Estreias | “Madame Teia” e “Bob Marley” chegam nos cinemas

Circuito cinematográfico também recebe o premiado "Zona de Interesse", que disputa cinco Oscars, e uma nova animação da série infantil "Masha e o Urso"

Divulgação/Sony

A programação desta quinta (15/10) recebe dois lançamentos amplos, “Madame Teia” e “Bob Marley – One Love”. Em sua intensa campanha de divulgação, a Sony até trouxe a atriz Dakota Johnson ao Brasil, antes do Carnaval, mas o filme da personagem secundária dos quadrinhos do Homem-Aranha representa um retrocesso no gênero e deve se somar à onda recente de fracassos dos super-heróis no cinema. Com apenas 15% de aprovação no Rotten Tomatoes, disputa com “Morbius” o título de pior adaptação da Marvel no século. Já a cinebiografia do ícone do reggae segue o padrão reducionista e genérico de outras produções similares. A aprovação é 42%.

Em menos salas, também se destaca o novo desenho animado da franquia “Masha e o Urso”, mas o filme é, na verdade, uma compilação de episódios novos da série disponível na Netflix.

Com isso, a melhor estreia da semana é um lançamento limitado, “Zona de Interesse”, retrato de uma família nazista feliz nos subúrbios, ao lado do campo de concentração/extermínio de Auschwitz. Já vencedor de 45 prêmios internacionais, disputa cinco Oscars na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, marcada para 10 de março.

 

MADAME TEIA

 

O mais novo spin-off do universo expandido do “Homem-Aranha”, produzido pela Sony, busca explorar personagens periféricas da Marvel, seguindo os passos de filmes anteriores como “Venom” e “Morbius”, inclusive em sua qualidade duvidosa. O filme dirigido por S.J. Clarkson (“Jessica Jones”) e estrelado por Dakota Johnson (“Cinquenta Tons de Cinza”) segue Cassandra Webb, uma paramédica que começa a desenvolver habilidades psíquicas. Graças ao poder de ver o futuro, ela descobre a ameaça de um psicopata assassino, focado em matar um trio de jovens que serão Mulheres-Aranha no futuro.

As jovens protegidas por Cassandra são Julia Carpenter, a segunda Mulher-Aranha dos quadrinhos (e posteriormente segunda Madame Teia), vivida por Sydney Sweeney (“Euphoria”), Mattie Franklin, outra Mulher-Aranha vivida por Celeste O’Connor (“Ghostbusters: Mais Além”), e Anya Corazon, a Garota-Aranha, interpretada por Isabela Merced (“Dora e a Cidade Perdida”).

A história segue um rumo previsível, numa teia que junta a Amazônia com o Tio Ben (ele mesmo, de “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”), vivido por Adam Scott (“Ruptura”).

Ambientado majoritariamente em Nova York no ano de 2003, o filme parece uma produção da época, quando os lançamentos de super-heróis ainda tentavam encontrar o tom e tinham vergonha de se assumir obras do gênero. Assim como no primeiro “X-Men”, que não mostrou heróis uniformizados, as heroínas da história só são vistas com seus trajes em visões do futuro. Não há sequer uma história de origem para as personagens. O roteiro fraquíssimo é de Matt Sazama e Burk Sharpless, que apesar de terem feito o desastroso “Morbius”, foram contratados novamente pela Sony para superar a ruindade do trabalho anterior. A falta de coesão narrativa e diálogos fracos, combinados aos efeitos visuais da Shopee, fazem com que “Madame Teia” consiga ser pior que “Morbius”, sem fazer justiça às suas referências ao Homem-Aranha.

