Diane Kruger se desespera em fotos e trailer de suspense alemão aplaudido em Cannes
A Pathé divulgou o pôster, cinco fotos e o primeiro trailer do suspense alemão “In the Fade” (Aus dem Nichts), um dos filmes mais aplaudidos do Festival de Cannes 2017. A prévia revela o momento em que a personagem de Diane Kruger (“Bastardos Inglórios”) descobre que o marido e o filho foram vítimas de um atentado de neonazistas. O desespero de sua interpretação é impressionante e arrancou elogios da crítica internacional, durante o festival. Na trama, depois do período de luto e espera por justiça, a protagonista se cansa das desculpas da polícia e decide procurar vingança. Dirigido pelo alemão Fatih Akin (“Soul Kitchen”), que é filho de imigrantes turcos, “In the Fade” ilumina a outra face do terrorismo na Europa, que tem olhos azuis e ataca muçulmanos. A trama foi inspirada por atentados cometidos pelo NSU, um grupo neonazista que já explodiu diversas bombas contra imigrantes desde 1999. A estreia está marcada para 23 de novembro na Alemanha e ainda não há previsão de lançamento no Brasil.
François Ozon leva o thriller erótico ao limite ginecológico no Festival de Cannes
Um dos filmes mais esperados pela crítica francesa no Festival de Cannes, o thriller erótico “L’Amant Double”, novo longa de François Ozon (“Frantz”), dividiu opiniões, chegando a chocar o público normalmente blasé. Arrancando arroubos de “genial” e “lixo”, no mínimo deixou uma impressão forte. Não foi por acaso que a primeira foto divulgada pela produção trazia seus atores nus. Aquela era uma cena tímida do filme, como demonstrou o primeiríssimo take da produção: um close-up ginecológico da protagonista, a corajosa Marine Vacht, que o próprio Ozon lançou em Cannes em 2013, no drama “Jovem e Bela”. Assim como naquele filme, “L’Amant Double” também aborda perturbações da mente feminina. Na trama, Vacht procura um psicólogo para deixar de somatizar suas angústias, que lhe causam dores constantes. As sessões são tão boas que ela se apaixona e planeja se casar com o médico, vivido pelo belga Jérémie Renier, presença constante nos filmes dos irmãos Dardenne. Mas ele esconde a existência de um irmão gêmeo sedutor, também terapeuta. E a descoberta precipita na jovem uma obsessão. Na entrevista coletiva, Ozon disse que se divertiu testando até onde poderia levar o gênero do thriller erótico, que ele já tinha visitado em “A Piscina” (2003). “Eu vinha de uma experiência com uma narrativa mais tradicional (o drama de época ‘Frantz’), então foi natural me voltar para o filme de gênero, o thriller erótico, e brincar com os seus códigos. Sempre procuro não me repetir”, explicou o diretor. Sobre a cena inesquecível que abre o longa, o diretor assumiu que quis mostrar algo diferente e provocador de imediato, uma imagem que não tinha visto com tanto destaque numa tela grande de cinema. “Como menino, eu não fui a clínicas ginecológicas. E ainda sou um menino curioso”, comentou. Na tela, a imagem explícita rapidamente se funde com outro close, do olho lacrimejante da protagonista. O efeito desconcertou o público, rendendo aplausos e gargalhadas nervosas. “É uma forma de estabelecer de cara as intenções do filme, que fala de uma mulher curiosa e cheia de emoções aprisionadas dentro de si”, explicou pacientemente Ozon. “Ao mostrar a genitália e os olhos da personagem, estamos abrindo o jogo desde o início sobre o caminho que estamos seguindo, que é descobrir o que acontece com o corpo e a mente dessa mulher”. E que viagem revela este caminho, repleta de perversões sexuais que o presidente do júri do festival deste ano, Pedro Almodóvar aprovaria – como demonstram filmes como “Kika” (1993) e “A Pele que Habito” (2011). Mas as principais influ~encias são thrillers de Brian De Palma (“Vestida para Matar”) e Peter Cronenberg (“Gêmeos – Mórbida Semelhança”). O próprio Ozon assumiu suas influências. “Eu amo a forma como De Palma desconstrói o thriller e como ele se diverte brincando com os códigos do gênero”, disse Ozon, acrescentando: “Cronenberg também”. “Eu sou um cineasta cinéfilo, então eu acho que não são necessariamente coisas específicas que me influenciam, mas um conjunto de elementos do meu inconsciente”, acrescentou. Mesmo assim, a semelhança com “Gêmeos – Mórbida Semelhança” é a mais óbvia da trama. Ozon confessou que quis rever o filme de Cronenberg para se distanciar dele, antes de começar a filmar. “Eu me vi forçado a rever o filme de Cronenberg. A diferença é que em ‘Gêmeos’, a história é contada do ponto de vista dos irmãos. A minha é contada da perspectiva da vítima deles”, adiantou, quase dando spoiler.
