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    A Balada de Buster Scruggs é uma aula de estilo dos irmãos Coen

    23 de novembro de 2018 /

    “A Balada de Buster Scruggs”, novo filme dos irmãos Joel e Ethan Coen, produção realizada pela Netflix que venceu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza, apresenta uma antologia formada por seis curtas/médias-metragens com histórias que se passam no Velho Oeste americano. O filme vem sendo comparado ao sucesso argentino “Relatos Selvagens” por conta da estrutura semelhante e pela inevitável violência com que seus conflitos e imbróglios são resolvidos. Embora o filme dos Coen tenha uma roupagem mais clássica comparada ao estilo mais anárquico de Damián Szifron. As seis histórias que compõem a trama trazem características marcantes dos diretores: o senso de humor estranho, às vezes escrachado, beirando a escatologia; a já citada violência, que surge de maneira inesperada, resolvendo conflitos em que aparentemente haveria outros métodos para solucionar as questões em si; personagens excêntricos, mas que à sua maneira possuem coerência dentro do universo estabelecido pelo filme; ritmo cadenciado, em que o local em que a trama acontece conta a história, com os personagens respeitando esse tempo; e um tom nefasto para tratar de histórias que podem sugerir maior leveza, ou vice-versa. Ethan e Joel são cineastas que não fazem muitas concessões à audiência, e tal característica se comprova como uma qualidade em Buster Scruggs. Trata-se de um exercício de estilo, em que a ambientação do local, personagens, tramas já são o filme, sem “nada além disso” por trás, ou sem nenhum maior objetivo. Ao mesmo tempo que as tramas se fecham em si, e como um todo, claramente não existe interesse dos diretores/roteiristas para que o filme se feche redondamente com uma história sendo facilmente reconhecível na outra. É outro tipo de coesão que é buscada aqui, mais interessada em seguir uma linha mestra estilística que é maior que as próprias histórias isoladamente. Somando-se a isso há a direção de fotografia de Bruno Delbonnel, que explora grandes cenários criando um visual arrebatador, com planos com grande profundidade de campo, estabelecendo um universo próprio de cores, sombras, sol escaldante, para auxiliar decisivamente na ambientação desse Velho Oeste que não se parece com outros, e que esconde perigos à espreita o tempo inteiro. O elenco, numeroso mas milimetricamente harmônico, tem função importante no filme. Todas as tramas trazem atuações destacadas, pois realmente cada personagem tem uma maneira própria de existir naquele tempo, naquele lugar, em atuações sucintas, evidentemente técnicas, precisas. Desde o ótimo Tim Blake Nelson, divertido, cafona na medida certa como o personagem título; James Franco e Stephen Root que fazem a dobradinha mais engraçada do filme; Zoe Kazan e Bill Heck criam uma forte relação entre seus personagens e com a plateia, na trama mais emocional; além do sempre excelente Brendan Gleeson, acompanhado de Jonjo O’Neill, Tyne Daly, Saul Rubinek e Chelcie Ross, que criam a única cena basicamente focada em diálogos, e fazem isso parecer fácil. Mas duas histórias se destacam: “Meal Ticket”, com Liam Neeson e Harry Melling, e “All Good Canyon”, com Tom Waits e Sam Dillon. Esses dois trechos são especiais por contarem com direção bastante econômica, com as informações relevantes sendo exibidas apenas visualmente, sem diálogos, e também por terem as melhores atuações do filme. Melling, o Duda da série “Harry Potter”, cria uma figura sensível, resvalando na autopiedade, mas que, pelo contraponto de Neeson, fica num meio termo dificílimo de ser alcançado. A cena em que Neeson assiste ao show da galinha, e conclui o óbvio, é o melhor momento do filme, uma aula de concisão de planos para passar uma informação interior do personagem. Já o outro trecho traz um verdadeiro exercício de paciência cinematográfica (para o lado bom), quando nos faz compreender seu ritmo, e que essa trama não teria metade do impacto se fosse decupada e montada de maneira mais ágil. A entrada do personagem de Sam Dillon é a chave para o entendimento de que filme (cena) estamos vendo, e o que se deve buscar. Tom Waits traz um peso diferente para este momento, e me faz torcer pra que ele retorne em breve para frente da câmera. Se for no próximo filme dos Coen, melhor ainda. Aliás, esses diretores já estão com o nome garantido na história, e para a nossa sorte parecem com lenha pra queimar por muito tempo ainda.

