo com o padrão, a protelada reunião do comitê do fundo tratou de vários assuntos, menos do fundo. Participaram do encontro virtual o ministro do Turismo (ao qual a Secretaria Especial de Cultura é vinculada) Marcelo Álvaro Antônio, o diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Alex Braga, e o quinto secretário especial de Cultura do governo Bolsonaro, o recém-empossado Mario Frias, além de representantes do setor. Na pauta, entraram temas já tocados pela Ancine, como a suspensão de prazos diante da pandemia (prestação de contas, entrega e exibição de filmes etc.), a suspensão da obrigatoriedade da primeira janela no cinema, um programa de apoio ao pequeno exibidor, a suspensão temporária de dívidas de exibidores junto ao BNDES pelo programa Cinema Perto de Você e a definição de linhas de crédito para o setor. Neste último ponto, foi aprovada a polêmica proposta da Ancine de oferecer linhas de crédito do BNDES, de R$ 250 milhões no total, e do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), de R$ 150 milhões, para o setor audiovisual. As linhas teriam prazo total de oito anos, com 24 meses de carência, e seriam voltadas à folha de pagamento, fornecedores e demais despesas operacionais para a manutenção da atividade fim das empresas. Trata-se de empréstimo bancário, que poderia ser complemento para uma ampla política cultural. Entretanto, parece ser tratado como a única verba vislumbrada pela Ancine – e por extensão o comitê – para o setor. Empréstimo bancário não tem nenhuma relação com a finalidade do fundo. O dinheiro do FSA não é para ser emprestado a juros. Ele já foi cobrado do setor, via taxas, e deve ser reinvestido como fomento. Portanto, a pauta não tocou na superfície, muito menos no que deveria estar no fundo. Em dezembro passado, ficou estabelecido que a reunião seguinte definiria a política de editais para encaminhar um montante de R$ 703,7 milhões do FSA, resultado da cobrança do Condecine e taxas de 2018, aprovado para ser utilizado dentro do Plano Anual de Investimentos (PAI) de 2019 – isto é, dinheiro que deveria ter sido liberado no ano passado mesmo. Mas isto não entrou em discussão na tal reunião seguinte, que aconteceu em fevereiro. Nem no encontro virtual desta quarta. Há poucas semanas, a Ancine deu a entender que esse dinheiro, sob sua responsabilidade, tinha sumido. “Mesmo se consideradas as disponibilidades financeiras para 2019 e 2020, o valor seria insuficiente para a contratação do total de investimentos em projetos anunciados [em 2018], restando ainda um saldo negativo de R$ 3,6 milhões”, disse um comunicado da agência, após sondagem do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o FSA. O déficit inexplicado fez com que produtores selecionados em editais de 2018, que não receberam a verba acordada, entrassem com liminares contra a Ancine para a liberação dos pagamentos. Enfim, segundo relato do roteirista Paulo Cursino, que integra o comitê como representante da sociedade civil, foram apenas duas horas de reunião. Ele disse ao jornal O Globo que uma nova reunião “deve” ser marcada para breve, para tratar do FSA. “Para duas horas de reunião, conseguimos avançar bastante”, ele disse. “Como a pauta era muito extensa, focamos no que era prioridade para o setor neste momento, para apagar o incêndio causado pela pandemia. São definições que vão trazer um alívio geral para produtores e exibidores. Devemos ter uma nova reunião em breve, em que poderemos tratar de outros temas urgentes, como a análise dos números do FSA de 2018 a 2019”, completou. Está prevista, portanto, uma nova reunião do comitê para o fim do mês de julho. Novamente, com a pauta do FSA. O detalhe é que estas reuniões de meados de 2020 são relativas à verbas que deveriam ter fomentado o audiovisual no ano passado. Vale lembrar que a reunião anterior, de fevereiro, aconteceu apenas para discutir um edital de 2018! E porque ele foi alvo de ação na Justiça, após ter sido suspenso pelo governo. Era o famoso edital com produções LGBTQIA+ que Bolsonaro disse ter mandado “pro saco”. “Conseguimos abortar essa missão aqui”, ele comemorou, numa live, falando que o edital era “um dinheiro jogado fora”. “Não tem cabimento fazer um filme com esse enredo, né?” O dinheiro pode ter sido realmente jogado fora. Não se sabe onde. Nem parece haver muita pressa para se descobrir. O próprio TCU emitiu um parecer técnico nesta quarta, no âmbito do processo que investiga irregularidades no FSA em 2019 e 2020, sugerindo que o valor não utilizado do fundo permaneça com o Tesouro Nacional. Isto é, no buraco negro – literalmente sem fundo. O parecer ignora o pedido de medida cautelar de seis entidades do audiovisual para que fosse suspenso “o retorno ao Tesouro Nacional de valores provenientes dos rendimentos de aplicações financeiras dos recursos do FSA” ou, se já tiverem sido devolvidos “determinar seu retorno ao FSA, com a manutenção de sua destinação legal, isto é, para o fomento de projetos audiovisuais”. Porque esse dinheiro não aparece nunca.