Diane Kruger enfrenta o terrorismo de olhos azuis no Festival de Cannes
“In the Fade”, do alemão Fatih Akin (“Soul Kitchen”), trouxe os problemas do mundo real para o Festival de Cannes. Filme mais abertamente político deste ano, aborda a guinada de intolerância à direita que toma conta da Europa, efeito secundário do terrorismo islâmico, para mostrar que o terror também tem olhos azuis. O filme traz Diane Kruger (de “Bastardos Inglórios”) como a esposa de um ex-traficante de drogas de origem turca e mãe de um menino de 6 anos, que sobrevive a um atentado neonazista no local onde trabalham. Com a morte do marido e filho, ela quer a condenação dos assassinos, seja pela Justiça, seja pelas próprias mãos. A imigração na Alemanha é um tema constante da filmografia de Akin, que é filho de imigrantes turcos, assim como o pop/rock ocidental. Mas este é o filme em que mais claramente se posiciona contra a xenofobia. O terrorismo de “In the Fade” não é praticado por imigrantes aliciados pelo Estado Islâmico, mas por aqueles que são contra esses grupos. “O cinema me dá a possibilidade de dialogar com meus pesadelos”, disse Akin na entrevista coletiva, em que apareceu usando uma camiseta da banda Queens of Stone Age, em homenagem ao guitarrista Josh Homme, que assina a trilha sonora do filme. “Vivemos em um mundo globalizado, e esse mundo tem medo das pessoas. A globalização tem um lado bom e outro ruim”, completou. O cineasta inspirou-se nos atentados cometidos contra estrangeiros que acontecem na Alemanha desde 1999 pelo NSU, um grupo neonazista que já explodiu diversas bombas. Revelou também ter se inspirado em histórias reais de casos em que imigrantes eram mortos e a polícia sempre procurava indícios de que usavam drogas para justificar os crimes como guerra de gangues. É o que acontece em seu filme, quando os policiais apontam que a explosão pode ter sido uma questão muçulmana, curda ou de criminalidade ligada ao tráfico. Mas Katja, a personagem de Kruger, tem certeza de que não é nada disso. Kruger esperava a chance de atuar em um filme de Akin desde que se conheceram há alguns anos em um evento. Mas o protagonista de “In the Fade”, originalmente, seria um homem. “Mas quando você começa a escrever um roteiro, novas camadas vão sendo incorporadas, aí surgiu a história da mãe”, explicou o diretor. “Mas como não queria usar as escolhas previsíveis entre as atrizes alemãs, aí me lembrei da conversa com Diane e a convidei”, explicou Akin. A parceria acabou sendo positiva para a atriz, que teve sua interpretação elogiada pela crítica, mais, inclusive, que o próprio filme. “É um papel que me deu medo”, contou Kruger. “O que mais me interessou é que é sobre um ato terrorista. Hoje ouvimos a cada dia novos números sobre mortos, assim como as histórias daqueles que ficam. E Katja me tocou muito: como é possível se viver diante desse horror?” A atriz disse que se sentiu desafiada pelo filme. “Houve cenas difíceis de gravar, de viver. As cenas de luto, de extremo sofrimento, era algo quase insuportável. Vivi algo terrível. Não trabalhei desde então”, declarou. “É uma personagem muito diferente de mim. Mas disse sim a tudo o que Akin me pedia. Era apenas ele quem poderia fazer esse filme. Infelizmente, acho que esse longa faz parte da nossa atualidade”, concluiu.