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    Ferrugem cria tensão com abordagem de bullying, mas subverte expectativas

    15 de setembro de 2018 /

    Aly Muritiba é um nome que se infiltra no sistema desde os curtas-metragens. Foi semifinalista do Oscar nesta categoria em 2013 com “A Fábrica”, que conta a história de um detento que convence a mãe a trazer um celular para a penitenciária. Seus curtas seguintes, com destaque para “Tarântula”, circularam em dezenas de festivais nacionais e internacionais, ganhando prêmios que foram crescendo de relevância gradativamente. A transição para os longas aparentemente foi natural para o diretor baiano radicado em Curitiba. Começou com o documentário “A Gente”, mostrando o cotidiano de carcereiros, ex-colegas do diretor (Muritiba trabalhou como carcereiro durante 7 anos antes de iniciar a carreira de cineasta), num presídio em Curitiba. Mas o salto mesmo veio com o excelente “Para Minha Amada Morta”, um dos melhores filmes de 2016. Este longa, o primeiro de ficção do diretor, circulou em festivais de maior destaque, como San Sebastián e Montreal – além de ter vencido seis prêmios no Festival de Brasília – fazendo com que o nome de Muritiba pintasse como uma nova voz instigante do cinema brasileiro. Portanto, não foi tão surpreendente ver “Ferrugem” surgindo com o carimbo da seleção oficial do Festival de Sundance, e conquistando Gramado no fim do mês passado. A sensação que fica ao se assistir ao trabalho é a de um filme tenso, bem filmado, com uma temática relevante e encarada com profundidade, mas que parece carecer de intensidade e foco na segunda metade, até que determinado personagem assuma maior função e, perto do fim, diga sobre o que de fato é o filme como um todo. Dividido em duas partes, o filme inicia apresentando o cotidiano da adolescente Tati (Tifanny Dopke), uma garota popular no colégio, que numa festa fica com Renet (Giovanni de Lorenzi). Nesse dia, o celular da garota some, e logo depois um vídeo íntimo dela cai no grupo de whats app do colégio. A situação da garota vai se tornando cada vez mais tensa, até culminar num gravíssimo acontecimento. A segunda parte é mais focada em Renet, e nas consequências do que vimos antes. O garoto é levado pelo pai, Davi (Enrique Diaz), para passar um tempo numa casa de praia, e lá percebemos de que maneira os acontecimentos mexem com a vida do rapaz, além do próprio pai. Quando conduzido por Tati, “Ferrugem” é grande. Muritiba é um cineasta que apresenta com densidade os desdobramentos psicológicos de suas personagens que, quando colocadas em situações extremas, são obrigadas a tirar de si atitudes que aparentemente não fazem parte da sua personalidade, mas que se tornam possíveis pelo contexto. Desde a inconsequência da adolescência e suas ações impensadas, e a evidente misoginia que casos como esse apresentam – afinal apenas a garota é vista como vagabunda, ou outra ofensa do tipo, enquanto que para o garoto exposto as consequências são muito mais brandas – , tudo chega na tela a partir de uma cadeia coerente de acontecimentos e comportamentos violentos que levam a uma atitude extrema. Essa violência está presente nas relações entre os adolescentes, nos insultos pichados no banheiro, nas “brincadeiras” durante a apresentação de um trabalho escolar, ou em ações mais sérias, como o garoto que também estava no