Desgoverno: Verbas de até US$ 1,5 bilhão do setor audiovisual teriam sumido
A falta de transparência do desgoverno atual não se limita aos dados sobre a covid-19. Na última sexta-feira (5/6), a Ancine (Agência Nacional do Cinema) disponibilizou números enigmáticos sobre o FSA, o fundo do setor audiovisual brasileiro. Seis meses depois de anunciar um montante de R$ 703,7 milhões, relativo à taxas cobradas em 2018, disponível para produções de filmes, séries e games nacionais em 2019, e após adiar a liberação dessa verba ao infinito, a Ancine dá a entender que esse dinheiro simplesmente não existe – ou sumiu. Em um relatório que só fará sentido após passar por uma bancada de auditores especializados (leia a nota pública aqui), a Ancine revelou que o FSA, que deveria ter cerca de R$ 1,5 bilhão (sem contabilizar juros), apresenta saldo negativo, sendo na verdade um fundo deficitário. Onde está o dinheiro? É o que quer saber o TCU (Tribunal de Contas da União). Esse relatório abracadabra, complexo para um olhar leigo, já é resultado de um questionamento da Justiça, que busca a explicação sempre cobrada pela Pipoca Moderna sobre o motivo de a Ancine não lançar edital algum para o setor audiovisual desde que Bolsonaro assumiu o desgoverno federal. A Ancine parece sugerir sob seus números opacos que a fortuna foi corroída, talvez por má gestão financeira da diretoria anterior, talvez por desmandos do desgoverno atual e talvez ainda por outros “detalhes” burocráticos, incluindo pedaladas fiscais – elas mesmas, as famosas. Entretanto, há apenas seis meses a atual diretoria anunciou que o valor existia, dando publicidade até a seus centavos. E tem o detalhe: os tais R$ 703,7 milhões já eram menores que o montante previsto e se referem à arrecadação de 2018, disponível para fomentos do ano passado – que não aconteceram. A taxa Condecine ainda continuou a ser cobrada durante todo o ano de 2019 e deveria ter gerado montante igual ou superior para o fomento do audiovisual em 2020. É o que apontam as planilhas. O próprio site da Ancine apresenta as planilhas do FSA, que comprovam arrecadação de 1,1 bilhão em 2018 e mais 1,2 bilhão em 2019. Elas demonstram que, deste total, R$ 724 milhões deveriam ter sido destinados para fomento do audiovisual em dezembro de 2018. E em dezembro de 2019, a previsão era outro montante igual. Ou seja, praticamente 1,5 bilhão para a produção de novos filmes, séries e videogames brasileiros. Mas nenhum edital foi publicado para receber esses valores. Até Bolsonaro, o fundo era sempre liberado no máximo nos primeiros meses de cada ano. Mas as últimas reuniões do comitê gestor do Fundo a lançar novos editais aconteceram em 2018, durante o governo Temer – e diziam respeito à aplicação de valores arrecadados em 2017. Para complicar ainda mais, o pior presidente da História do Brasil ainda fez questão de vetar a renovação da Lei do Audiovisual no ano passado, impedindo que as produtoras conseguissem viabilizar projetos junto à iniciativa privada, via incentivo fiscal, de forma a concentrar toda a possibilidade de fomento no FSA. Este fundo que, agora se descobre, é na verdade sem fundo. Desde que Bolsonaro assumiu, a estratégia para o setor tem sido a paralisação. Sem pressa para nomear diretores na Ancine, destituindo secretários de Cultura a cada quatro meses e mantendo – como mantém atualmente – a coordenação cultural acéfala em seu desgoverno, Bolsonaro tem impedido que o comitê gestor do FSA faça reuniões. Com isso, o valor do fundo era mantido longe do conhecimento público. Mas a brincadeira de esconde-esconde acabou. O TCU cobrou e a Ancine tem agora a obrigação de mostrar onde foi parar cada centavo que estava sob sua guarda. Segundo o esboço de justificativa, apresentado na sexta, a entidade teria assumido compromissos financeiros no valor de R$ 944 milhões, mas só teria, em