Complicações de malária encerram trajetória
Sebastião Salgado morreu nesta sexta-feira (23/5), aos 81 anos, em decorrência de uma leucemia severa originada por complicações de malária contraída em 2010, durante o desenvolvimento do projeto “Gênesis” na Indonésia. Segundo comunicado enviado pela família à agência AFP, “ele contraiu uma forma particular de malária em 2010, na Indonésia, no âmbito do projeto Gênesis. Quinze anos depois, as complicações desta doença resultaram em uma leucemia severa, que acabou por vencê-lo”.
Nascido em 1944, na Vila de Conceição do Capim, distrito do município de Aimorés (MG), Salgado se destacou por registrar populações marginalizadas, injustiças sociais, trabalhadores rurais, refugiados e povos originários em ensaios marcados pelo preto e branco de alto contraste, composição rigorosa e domínio da luz natural.
Obras expostas e carreira internacional
No momento de sua morte, Salgado mantinha exposição no centro Les Franciscaines, em Deauville, França, reunindo mais de 400 fotografias do acervo do Maison Européenne de la Photographie. Em entrevista à revista Forbes, publicada na quinta-feira (22), o fotógrafo afirmou que a exposição era “um passeio” por sua vida.
No Brasil, a partir de 30 de maio, a Casa Firjan, no Rio de Janeiro, abre a mostra “Trabalhadores”, com 149 imagens que documentam atividades manuais em diferentes países, sob curadoria de Lélia Wanick Salgado, esposa e colaboradora de longa data. O perfil oficial do terra/" class="tag-link" title="Ver mais sobre Instituto Terra">Instituto Terra, organização criada pelo casal para recuperação ambiental, destacou: “Sebastião foi muito mais do que um dos maiores fotógrafos de nosso tempo. Ao lado de sua companheira de vida, Lélia Deluiz Wanick Salgado, semeou esperança onde havia devastação e fez florescer a ideia de que a restauração ambiental é também um gesto profundo de amor pela humanidade. Sua lente revelou o mundo e suas contradições; sua vida, o poder da ação transformadora”.
Formação e primeiros trabalhos
Graduado em economia, com mestrado na USP e na Sorbonne, Salgado iniciou a carreira fotográfica ao documentar viagens profissionais pela África. Em Paris, trabalhou nas agências Sygma e Gamma até integrar a Magnum. Cobriu a guerra de independência de Moçambique, onde sobreviveu a um ataque com mina terrestre e passou a sofrer dores crônicas. Outro episódio marcante foi o registro do atentado contra Ronald Reagan, em 1981. O dinheiro obtido com as fotos financiou sua primeira série autoral no continente africano.
Obras autorais que marcaram época
O livro “Outras Américas” (1986) resultou de um retorno ao Brasil e à América Latina, com imagens sobre vida rural e resistência indígena. “Meu único desejo era voltar à minha terra bem-amada, para meu Brasil do qual um exílio um pouco forçado me obrigou a me afastar”, afirmou Salgado.
Em Paris, fundou com Lélia Wanick Salgado a agência Imagens da Amazônia, organizando projetos como “Trabalhadores”, “Terra”, “Êxodos”, “Gênesis” e “Amazônia”. “Terra” (1997) documentou conflitos agrários, resultando em livro com prefácio de José Saramago e álbum de Chico Buarque. “Êxodos” (2000) abordou deslocamentos forçados por guerras e crises ambientais, somando seis anos de pesquisa.
“Genêsis” investigou ambientes naturais ameaçados e populações tradicionais, enquanto “Amazônia”, publicado em 2021, retratou a vida de povos indígenas e ecossistemas brasileiros. Exposições itinerantes de suas fotos passaram por Paris, Rio de Janeiro e São Paulo, com trilha sonora de Jean-Michel Jarre.
Reconhecimento internacional e iniciativas ambientais
O Instituto Terra, criado pelo casal em 1998, recuperou mais de 2 milhões de árvores e cerca de 2,5 mil nascentes na Mata Atlântica. “Nós hoje trabalhamos em um projeto imenso, talvez o maior projeto de águas do planeta. Estamos recuperando milhares de nascentes e, para você recuperar uma nascente, você tem que plantar uma microfloresta de mais ou menos 500 árvores”, disse Salgado. “Quando comecei aqui, eu vinha doente de reportagens duríssimas que eu fiz na África. Meu corpo estava morrendo e essa terra me curou. É algo assim que te dá um prazer de lavar a alma”.
O impacto de suas realizações acabou rendendo o documentário “O Sal da Terra” (2014), dirigido pelo alemão Wim Wenders (“Paris, Texas”) em parceria com o filho do fotógrafo, Juliano Ribeiro Salgado. Com um passeio pela vida e obra do artista mineiro, o filme venceu o César (o Oscar francês), o Prêmio do Júri do Festival de Cannes e ainda foi indicado ao Oscar.
No ano passado, o New York Times ainda incluiu uma foto de Salgado na lista das 25 imagens que definem a era moderna. O registro retrata trabalhadores em garimpo na Serra Pelada (PA), em 1986. “Um dos aspectos mais marcantes das fotografias de Sebastião Salgado de uma mina de ouro a céu aberto no Brasil é a escala”, apontou o jornal.
Família, prêmios e legado
Salgado foi casado durante 61 anos com a arquiteta e ambientalista Lélia Wanick Salgado, que editou seus livros e organizou exposições. O casal teve dois filhos: o cineasta Juliano Ribeiro Salgado e Rodrigo, pintor que desenvolveu carreira própria, expondo na França e criando vitrais para a igreja Sacré-Coeur de Reims.
Em abril, Salgado comentou sobre o próprio percurso: “Só me falta morrer agora. Tenho 50 anos de carreira e completei 80 anos. Estou mais perto da morte do que de outra coisa. Uma pessoa vive no máximo 90 anos. Então, não estou longe, mas continuo fotografando, continuo trabalhando, continuo fazendo as coisas da mesma forma. Não tenho nenhuma preocupação nem nenhuma pretensão de como serei lembrado. É minha vida que está nas fotos e nada mais”.
O fotógrafo acumulou os principais prêmios da fotografia mundial e deixa um acervo reconhecido como referência estética e histórica. Seu legado inclui contribuições ao fotojornalismo, à documentação dos direitos humanos, ao ambientalismo e ao resgate visual de comunidades invisibilizadas.
Em nota oficial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que “sua obra continuará sendo um clamor pela solidariedade”. “Seu inconformismo com o fato de o mundo ser tão desigual e seu talento obstinado em retratar a realidade dos oprimidos serviu, sempre, como um alerta para a consciência de toda a humanidade”, disse o presidente, que definiu Salgado como “se não o maior, um dos maiores e melhores fotógrafos que o mundo já produziu”.