Lésbicas sem direito a afeto
Contrariando expectativas e a promessa da autora Manuela Dias, o remake de “Vale Tudo” está decepcionando quem esperava ver Cecília (Maeve Jinkings) e Laís (Lorena Lima) vivendo plenamente uma relação homoafetiva na TV aberta. A adaptação foi apresentada como uma versão moderna, com a decisão de mostrar, desta vez, a família formada pelas personagens vivendo felicidade plena. Entretanto, na prática, o casal só enfrenta tragédias e nem sequer consegue manifestar afeto.
Apesar de dividirem o comando de uma pousada e compartilharem momentos de carinho, Cecília e Laís não tiveram direito a nenhum beijo em cena, nem mesmo um selinho durante o pedido de casamento, situação que contrasta com os casais heterossexuais da trama. A ausência de gestos explícitos escancara o limite imposto à narrativa e expõe os limites conservadores da modernidade prometida.
Sem beijos, sobram tragédias
O roteiro chegou a celebrar conquistas inéditas, como a adoção provisória de Sarita (Luara Victória), mas a felicidade é rapidamente substituída por tragédias. Cecília será alvo de sabotagem e sofrerá um acidente de carro, entrando em coma prolongado – mudança em relação ao destino pior do original, já que Manuela Dias antecipou que a personagem não morre no remake. O drama se aprofunda com Marco Aurélio (Alexandre Nero) tentando tirar a guarda de Sarita de Laís, numa tentativa de humanizar o vilão e redesenhar seu papel, diferente do Marco Aurélio de 1988.
Enquanto enfrenta a internação da companheira, Laís também terá seu destino marcado pelo sofrimento. Em um passeio de barco, desaparece e permanece isolada em uma ilha deserta, até ser resgatada dias depois, já debilitada. Ao retornar, descobre que Sarita foi levada pelo cunhado ao Rio de Janeiro, ampliando o ciclo de separações e desencontros que cerca a família.
Trinta e sete anos depois, preconceito persiste
Na versão original de “Vale Tudo”, a relação de Cecília (Lala Deheinzelin) e Laís (Cristina Prochaska) era apenas sugerida, com cenas cortadas pela censura vigente em 1988. Cecília morreu em um acidente de carro, catalisando discussões sobre direitos de casais homoafetivos. O remake prometia superar as barreiras históricas à famílias LGBTQ+ na TV brasileira – embora sitcoms americanas já tenham tornado isso corriqueiro – , mas as personagens seguem impedidas de demonstrar afeto e barradas no direito à felicidade. Trinta e sete anos depois, as mudanças são mínimas, mesmo diante de um cenário social transformado.