Good Time: Thriller frenético estrelado por Robert Pattinson ganha primeiro trailer
A A24 divulgou o pôster e o trailer de “Good Time”, filme dos irmãos Safdie (“Amor, Drogas e Nova York”) que impressionou a crítica mundial em sua exibição no Festival de Cannes. A prévia dá uma mostra do desempenho de Robert Pattinson, que arrancou elogios rasgados. Na trama, ele vive um jovem trapaceiro que se acha mais esperto que os outros, usando seu carisma e a capacidade de improvisação para se safar em momentos de pressão. Após a fuga de um roubo a uma agência bancária dar errado, seu irmão e cúmplice com problemas mentais (vivido pelo diretor Ben Safdie) acaba preso e ele precisa correr contra o tempo para levantar dinheiro para a fiança e evitar o pior, atirando-se numa espiral de violência e destruição. Como o vídeo mostra, a ação não para. Filmado nas ruas de Nova York em meio à população comum, numa tática de guerrilha, o thriller frenético também inclui em seu elenco Jennifer Jason Leigh (“Os Oito Odiados”), Barkhad Abdi (“Capitão Phillips”) e Buddy Duress (“Amor, Drogas e Nova York”). A estreia está marcada para 11 de agosto nos EUA e ainda não há previsão de lançamento no Brasil.
Robert Pattinson choca Festival de Cannes com demonstração frenética de talento
O Festival de Cannes entrou em choque com a exibição de “Good Time”, dos irmãos Ben e Joshua Safdie (“Amor, Drogas e Nova York”), os mais jovens diretores da competição. Não apenas pelo ritmo frenético – hipnótico! – do thriller, mas porque Robert Pattinson (“Mapas para as Estrelas”) finalmente comprovou o que os fãs sempre disseram: ele é um grande ator. O talento demonstrado em cena é inegável. Mas “Good Time” também aponta que ele poderia encabeçar blockbusters, tamanha energia que transmite em cena. O detalhe é que, para Pattinson chegar nesse ponto, o mundo precisou esquecê-lo. Isto se explica pela forma como “Good Time” foi realizado. “Foram filmagens no estilo guerrilha”, o ator descreveu no encontro com a imprensa do festival, contando que as cenas foram rodadas à noite, nas ruas de Nova York, em meio à população comum. “Eu me vi tentando passar por fantasma no meio da multidão”, contou. “Por isso eu fiquei um pouco preocupado com os paparazzi. Mas ninguém percebeu que era eu no trem, em plena hora do rush!”. “Foi uma loucura. Nunca estive em uma filmagem sem uma foto sequer de celular sendo tirada durante a filmagem inteira”, continuou, evocando seu passado de chamariz de paparazzi, durante a fase da franquia “Crepúsculo”. A tática de guerrilha também envolveu algumas situações arriscadas, ele revelou. “Filmamos em uma sala de emergência de um hospital sem permissão. É incrível o que você consegue fazer impunemente sem pedir permissão. Você simplesmente entra, faz e pronto”, disse o ator, que resumiu assim a experiência: “Esse filme é como um carro desgovernado. Não há freios para Connie, nem para a ousadia dos Safdie”. Connie é o nome do personagem do ator, um jovem trapaceiro que se acha mais esperto que os outros, usando seu carisma e a capacidade de improvisação para se safar em momentos de pressão. Após a fuga de um roubo a uma agência bancária dar errado, seu irmão e cúmplice com problemas mentais (vivido pelo diretor Ben Safdie) acaba preso e ele precisa correr contra o tempo para levantar dinheiro para a fiança e evitar o pior, atirando-se numa espiral de violência e destruição. A ação não para. E nem a música pulsante. Pattinson tinha se impressionado com o filme anterior dos Safdie, “Amor, Drogas e Nova York”, e os procurou se propondo a fazer o que eles quisessem, “seja servindo comida ou fazendo um papel no filme”, revelou Joshua Safdie. Graças a esse comprometimento, os diretores indies puderam contar com o primeiro astro de suas carreiras. E a parceria deu mais que certo. A opção de filmagem em estilo quase documental, em meio às ruas de Nova York, aproxima o longa dos thrillers urbanos dos anos 1970, época de clássicos de Martin Scorsese, William Friedkin, Michael Cimino e Sidney Lumet. Em comum com os thrillers da época, também há o fato de Pattinson viver um personagem marcante. “Nossos filmes nascem a partir dos personagens que imaginamos. Criamos biografias para eles desde o primeiro momento, o que torna o processo de construção do roteiro muito longo”, contou Joshua. Mas eles compartilham os créditos de “Good Time” com seu astro. “Pattinson é quase um terceiro irmão Safdie neste filme”, reforça o diretor. “Ele tem praticamente a coautoria do filme, que, desde o primeiro minuto, é uma descida ao Inferno”.