vídeo, que reage com falta de caráter num momento delicado para a garota. Muito por conta da construção de tensão na excelente primeira metade, o filme causa uma impressão de forte queda ao iniciar sua segunda parte. É claro que a quebra de ritmo é uma proposta assumida pelo filme, deixando claro o elemento hitchcockiano da troca de protagonista e foco no meio do filme, o que demanda um tempo para que o espectador se acostume. Ao mesmo tempo, porém, é forte a sensação de que a história mudou para pior, seja qual for a intenção que a segunda parte tenha, principalmente no início. E aqui acredito que haja uma deficiência coletiva na construção do personagem de Renet, dividida entre os roteiristas, Muritiba e Jessica Candal, com o intérprete, Giovanni de Lorenzi. Aparentemente, teríamos uma versão adolescente do Raskolnikov de Dostoiévski, mas logo entendemos que não. E depois compreendemos que a segunda metade também não pretende dar continuidade à tensão da primeira parte com a dúvida se “ele fez ou não”, pois não há suspense. Sabemos o que o filme não quer ser, mas o que sobra? As imagens mostrando Renet na casa de praia, caminhando por ali perto, estão esvaziadas. A construção dramatúrgica e visual criada para que, ao vermos Tati parada olhando para o nada, reflexiva, compreendamos o que está passando pela sua cabeça, e que sua inação na verdade esconde uma cabeça fervilhando, está longe de se repetir com Renet. Ele não parece ter um conflito suficientemente bem desenvolvido para ter a missão de carregar a trama vinda de um momento de alto teor dramático. E a inexpressividade de Lorenzi não combina com a naturalidade dos atores ao redor. Não consigo me sentir conduzido pelo ator nas cenas dele encarando o nada, em que supostamente devemos projetar nessa imagem sentimentos do personagem. Sugere apenas aqueles filmes indies chatíssimos, com adolescentes caminhando num lugar aberto, com vento no rosto e nada na cabeça, algo que o filme de Muritiba não é. Com Tati, sim, somos conduzidos com determinação, compreendendo o que está em jogo, e como a personagem interpreta os fatos. No fim, entendemos a função do personagem de Enrique Diaz, e aí se fecha a ideia de Muritiba, que é sobre como os pais, por desleixo, falta de aptidão, ou por darem liberdade sem limites aos filhos, também são atores fundamentais dessa cadeia desestabilizada de relações. Sobre o quanto eles estão despreparados para ajudar seus filhos a encontrarem respostas, pois não estão sequer voltados para isso, nem demonstram vontade de conhecer de fato seus filhos (percebam que os pais de Tati não possuem rosto, quando estão em cena sempre estão fora de quadro) ou, mais grave ainda, fingem que os jovens estão bem, que o melhor a fazer é fingir que nada acontece, que está tudo bem, é só um probleminha. Se temos um déficit na atuação nesta segunda metade, é compensada pelo trabalho de Diaz, discreto, mas certeiro. Terminando de maneira condizente com a abordagem escolhida pela direção, “Ferrugem” é um exercício que subverte as expectativas do espectador, e isso acaba cobrando um preço. Ao mesmo tempo, Muritiba demonstra que é um diretor que veio pra ficar, pela maneira contundente com que aborda temáticas difíceis com naturalidade e segurança. Não é tão bom quanto “Para Minha Amada Morta”, mas ainda é um dos bons exemplares dessa ótima fase do cinema brasileiro.

