Os dinossauros voltam a ocupar os cinemas em larga escala, com uma nova geração de personagens e perigos produzidos por Steven Spielberg. “Jurassic World: Recomeço” é a única estreia ampla no circuito nesta quinta (3/7). A programação limitada ainda inclui três dramas europeus e o novo documentário de Petra Costa, “Apocalipse nos Trópicos”, sobre a ascensão evangélica na política nacional.
JURASSIC WORLD: RECOMEÇO
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O novo capítulo da franquia jurássica é um pseudo “reboot”, planejado para resgatar o espírito do filme original de 1993. Para realizar esse objetivo, a Universal Pictures trouxe de volta David Koepp (roteirista de “Jurassic Park” de 1993) e contou com envolvimento direto do produtor executivo Steven Spielberg, que colaborou intensamente no desenvolvimento do roteiro durante seis meses. A direção ficou a cargo de Gareth Edwards (experiente em criaturas gigantes graças a “Godzilla”, além de diretor de “Rogue One: Uma História Star Wars”), marcando o provável começo de uma nova trilogia.
O enredo se passa cinco anos após os eventos de “Jurassic World: Domínio” (2018) e busca iniciar um capítulo totalmente novo dentro da saga, independente da trilogia anterior. Ambientado em um mundo que se revelou amplamente hostil aos dinossauros soltos na natureza, “Recomeço” mostra as poucas espécies sobreviventes confinadas a regiões tropicais remotas, de clima semelhante ao de seus habitats pré-históricos.
O elenco marca uma renovação total da franquia. Scarlett Johansson (“Viúva Negra”) vive Zora Bennett, uma agente de operações secretas encarregada de uma missão ultrassecreta ao lado do paleontólogo Dr. Henry Loomis (Jonathan Bailey, de “Bridgerton”) e do líder de equipe Duncan Kincaid (Mahershala Ali, de “Green Book”). O objetivo do grupo é infiltrar-se na isolada Ilha Saint-Hubert – um antigo centro de pesquisas – para localizar as três maiores espécies pré-históricas remanescentes da terra, do mar e do ar, coletando seu material genético. A motivação por trás desse plano audacioso é desenvolver um medicamento revolucionário capaz de salvar inúmeras vidas humanas
Ao longo da jornada, a equipe de Zora cruza o caminho de uma família de civis náufragos e descobre que a ilha abriga experimentos fracassados do Jurassic Park: dinossauros mutantes que prosperaram isolados por décadas. Entre essas criaturas está o Distortus rex, um Tiranossauro mutante deformado com seis membros, e os Mutadons – híbridos alados de pterossauro com velociraptor –, além do retorno triunfal do temível Espinossauro, ausente desde “Jurassic Park III”. Enfrentando espécies inéditas e perigos imprevisíveis, Zora e sua equipe lutam contra o tempo para cumprir a missão, enquanto a natureza selvagem e os vestígios das ambições humanas colocam todos em risco.
O roteiro de David Koepp incorporou ideias dos romances de Michael Crichton que nunca foram aproveitadas nos filmes originais, resgatando o clima de deslumbramento e ameaça do Jurassic Park original. Assim, o filme adota um tom mais contido e tenso em comparação aos antecessores recentes, enfatizando cenas de perseguição e sobrevivência em meio à selva fechada e escuras instalações, numa atmosfera quase de filme de monstros. As filmagens usaram película de 33mm e aconteceram em locações reais da Tailândia, Malta e Reino Unido entre junho e setembro de 2024, reforçando o compromisso com cenários realistas e efeitos práticos integrados a computação gráfica de ponta – uma abordagem responsável por trazer de volta a “textura” palpável dos filmes originais mesmo em meio a cenas repletas de CGI.