Único filme brasileiro em Cannes, Gabriel e a Montanha vence prêmio do festival
Único filme brasileiro na seleção do Festival de Cannes 2017, “Gabriel e a Montanha”, de Fellipe Gamarano Barbosa, venceu dois prêmios na tarde desta quinta-feira (25/5). Exibido na seção Semana da Crítica, o drama brasileiro venceu o principal prêmio de sua mostra, que é paralela à disputa principal. Além do troféu Revelação, “Gabriel e a Montanha” também ganhou o prêmio da Fundação Gan, que vai auxiliar o lançamento do filme na França com incentivo financeiro para sua distribuição. O filme já tinha conseguido críticas muito positivas da imprensa internacional e foi aplaudido de pé durante sua exibição para o público de Cannes. A obra dramatiza os últimos dias de Gabriel Buchmann (vivido na tela por João Pedro Zappa), jovem economista brasileiro que morreu em 2009, aos 28 anos, durante uma escalada no Malawi. Buchmann, que era amigo de infância do diretor, estava viajando pela África antes de iniciar um programa de doutorado sobre desenvolvimento social. “O significado de uma viagem só pode ser definido após o retorno. Gabriel não teve a oportunidade de retornar. Minha motivação para fazer esse filme foi descobrir o significado da viagem que ficou perdido e compartilhá-lo, que é exatamente o que o Gabriel teria feito”, explicou Fellipe Barbosa, em comunicado para a imprensa. Este é o segundo longa-metragem de ficção dirigido por Fellipe Barbosa, que esteve à frente do elogiado “Casa Grande”, vencedor do prêmio do público no Festival do Rio e considerado Melhor Filme Brasileiro exibido em 2015 pela Pipoca Moderna.
Filme sobre Rodin é a maior decepção do Festival de Cannes
“Rodin”, de Jacques Doillon, era um dos filmes franceses mais aguardados do Festival de Cannes. E isto dá a dimensão da decepção com que sua projeção foi recebida. Um crítico chegou a vociferar “É um filme antigo”, tão logo as luzes se acenderam. Mas muitos outros foram embora bem antes disso. No extremo oposto de “Le Redoutable”, de Michel Hazanavicius, que tomou liberdades para transformar o cineasta Jean-Luc Godard em personagem de comédia, “Rodin” tentou ser reverente demais. E se tornou convencional como um teledrama. Para piorar, transformou as mulheres importantes da vida do escultor em meras coadjuvantes, inclusive relevando sua rejeição à assistente Camile Claudel (vivida por Izïa Higelin, de “Um Belo Verão”) como causa do colapso mental da artista. Neste sentido, é quase um anti-“Camille Claudel”, o clássico de 1988 que contou essa história por outro ponto de vista. Estrelado por Vincent Lindon, que já foi premiado em Cannes por “O Valor de um Homem” (2015), o filme acompanha o escultor aos 40 anos, quando ele recebe sua primeira encomenda do Estado, criando a famosa obra “Porta do Inferno”. Há especial atenção para detalhar seu processo criativo, mas os recursos utilizados para isso são antiquados, com leituras de cartas, narrações e personagens que conversam consigo mesmo em voz alta. O mais incômodo, porém, é a forma como as mulheres de sua vida são retratadas como histéricas. Ele usa e abusa de cada uma delas, mas é um artista. Elas querem definição de relacionamento e são loucas. “As esculturas de Rodin são muito sensuais, e ele também era um homem muito sensual. Rodin amava o corpo feminino. Eu o teria traído se deixasse de lado esse aspecto de sua personalidade” justificou-se o diretor Jacques Doillon (“O Casamento a Três”), durante a entrevista coletiva do festival. O cineasta defende que Rodin era um homem irresistível e que suas palavras e atos no filme são baseados em pesquisa intensa. “Tudo o que Rodin diz no filme é resultado de muita pesquisa, ainda que também de muita fantasia minha. Ele, que não gostava de escrever, não deixou muito material escrito. Mas aqueles que conviveram com ele na época deixaram referências sobre o que ele disse e pensava. Então, posso afirmar que aquilo que o personagem diz no filme é o que o próprio Rodin teria dito em vida”, garantiu Doillon no encontro com a imprensa. Talvez a crítica esperasse que um filme sobre um artista genial fosse contaminado pelo talento retratado. Mas a reverência acadêmica de Doillon revela-se pouco adequada para integrar um festival, especialmente o Festival de Cannes.