caixa, R$ 738 milhões. Isso significa que a agência não tem dinheiro nem para pagar todos os projetos contemplados nos editais de 2018 – os últimos que foram lançados – e, muito menos, para lançar novas chamadas. Uma das explicações para a falta de dinheiro, pelo que se pode visualizar na versão da Ancine, seria um erro contábil no pacote de editais de 2018, chamado #AudiovisualGeraFuturo, que somou cerca de R$ 1,2 bilhão, quase o dobro dos R$ 748 milhões previstos para o período. Há, nesse conjunto, projetos que foram contratados, mas há também editais não lançados e outros que tiveram resultados divulgados, mas não teriam sido contemplados. A página da Secretaria da Cultura sobre os editais foi derrubada – ao seguir o link que diz “Confira aqui os editais”, o resultado é “Oops! Essa página não pode ser encontrada”. A gravidade dos fatos se manifesta numa pantomima, em que a atual diretoria ensaia culpar, sem muita convicção, senão a diretoria anterior, o próprio desgoverno pelo endividamento. Mas levou um ano e meio para fazer qualquer acusação ou mesmo denunciar o rombo. E só se pronunciou após o TCU cobrar explicações. O atual presidente da Ancine, Alex Braga, já era diretor da agência no governo Temer – desde 2017. E estava na entidade desde 2003, tendo atuado na maior parte deste tempo como procurador, com a função, justamente, de zelar pela otimização dos recursos públicos utilizados na Ancine. E ele não manifestou contrariedade quando os supostos editais onerosos foram votados e aprovados em 2018. Portanto, culpar a gestão anterior não lhe tira responsabilidade sobre a fonte dos problemas na administração do FSA. Em busca de pistas sobre o paradeiro do dinheiro, chama especial atenção a forma como links sobre editais e respectivas prestações de conta do desgoverno tendem a apontar para páginas inexistentes. Uma das omissões mais facilmente localizáveis reflete a época em que Bolsonaro protestou contra um edital de projetos de séries de temática LGBTQIA+, dizendo que não aprovaria seu conteúdo. Uma live ofensiva, desinformada e homofóbica do presidente inspirou o então ministro da Cidadania Osmar Terra a derrubar o edital. Só que ele não teria poderes para isso, o que gerou uma crise jurídica e levou o MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro) a entrar com uma ação por improbidade administrativa na Justiça. Pra resumir a história, o preconceito foi acomodado de forma a não contemplar as séries mencionadas nominalmente por Bolsonaro em sua live, mas supostamente premiando outras produções. Só que o relatório das verbas destinadas aos “80 projetos selecionados” desse imbróglio conduz a uma endereço do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) – agente financeiro do FSA – que informa que a página não existe. Será que a prestação de contas está em outro link ou apenas em documentos oficiais? Cabe ao TCU verificar. Neste período nebuloso, Bolsonaro também começou a falar em “filtros” – critérios de censura – para o fomento cultural e alimentou o caos na Ancine. Após demitir por decreto o diretor-presidente Christian de Castro Oliveira, que já estava enrolado em investigação da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, manteve o órgão paralisado por cinco meses com apenas um diretor, Alex Braga, respondendo por toda a diretoria-colegiada. O desgoverno protelou o quanto pôde para nomear mais dois diretores evangélicos sem representatividade no mercado, visando preencher outras duas cadeiras no comando da entidade, suficientes para seu funcionamento mínimo. Essa estrutura precária foi piorada com a falta de nomeação de um Secretário do Audiovisual, iniciativa que caberia ao Secretário da Cultura, cargo que se tornou rotativo e ausente no desgoverno. O Secretário do Audiovisual é um dos membros do comitê gestor do FSA, junto do Secretário da Cultura. A