JOVENS AMANTES
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O drama nostálgico e autobiográfico dirigido pela atriz e cineasta Valeria Bruni Tedeschi traz memórias da década de 1980, quando ela foi aluna da célebre escola de teatro Les Amandiers, em Paris, sob a direção do lendário encenador Patrice Chéreau. A trama acompanha um grupo de jovens atores cheios de paixão, talento e inquietações que ingressam na escola para viver o sonho artístico. A produção esbanja autenticidade ao recriar a época – do figurino às músicas new wave –, acompanhando Stella (Nadia Tereszkiewicz, “A Última Rainha”) e seus colegas recém-admitidos na prestigiada escola de teatro. Sob a batuta intensa e imprevisível do diretor Patrice Chéreau (Louis Garrel, de “Adoráveis Mulheres”), esses jovens mergulham de cabeça no universo das artes cênicas. Nas aulas e ensaios, eles exploram os clássicos e testam seus limites criativos, enquanto fora do palco experimentam os primeiros amores, descobertas, excessos e tragédias típicas da juventude.
Stella rapidamente faz amizade com Etienne (Sofiane Bennacer) – um rapaz carismático por quem ela se apaixona perdidamente – e com Adèle (Clara Bretheau), François (Micha Lescot) e outros colegas que formam uma turma unida. Juntos, eles vivenciam intensamente cada emoção: as descobertas sexuais, o deslumbramento com a liberdade longe dos pais, o uso de drogas como parte do espírito transgressor da época e, inevitavelmente, a dor das perdas (o espectro da AIDS, que nos anos 1980 abalou a comunidade artística). Conforme o grupo monta uma encenação da peça “Platonov”, de Tchekhov, relacionamentos florescem e se rompem, surgem conflitos de ego, inseguranças quanto ao próprio talento e o confronto repentino com a mortalidade quando um dos colegas adoece. O filme retrata essa geração “contaminada” tanto pelo vírus do HIV quanto por uma fome de vida e arte que os faz queimar etapas. Ao final do curso – e do verão quente em que a história transcorre – aqueles jovens amantes e artistas revelam cicatrizes e aprendizados que os lembrarão para sempre daquela época em que arte, amizade, amor e tragédia se misturaram.
Valeria Bruni Tedeschi, conhecida por dirigir dramas pessoais (“Um Castelo na Itália”), coloca muito de si em “Jovens Amantes”. Ela coescreveu o roteiro ao lado de Noémie Lvovsky e Agnès de Sacy, duas colegas suas da época e retratadas no filme sob nomes fictícios. Essa colaboração resultou em um tom de autenticidade tocante – várias cenas e diálogos saem diretamente das lembranças compartilhadas do trio de autoras. Além disso, muitas cenas são filmadas com câmera na mão, dando um caráter espontâneo e quase documental às sequências. O resultado são interpretações vivas e verdadeiras, com destaque para Nadia Tereszkiewicz, que transita da euforia à devastação com enorme verdade – atuação que lhe rendeu o prêmio César de Atriz Mais Promissora do ano -, enquanto Louis Garrel, ele próprio filho de artistas da época, funciona na tela como alter ego da velha guarda artística francesa.
PEDAÇO DE MIM
▶ Assista ao trailerO drama francês intimista marcou a estreia da cineasta Anne-Sophie Bailly com três prêmios no último Fetival de Veneza, incluindo o troféu de Melhor Direção. A premissa explora de forma delicada e realista temas pouco abordados no cinema, como sexualidade, consentimento e os desafios da parentalidade envolvendo pessoas com deficiência intelectual.
A veterana Laure Calamy (“Dix pour Cent”) vive Mona, uma mulher divorciada na faixa dos 60 anos que dedicou a vida aos cuidados de seu filho, Joël (Charles Peccia-Galletto, ator com síndrome de Down), um homem adulto com deficiência intelectual. Os dois vivem uma rotina tranquila em um pequeno apartamento nos subúrbios de Paris, compartilhando um vínculo mãe-filho extremamente próximo e codependente. Com quase 30 anos, Joël trabalha em uma instituição para pessoas com necessidades especiais e está perdidamente apaixonado por Océane (Julie Froger), sua colega de trabalho que também possui deficiência. A mãe, porém, nada sabe sobre esse relacionamento do filho – até que, de forma inesperada, descobre que Océane está grávida.