Sofia Coppola conquista Cannes com western gótico sobre empoderamento feminino
O novo filme de Sofia Coppola, “O Estranho que Nós Amamos” (The Beguiled), foi o primeiro a entusiasmar crítica e público no Festival de Cannes. Remake de um western dirigido por Don Siegel e estrelado por Clint Eastwood em 1971, com mais suspense e até terror que o original, o longa subverte as expectativas por mudar o ponto de vista, contando a história pela perspectiva das mulheres da trama. Na entrevista coletiva do festival, a diretora disse que descobriu o filme por indicação da amiga e designer de produção Anne Ross. “O filme ficou na minha cabeça. O original é sob o ponto de vista do homem. Achei que podia contar a história sob o ponto de vista das mulheres”, explicou. Sofia nunca tinha feito um remake, por isso foi buscar mais informações na fonte original, o livro de 1966, escrito por Thomas Cullinan. Ela tampouco tinha realizado um thriller com clima gótico, filmado à luz de velas – a fotografia de Philippe Le Sourd é deslumbrante. Mas o que chama mais atenção é o elenco estelar da produção, liderado por Nicole Kidman (“Lion”), como a diretora de um internato para moças no Sul rural dos Estados Unidos durante a Guerra Civil do século 19. Neste local, Kirsten Dunst (“As Duas Faces de Janeiro”) vive uma professora, enquanto Elle Fanning (“Demônio de Neon”) e Angourie Rice (“Dois Caras Legais”) são estudantes. Este universo feminino é invadido pela chegada de um soldado do exército da União ferido, interpretado por Colin Farrell (“O Lagosta”), que as mulheres decidem abrigar e tratar. Mas, cercado de beleza, ele logo começa a abusar da hospitalidade daqueles mulheres, que estão sozinhas, mas não desamparadas. “Toda vez que um grupo de mulheres é isolado do mundo exterior, uma nova dinâmica se estabelece entre elas. O que fiz foi me afastar da memória do filme de Don Siegel e pensar em como eu poderia contar aquela história de novo, sob um ponto de vista diferente”, contou a cineasta. Há um cuidado em evitar transformar o homem em vítima de mulheres vingativas. Ele é claramente um predador, invadindo um ninho. “Para mim, ele chega e arruína tudo. Nós estávamos bem só nós mesmas, apenas não podíamos ter filhos”, apontou Nicole Kidman. Vale lembrar que as mulheres do filme estão numa escola não para aprenderem uma profissão, mas sendo educadas para atrair bons maridos. Entretanto, a guerra levou os homens embora. O único que aparece faz parte do exército inimigo. O instinto feminino natural é ajudá-lo. Mas se ele mostrar sua verdadeira face, as mulheres ainda serão maioria. As mulheres já são maioria em muitas áreas, mas curiosamente não no cinema. Kidman aproveitou a discussão sobre empoderamento feminino para reclamar da pouca quantidade de diretoras contratadas pela indústria ou selecionadas para festivais. Neste ano, entre as duas dezenas de filmes na mostra competitiva de Cannes, apenas três são assinados por mulheres. “Temos de apoiar as cineastas. Muita gente diz que as coisas estão diferentes, mas não é o que mostram as estatísticas”, disse ela. “Apenas 2% dos filmes lançados no ano passado foram dirigido por mulheres. É uma estatística que diz tudo, e acho que é importante que continuemos repetindo”, acrescentou. “Para nossa sorte, temos Sofia e Jane aqui neste ano”, referindo-se também à australiana Jane Campion, que dirige Kidman na continuação da minissérie “Top of the Lake”, exibida fora de competição em Cannes. “Nós, mulheres, precisamos dar apoio a outras realizadoras mulheres”, concluiu. Esta não foi a única discussão levantada durante a entrevista coletiva de “O Estranho que Nós Amamos”. Sofia também defendeu que filmes devem ser vistos em salas de cinema, entrando na polêmica da participação de produções da Netflix no festival. “Fiquei feliz por filmar em película de 35mm, pensando em enquadramentos e fotografia para uma tela grande. Espero que as pessoas assistam ao filme em uma sala de cinema. É uma atmosfera totalmente diferente, uma experiência única em nossas vidas modernas”, ela declarou. Colin Farrell, único homem do elenco, não conseguiu se conter, emendando: “Já viram o vídeo na internet no qual David Lynch fala sobre assistir a filmes em celulares? É um lindo poema de 45 segundos. E diz: ‘Você acha que está vendo um filme de verdade numa p…a de telefone?’. Chequem no YouTube. É realmente lindo!”, provocou o ator. Nunca é demais lembrar a Farrell e aos leitores que David Lynch também está no Festival de Cannes. Ele foi acompanhar a projeção de seu novo trabalho, o revival da série “Twin Peaks”, que não será lançado nos cinemas, mas já está disponível no Brasil pela Netflix, para ser visto “numa p… de telefone”.