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    Desobediência marca a estreia provocante de Sebastian Lelio em inglês

    18 de agosto de 2018 /

    Não é exagero dizer que o diretor chileno Sebastian Lelio é visto pelo mercado internacional como um dos novos cineastas mais relevantes do momento. Seus dois longas anteriores, “Gloria” (2013) e “Uma Mulher Fantástica” (2017) rodaram diversos dos festivais mais prestigiados do mundo, culminando com o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira em 2018. “Desobediência”, seu primeiro longa falado em inglês, vem como a grande prova do diretor até então, tendo que demonstrar que permanece com o mesmo espírito e criatividade que fez com que se destacasse ainda no Chile, e que também é capaz de dar conta de uma produção claramente mais cara, com mais obrigações a cumprir, com estrelas internacionais no elenco, etc. Lelio demonstra segurança, e faz um filme com temática e estilo muito parecidos ao que realizou anteriormente. Sua elegância nos cortes, na maneira de apresentar os personagens e deixar que os subtextos falem por si, e na direção de atores permanecem elogiáveis. É frustrante, porém, que tantas qualidades sejam colocadas em risco por um terceiro ato expositivo e convencional. Ronit (Rachel Weisz) é uma fotógrafa que mora em Nova York. É uma mulher forte e independente, que saiu de casa há muitos anos e leva a vida do jeito que quer. Ela é informada que seu pai morreu, o que a faz retornar ao lugar de onde veio, uma comunidade tradicional judaica, com regras muito rigorosas, principalmente para as mulheres. Seu pai era o líder, e seu retorno causa muitas dúvidas e desconfiança a todos. Nesse ambiente agitado, ela reencontra seu irmão, Dovid (Alessandro Nivola) e uma amiga de infância, Esti (Rachel McAdams), com quem havia tido um romance na época. O que ela não sabia é que os dois agora são casados, e a relação entre Ronit e Esti fica mais complexa após o retorno da fotógrafa. Quando focado na impossibilidade das personagens em serem felizes, e na conseguinte desobediência às leis, o filme é poderoso. Lelio constrói muito bem, de maneira cadenciada, a reaproximação de Ronit à comunidade, demonstrando visualmente, e através da expressão de Weisz, o quanto ela é diferente daquele lugar. Sua antiga casa é um lugar de cores frias, com atmosfera austera, clima denso – até por conta do luto – o que contrasta de maneira radical com os cenários que tem ao seu alcance em Nova York. E assim também são as pessoas para com ela, que possuem questões, dogmas, que representam uma vida a qual ela não pertence. Reencontrar seu irmão e um antigo amor nessas condições estabelece uma gama de questões em jogo, até numa conversa banal na cozinha, que demonstram perícia de Lelio para criar situações em que a compreensão de que o que não é dito é mais urgente do que o que se ouve. A delicada condução da relação entre Ronit, Esti e Dovid demonstra que a busca pela felicidade é a mesma para todos, mas as condições sociais em que cada um se insere modifica de maneira decisiva o trajeto. São três pessoas claramente honestas, que se importam pelas demais, mas que ferem o outro apenas por seguirem o que acreditam, ou por seguirem sua busca pessoal pelo que as faz felizes. É importante ressaltar as atuações de Weisz, McAdams e Nivola, que mesmo que tenham sido exigidos por conta de personagens com dramas intensos, conduzem-se longe do histrionismo, direcionando essa intensidade para as expressões, olhares, silêncios. As cenas possuem densidade dramática muito bem conduzida, afastando maniqueísmos, tornando a relação entre eles adulta, amarga e dolorida, pois assim é a vida. E exatamente por ser um trabalho de sutilezas, é bastante provável que sejam ignorados em premiações por aí. Há ecos inevitáveis de “Azul É A Cor Mais Quente” por conta do teor sexual que interliga as três personagens. Tal escolha oferece mais matizes sobre cada um, e dialogam com o sermão que ouvimos no início, sobre o equilíbrio entre o instinto e a obediência. E ocasionam a melhor cena do filme, a que as personagens mais se revelam. Fica difícil falar sem expor a trama, mas é realmente decepcionante o terceiro ato, quando toda a sutileza é colocada de lado para criar momentos de emoção imediata, jogando fácil pra que lágrimas venham ao fim. É tão complicado que faz com que se reveja detalhes dos personagens, se crie dúvidas em relação ao que vimos anteriormente, pois não se tratam de contradições dos personagens, ou novos fatos, mas sim uma maneira malsucedida de chegar a um final que concilia as coisas, com tudo ficando bem na medida do possível. É quase outro filme, outro jogo. Quase como se Lelio achasse que se o desfecho fosse com a mesma secura, poderia afastar a audiência. Infelizmente conseguiu efeito reverso. Torço pra que a trajetória “americana” de Lelio seja bem sucedida, caso ele decida permanecer fazendo filmes por lá. “Desobediência” é um filme elogiável, mesmo com deslizes, ficando acima da média da produção americana. Não é tão bom quanto “Gloria”, mas tem algo diferente a oferecer.