A gravidez cai como uma bomba: de um lado, Mona se vê confrontada pela iminente responsabilidade de ser avó e apoiadora de um jovem casal com deficiência; de outro, sente seu mundo girar ao perceber que Joël construiu uma vida amorosa própria, rompendo a bolha de proteção em que viviam. A partir daí, a relação antes harmoniosa entre mãe e filho se desequilibra: Mona oscila entre o amor incondicional e o medo de “perder” o filho para a vida adulta, enquanto Joël luta pela independência ao lado de Océane. Velhas feridas e ressentimentos reprimidos emergem conforme Mona tenta conciliar seu desejo de finalmente cuidar de si mesma com a necessidade de apoiar Joël nessa nova fase. O choque de emoções ameaça o frágil laço que os une, levando todos ao limite enquanto se preparam para a chegada do bebê e um futuro cheio de incertezas.
Influenciada pelo cinema social francês, Bailly privilegia tomadas com câmera na mão e luz natural, recriando uma estética que remete aos anos 1980 e às obras intimistas daquela época. Essa opção dá ao filme uma atmosfera quase documental, aproximando o espectador do cotidiano dos personagens sem filtros ou idealizações.
Por abordar a sexualidade de pessoas com deficiência e a superproteção materna, o filme inevitavelmente lembra obras como “The Sessions – As Sessões” (2012) e o francês “Além das Normas” (2019), que também tratam de inclusão e autonomia de forma franca. No entanto, “Pedaço de Mim” trilha seu próprio caminho graças ao bom senso agudo da diretora, capaz de abordar temas espinhosos com delicadeza. Por conta de sua sensibilidade, foi recebido com entusiasmo pela crítica internacional.
HOT MILK
▶ Assista ao trailerFilmado sob o sol intenso da costa do Mediterrâneo, o drama britânico explora os desejos e tensões na relação entre mãe e filha em meio a uma paisagem de praia ensolarada e atmosfera onírica. As atrizes Emma Mackey (“Sex Education”) e Fiona Shaw (“Killing Eve”) lideram o elenco como Sofia e Rose, que viajam a uma cidade costeira no sul da Espanha em busca de tratamento para uma doença misteriosa da matriarca. Elas desembarcam em Almería, região árida e banhada pelo mar, onde Rose deposita suas esperanças no enigmático Dr. Gómez (Vincent Perez), um curandeiro não-convencional. Sob o sol implacável do verão espanhol, as duas se instalam em uma rotina de consultas médicas pouco ortodoxas e dias lentos.
Enquanto Rose se submete aos métodos caros e experimentais do médico, Sofia se vê imersa em um ócio inquietante: aos 25 anos, ela passou a vida cuidando da mãe e abriu mão de ambições pessoais. Agora, longe de casa e sem obrigações imediatas, começa a sentir um desejo de liberdade nunca experimentado. Esse anseio ganha forma quando ela conhece Ingrid (Vicky Krieps, de “Trama Fantasma”), uma estrangeira misteriosa, que fascina Sofia com sua independência e sensualidade. As duas engatam um caso intenso e Sofia experimenta pela primeira vez um mundo além do controle materno – noites de festa, banhos de mar sob a luz da lua e a descoberta de sua sexualidade longe dos olhos da mãe. Porém, Ingrid carrega segredos e traumas familiares que a tornam mais parecida com Rose do que Sofia poderia imaginar.