Naomi Kawase compartilha sua paixão pelo cinema no Festival de Cannes
A cineasta Naomi Kawase volta a provocar os sentidos com seu novo longa, “Radiance” (Hikari). Exibido no Festival de Cannes, o filme tem como tema a visão. Seus personagens são uma jovem funcionária de um serviço de audiodescrição de filmes para deficientes visuais e um fotógrafo maduro que encontra cada vez mais dificuldades para enxergar. Trata-se de um sequência temática de “Sabor da Vida”, um filme sobre o paladar. Mas “Radiance” também aborda o amor pelo cinema. E, principalmente, a dificuldade de se lidar com perdas. Seja a perda da visão. Seja de alguém importante, como o pai desaparecido da protagonista ou sua mãe perdida na senilidade. A trama gira em torno da jovem Misako (Ayame Misaki, de “Ataque dos Titãs”), que escreve áudio-descrições para filmes. Apaixonada pelo cinema, ela prefere filmes com finais felizes e mensagens edificantes. Por isso, ao ter seu trabalho avaliado por um grupo de espectadores, um deles (Masatoshi Nagase, de “Sabor da Vida”) reclama que ela descreve as cenas de forma subjetiva, quando deveria deixar espaço para a imaginação do espectador. A discussão é motivada pelo argumento de que palavras são menos impactantes do que as imagens. E foi exatamente este o ponto de partida da história, conforme revelou a diretora, na entrevista coletiva do festival. “A ideia me ocorreu há dois anos, quando vim para Cannes apresentar ‘Sabor da Vida’. Ainda no avião, checando documentos com as versões de audiodescrição do filme, reparei que os textos continham mais informações precisas sobre a ação e as emoções que as imagens apresentavam. Foi aí que me dei conta de que esses redatores amam o cinema tanto quanto nós”, contou Kawase “A verdade é que, através dos personagens de ‘Radiance’, estamos falando mesmo é dessa paixão pelo cinema”, ela desvendou. No filme, Misako também passa a admirar a força das imagens ao descobrir que seu crítico era um fotógrafo de renome, antes de começar a perder a visão. E suas obras mexem com ela, a ponto de mergulhá-la em seu próprio passado, retornando à casa da infância, no meio da natureza, como é comum nos filmes da cineasta. “Para nós, japoneses, a natureza é fonte de saúde e bem-estar, mas também de desastres, e temos a consciência disso. Temos a tradição de rezar para a natureza, porque entendemos que fazemos parte dela e sem ela não há como sobrevivermos. Os seres humanos têm a tendência de querer controlá-la, mas a verdade é que temos que respeitá-la, porque é a natureza que nos dá condições para vivermos nossas vidas”, ela ponderou, explicando porque seus filmes repetem este tema.