atual composição do Comitê Gestor, com mandato de dois anos, foi estabelecida pela Portaria nº 2.068, de 23 de outubro de 2019, e além dos secretários citados inclui o Ministro da Cidadania, como titular, e seu substituto legal, como suplente, entre outros membros. Só que, depois da publicação dessa portaria, Bolsonaro tirou a pasta da Cultura do ministério da Cidadania, jogando-a no Turismo. Isso representou outra pedra burocrática no meio do caminho da materialização do comitê. A prática de paralisar o setor com burocracia está mais que manifestada pelo governo. Porém, não se sabia, até sexta passada, que isso também ajudava a encobrir um rombo financeiro. A burocracia, claro, é um dos motivos alegados pelo relatório dos números mágicos para o sumiço bilionário. O abracadabra seria fruto da remuneração supostamente excessiva dos bancos que operam o FSA e das regras do desgoverno relativas às aplicações, que exigem que os juros dos investimentos do FSA sejam devolvidos ao Tesouro Nacional, e lá precisem passar por outra etapa de autorização e liberação para poderem ser usados pelo fundo. Em outras palavras, haveria represamento dos valores em outra ponta do sistema, aparentemente dentro do ministério da Economia. Aos trancos e barrancos, a Ancine ainda teria liberado cerca de R$ 500 milhões para projetos de editais de 2018, ao longo do ano passado. De janeiro a abril de 2020, porém, os valores limitaram-se a menos de R$ 60 milhões, o que gerou processos de produtores lesados para que fossem liberadas as verbas aprovadas há dois anos. Mesmo assim, nenhum novo edital foi lançado. Em seu ofício ao TCU, a Ancine alega que já havia previsão para esse estouro em seu orçamento de 2018 e que ele seria compensado pela “utilização de rendimentos das aplicações no montante de R$ 348 milhões, incluindo-os nos investimentos do FSA para aquele ano”. Mas aponta que, em momento posterior, esse dinheiro saiu de suas mãos, porque “houve a determinação de que estas receitas sejam recolhidas ao Tesouro Nacional”. Culpar o desgoverno – ou o próprio TCU, que chegou a intervir nas contas da Ancine em 2019 – por orientações que renderam prejuízo financeiro explicaria o rombo das verbas de 2018. Mas não justifica o sumiço do dinheiro de 2019 e 2020, que, segundo se deduz pelo relatório da agência, só teria servido para pagar juros e taxas bancárias. A se acreditar nisso, o investimento que rendeu, segundo o mesmo relatório, estimados R$ 615 milhões em 2018, resultou em prejuízo de mais de US$ 1,5 bilhão após a eleição de Bolsonaro. Se isso tudo não pagou apenas juros e taxas, então, pode ter havido pedaladas fiscais, palavra que remete à desculpa usada pelo Congresso para realizar o impeachment de Dilma Rousseff, e que significa usar orçamento futuro para pagar dívidas do passado – geralmente para cobrir rombos, como o caso. É exatamente o que sugere esta conclusão do ofício da Ancine: “Segundo diagnóstico realizado, a totalidade dos recursos para pagamento de agentes financeiros se encontra comprometida com obrigações anteriores. Mesmo se consideradas as disponibilidades financeiras para 2019 e 2020, o valor seria insuficiente para a contratação do total de investimentos em projetos anunciados [em 2018], restando ainda um saldo negativo de R$ 3,6 milhões”. Traduzindo: em vez de ter US$ 1,5 bilhão para fomentar novos projetos, a Ancine deve R$ 3,6 milhões a “agentes financeiros” – quais sejam: o BRDE e o BNDES – devido a “obrigações anteriores” – quais sejam? Qualquer conclusão sobre erro contábil, mal-entendido, gestão temerária, improbidade administrativa, crime fiscal ou ação penal caberá ao TCU, que também deverá proceder a busca pelo montante não contabilizado e determinar a responsabilização por eventuais desmandos, após o destrinchamento dos números e os meandros kafkianos do desgoverno de Bolsonaro.