A cineasta Rebecca Lenkiewicz faz sua estreia na direção após se destacar como roteirista de histórias femininas de grande impacto – ela coescreveu o vencedor polonês do Oscar “Ida” (2013) e o drama “Ela Disse” (2022) sobre o caso Harvey Weinstein. Tento como ponto de partida o romance homônimo de Deborah Levy, ela constrói um estudo de personagens pontuado pela narração em off dos pensamentos de Sofia (em trechos retirados do romance). Muitas cenas são contemplativas, com a personagem vagando por paisagens desoladas ou olhando seu reflexo na água. A crítica achou entediante, resultando numa média baixíssima, de apenas 26% de aprovação no Rotten Tomatoes. De todo modo, “Hot Milk” dialoga com obras sobre amadurecimento tardio e laços maternos sufocantes, com ecos de “Minha Mãe” (2015, de Nanni Moretti) e até de “Me Chame pelo Seu Nome” (2017) nas cenas de despertar sexual sob o sol mediterrâneo.
APOCALIPSE NOS TRÓPICOS
▶ Assista ao trailerO novo documentário de Petra Costa – cineasta brasileira indicada ao Oscar por “Democracia em Vertigem” (2019) – mergulha na interseção alarmante entre religião e política no Brasil contemporâneo. Coescrito com Alessandra Orofino (“Greg News”), o longa investiga como o crescimento do cristianismo evangélico, com sua ideologia de fim dos tempos, desempenhou um papel crucial na ascensão do presidente Jair Bolsonaro e de sua agenda de extrema-direita, ao mesmo tempo em que levanta questões sobre o risco de uma teocracia influenciando os rumos da democracia brasileira.
Com produção executiva da Plan B Entertainment (empresa do ator Brad Pitt) e da Netflix, Petra teve a seu dispor recursos inéditos para um documentário nacional. Ao longo de quase uma década de pesquisa e filmagens, a diretora obteve acesso direto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao pastor Silas Malafaia, figura de destaque no bolsonarismo evangélico. Seu trabalho não se limita ao registro de acontecimentos políticos, questionando “a sedução do poder, da profecia e da crença” e conectando experiências pessoais, registros históricos e símbolos religiosos em uma narrativa que, na visão da diretora, reflete um momento de colapso institucional no país.
O filme entrelaça passado e presente para traçar paralelos históricos – mostra, por exemplo, como a teologia da prosperidade e a expansão neopentecostal ganharam força desde a redemocratização, influenciando parlamentares e formando uma bancada evangélica robusta. Imagens de arquivo dos cultos gigantes em estádios, trechos de sermões inflamados sobre o “fim dos tempos” e cenas da campanha eleitoral de Bolsonaro embasam a narrativa. Momentos-chave do governo também são esmiuçados sob essa ótica: a gestão da pandemia de Covid-19 (quando Bolsonaro minimizou vacinas e alinhou-se a pastores que chamavam o vírus de “castigo divino”), e os protestos de 7 de setembro com forte participação religiosa. O clímax do documentário é a cobertura das chocantes cenas de 8 de Janeiro de 2023 – quando extremistas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília – dando glórias a Deus.
Exibido fora de competição no Festival de Veneza, arrancou aplausos e atraiu atenção internacional para o cenário político brasileiro. Desde então, percorreu um circuito de grandes festivais: foi exibido no Telluride Film Festival nos EUA, integrou a seção Spotlight do Festival de Nova York, passou pelo Festival de San Sebastián, na Espanha, e venceu o Prêmio Coral de Melhor Documentário no Festival de Havana, em Cuba, antes de ganhar seu lançamento nacional, limitado ao Rio de Janeiro e São Paulo. A estreia global será na Netflix em 14 de julho, o que o coloca na busca por uma vaga no Oscar 2026, e com aprovação da imprensa americana. A Variety destacou que Petra “faz do Brasil uma parábola para os EUA” e elogiou a coragem da diretora ao expor forças que muitos preferem ignorar, enquanto The Hollywood Reporter revelou que a Netflix planeja campanha de premiação para o filme, tamanha a confiança em sua qualidade e relevância.