Hong Sang-soo transforma sua repetição em arte no Festival de Cannes
O diretor Hong Sang-soo é um raro cineasta asiático que costuma ter todos os seus filmes distribuídos no Brasil. O mais estranho nesta constatação é que suas obras não são sucessos de público. Mas isso não o impede de filmar sem parar, geralmente sobre as mesmas coisas. Repetição. Só este ano, já são três longas, todos sobre situações banais, que servem de ponto de partida para experiências sobre como relativizar uma narrativa cinematográfica. Esta banalidade disfarçada em estilo tem rendido prêmios em inúmeros festivais e convertido cinéfilos ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, entedia os não iniciados. Em competição no Festival de Cannes, “The Day After” não vai mudar opiniões sobre seu cinema. É mais uma história de corações partidos do diretor sul-coreano, calcada na contemplação e na repetição. E feita com estilo: filmada em preto e branco, com edição fragmentada, para marcar passagens bruscas de tempo, e paralelos que visam destacar que o protagonista é um homem fadado a se repetir. Desta vez, é um confusão de identidades que dispara a indefectível discussão filosófica de bar-restaurante, típica do cinema de noodles e álcool de Sang-hoo. O evento acontece durante os primeiros dias de trabalho de uma funcionária recém-contratada numa pequena editora. O proprietário da empresa traía a mulher com outra funcionária. Por isso, sua esposa desconfiada aparece de surpresa e estapeia a nova funcionária, que não tem nada a ver com a história. É a deixa para o bar-restaurante, onde a conversa se estende até o fim do filme. No ano passado, Hong Sang-soo confessou em Cannes que só precisava de duas coisas para fazer um filme: atores e um restaurante/café/bar. “São duas coisas muito físicas, um cenário e uma pessoa, e a partir daí trata de se abrir, de progredir para além da presença física”, descreveu. Neste ano, ele voltou a comparar atores com cenários, mas lhes concedeu também a capacidade de criar “clima”, via conversas espontâneas estimuladas por álcool e intimidade. Para conseguir esse clima, ele prefere trabalhar sempre com os mesmos atores, que já estão à vontade com seu método. “Os atores têm um papel fundamental em um filme; eles são como o cenário ou o clima de uma determinada história. Como meus trabalhos envolvem muito improviso em relação ao roteiro, acho importante trabalhar com quem já conheço e posso contar”, explicou. A bela Kim Min-hee, destaque de “A Criada” (2016), de Park Chan-wook, é uma das atrizes que se repetem sua filmografia há mais de 20 anos. Ela participou do primeiro filme do diretor, “O Dia em que o Porco Caiu no Poço” (1996), e está nos três filmes que Sang-soo lançou em 2017. O primeiro da safra, “On the Beach at Night Alone”, rendeu a Min-hee o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim. E, além de viver a nova funcionária de “The Day After”, ela também está em “Claire’s Camera”, outro filme do diretor no Festival de Cannes, exibido fora de competição. Questionado sobre sua obsessão pela repetição, ele filosofou. “Tenho desejo de entender, sair da confusão que me rodeia, o que não quer dizer que saiba analisar essa confusão de onde quero sair. O fato é que não sei nada de nada. Não sei qual a verdade absoluta. A única questão que me importa é: como posso viver melhor? O que posso fazer, apenas, é concentrar-me numa coisa pequena em profundidade e esperar que a partir daí isso se expanda”.
Michael Haneke filma burguesia para falar de crise humanitária em Cannes
Apresentado como um drama sobre a crise da imigração na Europa, o novo filme de Michael Heneke (“Amor”), que compete no Festival de Cannes, foca o tema apenas de forma ambígua, como um elemento secundário. Na verdade, “Happy End” é um drama sobre uma família burguesa de Calais, no Norte da França, onde existiu um dos maiores campos de refugiados europeus. Mas, segundo o diretor, o que não se vê destacado na tela é que é importante. E ele explicou porquê, durante a entrevista coletiva do festival. Em “Happy End”, a atriz Isabelle Huppert (“Elle”), que realiza seu quarto filme com o diretor, vive a chefe da família Laurent, administrando a empresa construtora do pai (Jean-Louis Trintignant, de “Amor”), um viúvo octogenário que não quer mais viver. Uma curiosidade da trama é que os personagens de ambos parecem ser os mesmos de “Amor”. Mas o tom, entretanto, é de ódio. As tensões entre os membros da família se tornam cada vez mais evidentes, envolvidos com negócios, divórcios, filhos negligenciados, ao mesmo tempo em que o filme ressalta seus privilégios de classe. Já a crise humanitária é sugerida apenas levemente, pela presença dos