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    O Terceiro Assassinat leva os dramas familiares de Hirokazu Koreeda ao tribunal

    8 de julho de 2018 /

    Notabilizado por histórias de temáticas familiares e humanas, o cineasta japonês Hirokazu Koreeda tornou-se figura recorrente em festivais internacionais nos últimos anos. Seu cinema é constantemente comparado ao do grande mestre Yasujiro Ozu, o que pode parecer um exagero a princípio, mas a consistência que Koreeda vem alcançando nessa fase digamos, madura da carreira, faz com que as comparações não sejam levianas. Tal momento culminou neste ano com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, pelo ainda inédito “Shoplifters”. Em “O Terceiro Assassinato” o cineasta arrisca-se num outro gênero, o suspense. Embora a trama tenha os elementos mais característicos do estilo, Koreeda encontra maneiras de colocar a sua assinatura – afinal, como de hábito, o diretor também é o roteirista do filme – fazendo com que a investigação criminal caminhe para uma abordagem humanística, deixando de lado possíveis situações mais urgentes e tensas para privilegiar o desenvolvimento mais cadenciado dos personagens, explorando suas relações familiares, além de questões mais metafísicas sobre justiça, assassinato, morte. O resultado é um filme que é difícil falar mal, embora não empolgue para elogios. Depois de cumprir pena por um duplo assassinato, Misumi (Kôji Yakusho) encontra-se novamente preso, réu confesso de um latrocínio envolvendo o seu patrão. Shigemori (Masaharu Fukuyama) é o advogado contratado para evitar a pena de morte ao réu, e logo se vê confuso com as constantes mudanças nas conversas com seu cliente, que toda hora conta uma história diferente em relação ao crime. Conforme a investigação dos advogados avança, a trama vai se revelando mais intrincada do que aparentava, e o simples caso de latrocínio passa a esconder mais elementos por trás. Como já foi dito, o filme nem pretende se vender como thriller, portanto a investigação em si não é o foco, mas sim a reflexão acerca das versões sobre o crime, as possíveis motivações, além dos acontecimentos inesperados que percorrem a trama. A investigação é morna, mas caminha sempre para frente, a passos curtos. O fato da investigação ser conduzida por advogados e não policiais, como assistimos comumente, tem influência determinante no clima da produção. Koreeda é hábil ao mostrar que, em termos legais, é mais importante seguir num caminho que vai indicar melhores chances de reverter a sentença do que necessariamente descobrir toda a “verdade” do caso. Quando investe nessa lógica argumentativa mais seca e direta, o filme ganha matizes interessantes, contrastando com seu tom filosófico. A decupagem é segura e econômica, e alcança momentos de destaque nas cenas que se refletem no vidro na sala de interrogatório, em que o jogo de compreensão entre advogado e réu torna-se mais elevado, funcionando como um ponto de virada para a trama. Tais cenas também são destaque por conta da atuação elusiva e magnética de Kôji Yakusho. Muito diferente do clichê de um homem que cometeu um terceiro homicídio – atormentado ou atormentador – , Misumi é uma figura educada e gentil, que parece que chegou naquela condição por força das circunstâncias da vida. Sua construção é bastante precisa e paciente, principalmente na maneira como desenvolve suas diferentes versões e motivações, convencendo como homem desatento que às vezes não fala coisa com coisa por ter um parafuso a menos, mas que também demonstra ter capacidade para ser o oposto disso, alguém que sempre possui uma visão ampla da situação e joga de acordo com isso. Ao mesmo tempo, as digressões de Koreeda sobre os temas abordados são pertinentes mas não rompem nada. Competem com a trama detetivesca, fazendo com que o filme alcance um meio termo que pode parecer satisfatório devido a perícia da direção, mas que no fundo é um atestado de que o filme não possui impacto. A trilha sonora excessivamente convencional, com o piano emotivo já ouvido tantas vezes, também não contribui. É uma “tradição” do cinema de Koreeda uma espécie de desprezo a um desenvolvimento narrativo convencional, embarcando em jornadas sem conflitos aparentes. Só que quando o diretor coloca tal proposta num gênero como o suspense, isso acaba criando demandas que o filme nem parece interessado em cumprir. Não que a experiência tenha sido mal sucedida, mas apenas não parece ter havido o ajuste necessário para que houvesse aqui o mesmo nível de envolvimento que há nas histórias mais pessoais que o diretor escolhe contar, e que parecem abarcar melhor sua proposta. De todo modo, Koreeda segue sendo um dos cineastas mais interessantes de se acompanhar na atualidade, mesmo quando se aventura em caminhos inesperados. Por mais que o resultado não empolgue, ainda é possível enxergar ali cinema de gente grande.