Dinheiro que pode salvar indústria audivisual está bloqueado há 17 meses por Bolsonaro
Jair Bolsonaro já demonstrou claramente como gosta de governar: criando crises para causar paralisias setoriais. O caso mais dramático acontece na área da Cultura. Ao tomar posse em Brasília, ele transformou o MinC em Secretaria e a subordinou ao Ministério da Cidadania. Poucos meses depois, trocou tudo de novo, transformando a Cultura num apêndice do Ministério do Turismo. Só que “esqueceu” de completar totalmente a mudança, criando impasses no organograma que deixam a pasta numa espécie de limbo, dividida entre dois ministérios. Paralelamente, Bolsonaro também “esqueceu” de nomear representantes de comitês e agências, vetou renovações de leis de incentivo, impediu patrocínios de estatais e reduziu a importância do secretário especial da Cultura até transformá-lo num cargo figurativo e tapa-buraco. Aliados do presidente espalham nas redes sociais que a atual secretária, Regina Duarte, já estaria com os dias contados. Ela foi empossada sob ataques de bolsonaristas e, dois meses depois, ainda não terminou o processo de definir os novos chefes de fundações, museus, entidades, pastas, etc, devido a vetos daquele que teria lhe dado “carta branca”. Quando cair, quem assumir seu lugar provavelmente recomeçará todas as nomeações de novo, com nova “carta branca” de Bolsonaro. A repetição escancarada do método revela a tática de mudar tudo, o tempo todo, para que nada aconteça e ninguém faça coisa alguma. Esta paralisia por incompetência planejada tem acumulado uma fortuna nos cofres do governo. E ajudado a quebrar setores que Bolsonaro considera inimigos. Em crise desde antes da pandemia do novo coronavírus, graças à suspensão de fontes de verbas que dependiam de liberação estatal, a indústria audiovisual brasileira experimenta uma agonia sem precedentes. Enquanto isso, o governo deixa parado mais de R$ 700 milhões do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), que deveriam ter sido liberados no começo de 2019. O método das demissões em série, desorganização estrutural e sabotagem assumida fizeram com que o governo Bolsonaro levasse 12 meses para viabilizar a criação do comitê responsável por formular editais e gerir o FSA. E mesmo formado há cinco meses, o comitê ainda não se reuniu uma vez sequer para deliberar sobre a verba – sua função primordial. Por conta disso, o dinheiro que poderia salvar a indústria audiovisual do país está bloqueado há 17 meses sob o caos criado propositalmente pelo governo Bolsonaro. Embora a secretaria da Cultura tenha sido transferida para o Ministério do Turismo, o comitê gestor do FSA ainda está ligado, em seu organograma, ao Ministério da Cidadania. Essa é uma das confusões propositais que impedem o andamento de muitas medidas. São propositais, porque o presidente não faz nada para colocar ordem na situação, apesar de apelos de representantes do setor e provavelmente da própria Regina Duarte. Mas não há pressa. Para manter tudo parado, Bolsonaro só avança para dar ré. Outro exemplo dessa estratégia de rodar parafuso espanado materializa-se na iniciativa de nomear para a Ancine pessoas que o mercado jamais pressionaria para que assumissem logo suas funções. Bolsonaro indicou em fevereiro um pastor, Edilásio Barra, o Tutuca, e a produtora de um festival evangélico, Veronica Blender, para duas de três vagas que estão abertas na diretoria da Ancine desde o ano passado. Nomes sem nenhuma representatividade, quase nulidades no mercado, e até agora nenhum dos dois foi sabatinado pelo Senado. A situação de Blender é até pior. Sua indicação sequer foi enviada para análise pelo Planalto. Com tanta inércia, o dinheiro do FSA continua aplicado e rendendo juros. Estes juros não podem ser revertidos diretamente em novos projetos. Eles são remetidos ao Tesouro Nacional. Como a taxa Condecine, que gera o montante do FSA, não deixou de ser cobrada, os mais de US$ 700 milhões declarados, relativos a taxação da indústria audiovisual em 2018, já dobraram e começam a triplicar. Os números totais não foram revelados. Mas o governo deve ter mais de US$ 1,5 bilhão da indústria audiovisual bloqueados, enquanto o setor quebra. Como o comitê gestor não formula editais nem providencia a gestão dessa verba, a Ancine resolveu formular sua própria política para o dinheiro, propondo emprestar à juros para cineastas e produtores. O dinheiro, que deveria servir como investimento em fomento, viraria assim instrumento bancário. Só que até esse desvio de objeto – pode chamar de acinte – precisaria de aval do comitê gestor… Enquanto isso, a indústria segue quebrando, porque subestima Bolsonaro. Muitos ainda acham que é possível argumentar com o governo do “e daí?”. Já deveria ser evidente que o FSA só será liberado por via judicial.