serviçais da família e os imigrantes que perambulam pelas ruas da cidade. Segundo o diretor, isso é proposital e reflete a forma como os personagens veem o mundo. “Essa história poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, não é sobre a situação em Calais, especificamente. O que o ambiente do filme pode fornecer é a ideia do quanto nos tornamos alheios à realidade à nossa volta”, apontou Haneke, na entrevista coletiva do festival. “Não é tão óbvio quanto parece, porque na realidade não há grandes surpresas nem artifícios em ‘Happy End’. Mas, sim, queria que ficassem claras as linhas que sobrevoam o argumento. Minha aposta é mostrar o menos possível para que seja a imaginação do espectador que complete o filme”. Mesmo assim, ele não reforça nenhum ponto com esclarecimentos necessários. “Não quero responder sobre os imigrantes, porque é você quem tem que responder a essa pergunta. Eu coloco pistas para o espectador e ele tem que encontrar suas respostas”, disparou, diante da tentativa de se criar um esboço mais claro de suas intenções. Mas Haneke não quer deixar nada claro. Ele busca provocar a imaginação desde as primeiras cenas de “Happy End”, que são perturbadoras, criadas pelo diretor de 75 anos com imagens de aplicativos de telefone. A opção também visou ressaltar que o excesso de informação da vida moderna não ensina nada sobre como se deve viver. “Há uma certa amargura no tipo de vida que levamos”, ele observou. “Somos constantemente inundados por informações, mas continuamos sem aprender nada com elas. A única coisa que conhecemos vem das nossas experiências pessoais.” Diante disso, torna-se inevitável questionar o título. Afinal, qual é o final feliz da história? Assim como todo o filme, Jean-Louis Trintignant explicou que o desfecho é propositalmente ambíguo. “Michael decidiu que seria assim, e, por isso, eu também estou contente”.
Cineastas europeus famosos assinam manifesto para enquadrar a Netflix
Importantes cineastas europeus, incluindo Michael Haneke (Áustria), Wim Wenders (Alemanha), Paolo Sorrentino (Itália), os irmãos Dardenne (Bélgica), Stephen Frears (Reino Unido), Michel Hazanavicius (França), Cristian Mungiu (Romênia), Fernando Trueba e Alejandro Amenábar (ambos da Espanha), assinaram nesta segunda-feira (22/5) um manifesto em defesa de maior regulamentação sobre os serviços de streaming na Europa. Divulgado no Festival de Cannes, onde a seleção de dois filmes da Netflix despertou polêmica, o abaixo-assinado defende a “territorialização” dos serviços, pede cotas para filmes europeus nos serviços de streaming em atividade na Europa, diferenciando a produção cinematográfica de cada país, além da implementação da mesma taxação existente para a TV e pagamentos vinculados à lucratividade de um filme. Enfim, regras fiscais e de proteção de mercado, num apelo dirigido ao Parlamento Europeu. Segundo o texto, “a integração dos gigantes da Internet na economia criativa europeia é determinante para o futuro do cinema”. E, para que isso aconteça, os cineastas consideram que “a Europa deve definir uma meta e assegurar as condições de um jogo competitivo mais justo e sustentável entre todos aqueles que difundem nossas obras”. “Todos os autores esperam que suas obras sejam acessíveis para o maior número de pessoas possível. Suas obras devem estar amplamente disponíveis em telas de cinema, TV e suas variantes digitais, e em todos os serviços on-demand”, diz o manifesto, que conclui com um chamamento. “Há muita coisa em jogo, mas o desafio é formidável: nos unirmos – atores políticos, criadores e cidadãos – para redesenhar e reconstruir uma política cultural exigente e ambiciosa, adaptada ao ambiente digital, a sua economia e as suas aplicações, que valorizem as obras e situem os criadores no epicentro da ação”, concluem. O texto até inclui um chavão: “A Europa não é o Velho Oeste selvagem e sem lei”. A frase visa reforçar o pedido de regulamentação, igualando streaming à exibição televisa. Ou, nas palavras do texto, “a aplicação das mesmas regras a todos os radiodifusores, plataformas, sites de compartilhamento e redes sociais”. Mas enquanto os cineastas buscam enquadrar a Netflix, não oferecem nenhuma palavra para incentivar o investimento, preferindo ignorar completamente a polêmica do festival francês, originada pela janela de lançamentos. Na França, o parque exibidor tem exclusividade de três anos sobre um filme, antes dele poder ser distribuído em outro formato, como streaming e vídeo. É um monopólio em descompasso com o resto do mundo e na contramão do interesse dos estúdios. O manifesto pode ser lido na íntegra, em inglês, no site da FERA, Federação dos Diretores de Cinema Europeus.