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    As Duas Irenes explora contrastes e semelhanças em retrato sensível da puberdade

    24 de setembro de 2017 /

    O longa de estreia de Fábio Meira, “As Duas Irenes”, constantemente subverte expectativas, indo para caminhos imprevisíveis, optando por uma abordagem cadenciada e tranquila, quando muitos diretores cairiam na armadilha trazida pelo conflito principal do filme, concedendo espaço para situações exasperadas. A trama é protagonizada por Irene (Priscila Bittencourt), de 13 anos, filha do meio de 3 irmãs, que tem uma vida comum em algum vilarejo no interior. Ela parece sempre eclipsada pela irmã mais velha, de 15 anos, principalmente diante da festa de debutante que esta terá, e movimentará toda a cidadezinha. Certo dia, ela descobre que o seu pai, Tonico (Marco Ricca), tem outra família e uma filha, também com 13 anos e de mesmo nome, Irene (Isabela Torres). A garota entra na vida desta outra Irene e passa a conhecer melhor a sua irmã homônima e, consequentemente, a si mesma. Se fosse necessário definir em poucas palavras “As Duas Irenes”, diria que é um filme que preza pela delicadeza. Partindo do ponto de vista da garota de 13 anos, acompanhamos uma história de transição, em que a incompreensão dos acontecimentos ao seu redor faz com que a personagem se sinta ainda mais solitária e furiosa. Mas tudo isso mais pra dentro do que pra fora, quase que totalmente comprimido na expressão da personagem e não em diálogos. De maneira não óbvia, Meira faz com que as personalidades das duas irmãs se complementem. Enquanto a primeira Irene se sente incompreendida e frustrada por nunca poder fazer o que quer, sentindo-se superprotegida pelos pais, a outra tem mais liberdade, uma personalidade mais expansiva e objetiva, mas ressente-se de uma figura paterna mais presente. O triângulo formado pelas duas Irenes e Tonico é a base de um conflito aparentemente já visto, mas que aqui ganha desdobramentos complexos. A insatisfação das filhas com as atitudes erradas do pai está sempre na tela, mas, ao mesmo tempo, Tonico é uma figura indiscutível de autoridade e afeto por parte das duas, e mesmo não tendo capacidade de dimensionar tudo o que está em jogo, ambas adotam cautela na maneira como abordam o assunto do pai. A atuação de Marco Ricca é uma das principais qualidades do filme, contribuindo para que Tonico seja crível como essa figura de diversas faces. Completando o mosaico, as personagens estão passando pela puberdade, época da descoberta da sexualidade, e começam a se enxergar de outra forma. Isso, claro, também interfere na maneira como processam essas novas informações. E aqui entra o bom trabalho desempenhado pelas duas jovens atrizes principais, ambas estreantes. Tendo uma grande responsabilidade, Priscila Bittencourt cria uma Irene de expressão fechada, introspectiva, que parece saber sempre mais do que fala às pessoas. Numa construção econômica, ela resiste a todos os rompantes de fúria que parecem passar pela cabeça, optando por uma condução observadora, calada, que não revela seus sentimentos, embora fique claro que a sua cabeça está a mil. Já a Irene de Isabela Torres é o contraponto na medida certa. Extrovertida e com uma sexualidade latente, ela é objetiva na forma de conseguir o que quer, mas deixa transparecer levemente uma insegurança, que vem da falta da figura do pai mais presente. Duas atuações de difícil condução, que as jovens atrizes conseguem dar conta, indicando potencial – para serem acompanhadas de perto em próximos projetos. A direção clássica de Meira é econômica nos enquadramentos, optando por uma condução mais cadenciada, com o ritmo que o interior sugere. Claramente o foco está nas atrizes e seus cotidianos são mostrados com tranquilidade, sem a necessidade de espetacularizar nada. Meira parece entender que essa história ou já foi vista antes, ou que tem um padrão previsível e, portanto, o que tem de melhor a fazer é tirar o pé do acelerador e subverter a lógica mais prevista da condução desse “tipo de conflito”, oferecendo um desenvolvimento lento, mas que nunca revela falta de segurança. Falar mais seria estragar a surpresa. A direção de arte de Fernanda Carlucci também é um destaque por ser aparentemente invisível, o que normalmente é uma característica positiva nesta função. As casas das duas Irenes, de maneira simples e econômica, representam as diferentes classes sociais das personagens. Enquanto a da primeira é grande, espaçosa, nitidamente bem planejada, a outra é mais simples, menor, mais modesta, mas ainda assim aconchegante. E essa diferença se dá discretamente através da acertada escolha dos móveis, das cores das paredes, dos figurinos. Por sempre optar pelas sutilezas e subverter as expectativas mais apressadas, “As Duas Irenes” pode não ter as características que o levem a cair nas graças do grande público, mesmo que sua história seja agradável e de fácil assimilação. Muitos fatores de diversas naturezas interferem nisso. O que é uma pena, pois este é mais um dos trabalhos que indicam que o cinema brasileiro vive grande fase e possui muitas faces.