Ancine quer transformar verba de fomento do audiovisual em empréstimo bancário
A diretoria da Ancine (Agência Nacional de Cinema) aprovou na quarta-feira (22/4), uma proposta de transformação do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) num fundo de empréstimos destinados a cinemas e empresas de audiovisual. A justificativa é ajudar as atividades economicamente impactadas pela quarentena do coronavírus. Os empréstimos fornecidos pela Ancine teriam como objetivo manter o giro de capital de empresas do setor, que tiveram as portas de estabelecimentos fechadas em todo o Brasil em março. Congelado há um ano e meio, desde a posse de Jair Bolsonaro, o FSA poderia possuir mais de R$ 1,5 bilhão em caixa, pois a verba prevista para 2019 representava metade desse valor e a de 2020 não foi apresentada – antes de Bolsonaro, o FSA era liberado para projetos no início de cada ano, repartindo montante referente à cobrança fiscal do ano anterior. O dinheiro atual está parado desde 2018. De fato, o descaso com o FSA é tão grave que a justiça chegou a dar ganho de causa, em primeira instância, para as empresas de telecomunicação deixarem de pagar o Condecine. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) suspendeu um pagamento de R$ 742,9 milhões à Ancine, que deveria ter sido alocado em março para o fomento de obras de 2020. A Ancine poderia contra-argumentar que esse dinheiro representaria empregos, já que seria destinado a novas produções, mas, como está sentada sobre montante igual há 17 meses, precisou ouvir de uma desembargadora que cobrar esse dinheiro poderia custar, justamente, empregos no setor. Para sorte da agência estatal, a decisão foi barrada pelo STF, mas o Congresso permitiu seu parcelamento a longo prazo. O Condecine é a taxa setorial que alimenta o FSA. Cobrada junto à indústria de telefonia e audiovisual, significa, textualmente, Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional. Pela lei, as empresas audiovisuais têm seu lucro taxado para ajudar a produzir novos conteúdos e assim fazer crescer todo o setor, funcionando tanto como fomento como regulação. Quando as produções financiadas pelo FSA são bem-sucedidas, a Ancine recupera o dinheiro e participa de seus lucros, que retornam para o mercado por meio de novos fomentos. Quando fracassam, a Ancine assume o prejuízo. Afinal, o objetivo não é dar dinheiro para o Estado e sim para a Cultura. A proposta atual, porém, transforma o dinheiro do fomento em empréstimo bancário, “na forma da criação de linhas de crédito com prazos (carência e pagamento) e juros adequados, conforme pactuado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)”. As aspas são de documento da própria Ancine. Há pontos positivos, já que exibidores de pequeno porte teriam acesso não reembolsável a recursos do FSA. Além disso, o BNDES também suspenderia a cobrança de parcelas de dívidas feitas por essas companhias antes do período da quarentena da covid-19. Mas “emprestar” à juros não é o objetivo da arrecadação do Condecine. Para piorar, esses “rendimentos das aplicações realizadas pelos agentes financeiros durante o período de custódia dos recursos do FSA” não seriam automaticamente acrescidos ao FSA. Os valores – que se juntam ainda sos juros de 17 meses de investimentos da verba paralisada e retornos financeiros de blockbusters – entrariam no Tesouro Nacional, aguardando nova fase burocrática para retornar ao FSA – uma exigência do TCU (Tribunal de Contas da União) para identificar cada montante. De todo modo, essa proposta financista precisa ser aprovada pelo Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA), responsável por liberar a verba. E o detalhe é que, desde a posse de Bolsonaro, o CGFSA só fez uma reunião – em dezembro passado – e ainda nem sequer estabeleceu os critérios para a aplicação de recursos do FSA referentes ao plano anual de investimentos de… 2018. Vale lembrar, ainda, que a crise dos cinemas poderia ser amenizada com uma ação do Congresso, ao derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro à Lei do Audiovisual, que inclui o Recine, projeto de incentivo ao parque exibidor.