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  • É Fada
    Filme

    É Fada! faz sucesso com pouco esforço, preconceito e superficialidade

    15 de outubro de 2016 /

    Há alguma coisa muito errada nas comédias feitas para cinema no Brasil. A busca pelo riso certamente não é determinada por uma cartilha com regras definidas, portanto cada um é livre para buscar a sua maneira de fazer rir. Infelizmente, essa liberdade de escolha em vez de estimular os nossos comediantes a buscar o novo, parece dizer pra eles que a comédia é a manifestação artística do menor esforço, a que se conecta com o público com mais facilidade, e por isso não é necessário pesquisar, estudar, investigar nada, uma vez que o “jeito” engraçado basta para fazer rir. Mas não estou dizendo nada de novo. Quem acompanha as comédias produzidas pelo cinema brasileiro nos últimos anos sabe do que estou falando, e relatar isso aqui muda quase nada. “É Fada!” é um dos líderes de bilheteria no Brasil (assim como outras comédias nacionais foram em anos anteriores). No final do ano, o longa vai inchar o número de espectadores que os filmes brasileiros alcançaram em 2016, vai arrecadar um bom dinheiro, e agora eu vou ser o antipático aqui de novo. A roda gira. A trama preguiçosa e banal nos apresenta a Geraldine (Kéfera Buchmann), uma fada que perde as suas asas após levar um peteleco do ex-técnico da seleção brasileira de futebol, Luís Felipe Scolari, durante a semifinal da Copa do Mundo, por dar um conselho mal recebido pelo treinador – sim, é sério, é assim que o filme começa. Para ter as suas asas de volta, ela precisa ajudar Júlia (Klara Castanho), uma adolescente que, recém-chegada numa escola de classe alta, não possui um bom relacionamento com os colegas e ainda convive com os desentendimentos do pai operário com a mãe socialite. Não podemos nos esquecer de que “É Fada!” é dirigido por Cris D’Amato, diretora de outra atrocidade, “S.O.S Mulheres Ao Mar” (2014). A cineasta apresenta um olhar aguçado para realizar obras equivocadas, além, é claro, de um cinema de péssima qualidade. Enquanto o seu filme anterior é um absurdo manifesto machista (disfarçado de empoderamento feminino), este seu novo trabalho possui tantos preconceitos que fica difícil saber por onde começar. O conceito de fada aqui é modificado, e agora este ser mágico é a garota diferentona, danada, que quer zoar, provocar, safada, safadinha e safadona (como ouvimos incessantemente na música dos créditos finais), cheia de falas e gírias da moda, antenada com os memes e gifs mais tops do momento, e que sempre retira do seu ânus os objetos necessários para ajudar a sua cliente. Até aí “tudo bem”, mas o que a diretora e os seus roteiristas não perceberam é o tom terrivelmente preconceituoso, ignorante e equivocado que a personagem Geraldine traz para o filme! A extreme makeover que ela traz para a vida de Júlia é “arrumar” (esse é o verbo utilizado pela personagem) o cabelo da garota através de uma chapinha; encher o seu Instagram e Facebook de fotos em lugares que ela não foi; mentir para impressionar o boy e assim conseguir ficar com ele; fazer ela negar o pai e o amigo pobres para parecer rica e assim impressionar as típicas meninas populares/metidas/arrogantes, ou seja, transformar a garota num ser genérico e superficial cheia de boniteza. Tudo isso tendo como álibi uma frase curta dita no final do filme: “É errando que se encontra o caminho certo”. Sério? Passamos por 80 longos minutos de um filme muito mal realizado, com nada de engraçado, acompanhando uma série de absurdos que a fada induz a garota a fazer, tudo para aprendermos junto com ela que é errando que se aprende? O máximo que podemos aprender é que é errando muito que se faz uma comédia de sucesso de público no Brasil. Esse álibi também não cola pela série de comentários absurdos que a personagem comete quando, por exemplo, diz de maneira pejorativa que o cabelo de um rapaz parece uma samambaia, ou quando diz que é contra falsificação por isso parou de ir à China. E sendo preconceituoso se aprende o quê? Mas quem me dera que os defeitos do filme estivessem “apenas” aí. D’Amato tem a sutileza da pata de um elefante para estabelecer os conflitos do filme, que por sinal abusam de clichês. A escola na qual a garota estuda foi tirada de algum filme do John Hughes nos anos 1980, em que apenas o estereótipo norte-americano foi pinçado, sendo (mal) encaixado de maneira grosseira no contexto brasileiro. Os conceitos mais batidos de bullying e das diferenças entre as classes sociais dos alunos são repetidos a exaustão pra fixar bem na nossa cabeça. Os personagens, todos, são absolutamente rasos na sua criação e desenvolvimento. A fada é diferentona, safadinha; a garota é infeliz e tímida e vislumbra a chance de ser bonita e popular; o pai é honesto, trabalhador humilde que se decepciona com a perda de valores da filha; a mãe é rica, indiferente, e se preocupa apenas se a filha está bem vestida e tem amigos ricos; e as vilãs são vilãs porque o mal é legal de fazer. Os supostos arcos dramáticos envolvendo estas figuras são previsíveis, e demonstram como o roteiro desde sempre se contentou em trabalhar com arquétipos pra facilitar a compreensão da geração do Youtube – o público alvo do filme por contar com Kéfera no elenco – que, acostumada com vídeos de curtíssima duração, poderia ficar desestimulada a assistir ao filme se os personagens propusessem uma discussão minimamente complexa. Sei. Isso sem contar as situações mal planejadas e desenvolvidas, como a levitação fora de hora em um momento específico, porque “deu erro” na chamada pro mundo das fadas, numa festa vendida como bombante, mas que foi filmada de maneira esvaziada e desanimada; a sequência risível (talvez o único momento que dei uma risada) em que o filme tenta assumir um tom dramático ao propor um conflito pela guarda de Julia por conta dos desentendimentos dos pais; além da sequência em que a vilã aparece e fala todo o seu plano e o que o levou a realizar tamanha maldade. A pegada publicitária da fotografia e montagem denota a total falta de criatividade e capacidade de D’Amato como diretora. Deve ter sido difícil e caro o aluguel do drone para fazer as imagens de apoio e transição, pois fica claro que cada segundo em que é possível inserir uma imagem aérea ela é inserida, mesmo quando o recurso já cansou há tempos. Parece que a diretora considera sofisticado o efeito, e se apaixonou pela ideia, quando no fundo temos apenas uma sensação artificial trazida por um efeito criativamente pobre. Outro ponto que deve ser um desafio e tanto para a diretora é a decupagem nas cenas de dança. Pra quê tantos cortes, meu Deus? Pra dar ritmo à cena? Tal característica demonstra uma notável incapacidade de D’Amato, pois não causa o efeito esperado, apenas nos deixa perdidos, com uma leve dor de cabeça, sem saber onde está cada coisa. As duas sequências de dança mais importantes do filme são verdadeiramente constrangedoras. Os efeitos digitais chamam a atenção negativamente nos tirando do filme. O desenho de produção da “floresta” onde vive Geraldine parece ter sido feito por um aluno de primeiro período de design utilizando um Windows 95, enquanto que a inserção digital de um copo de Rei do Mate na cena do clube explicita o quanto este filme não é levado a sério nem mesmo pelos seus realizadores. Mas como já disse lá no início da crítica, esse texto não muda muita coisa. Vida que segue.

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