 

BOB MARLEY – ONE LOVE

 

O filme do ícone do reggae segue à risca a fórmula das cinebiografias musicais recentes, que usa a música para unir os diferentes elementos da história, num compilado superficial de fatos. A dramatização começa com um ponto de virada na vida de Bob Marley, o atentado contra sua vida em 1976, que serve de pano de fundo para explorar a determinação do cantor em promover a paz por meio de sua música. É um roteiro simples, que conclui em torno do concerto “One Love Peace” em 1978, celebração justamente desse objetivo. Portanto, se concentra em dois anos cruciais na vida de Marley, desde o tumulto político na Jamaica até o seu reconhecimento global, e acaba bem antes de sua morte em 1981.

O passeio por tópicos da vida de Marley sofre uma grande perda narrativa quando o cantor se muda para o Reino Unido e o filme negligencia a influência do cenário punk britânico na sua evolução musical. Em vez disso, a narrativa foca em momentos menos impactantes de sua vida, como suas rotinas de exercícios e interações casuais com a banda Wailers, diluindo o potencial dramático de sua trajetória. Destaca-se apenas a relação complexa entre o protagonista e sua esposa Rita, embora o tratamento dado aos seus desafios pessoais e familiares não seja aprofundado.

Kingsley Ben-Adir (“Invasão Secreta”) tem o papel do cantor, enquanto Lashana Lynch (“007 – Sem Tempo para Morrer”) vive Rita Marley. A direção é de Reinaldo Marcus Green, responsável por outra cinebiografia recente, “King Richard – Criando Campeãs”, sobre o pai das tenistas Venus e Serena Williams. Ele também assina o roteiro, ao lado de Zach Baylin (igualmente de “King Richard”), recebendo as bênçãos da família Marley para condensar a wikipedia. A escolha por uma abordagem mais informativa que emocional resulta num filme que não se coloca à altura do legado do cantor.

 

ZONA DE INTERESSE

 

Indicado a cinco Oscars, incluindo Melhor Filme, o drama de Jonathan Glazer (“Sob a Pele”) se destaca por sua abordagem única e perturbadora sobre a vida cotidiana de uma família nazista vivendo nos arredores de Auschwitz. A narrativa se concentra em Rudolf Höss, interpretado por Christian Friedel (“Babylon Berlin”), comandante do campo de concentração, e sua esposa Hedwig, papel de Sandra Hüller. Eles residem em uma vila aparentemente idílica, onde a barbárie do Holocausto é uma realidade distante, embora separada apenas por um muro. A rotina familiar é permeada por momentos de normalidade, como piqueniques e cuidados com o jardim, contrastando com a brutalidade implícita na proximidade da residência com o campo de extermínio.

O filme explora a dicotomia entre a aparência de normalidade e a monstruosidade subjacente das ações de Höss, oferecendo uma visão da teoria da “banalidade do mal” de Hannah Arendt. O som e a trilha sonora desempenham papéis cruciais na construção da atmosfera opressiva, com design sonoro nomeado ao Oscar. Estes elementos, junto com a cinematografia de Reinhold Vorschneider, intensificam a sensação de desconforto ao retratar a rotina da família Höss em contraste com o horror inominável a seu lado.

Ao focar nos executores de um regime brutal, a obra subverte as expectativas de “filme de Holocausto” e desencadeia uma reflexão sobre a facilidade com que o ser humano pode fechar os olhos para a crueldade em nome do conforto pessoal. Premiadíssimo, venceu o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes e tem 93% de aprovação na média das resenhas compiladas pelo Rotten Tomatoes.

 

MASHA E O URSO – DIVERSÃO EM DOBRO

 

O “filme” é uma compilação de episódios de “Masha e o Urso”, série animada baseada em um antigo conto folclórico russo. A narrativa gira em torno de Masha, uma menina pequena e energética que, ao se perder no bosque, encontra-se com um urso que se torna seu amigo improvável. Diferente da história original, onde o urso retém Masha, na série animada, ele é retratado de maneira afável, assumindo um papel quase paterno para a garota travessa. Esta relação central entre Masha e o urso é marcada pelas aventuras e desventuras causadas pela curiosidade e vivacidade de Masha, trazendo leveza e humor à série.

“Masha e o Urso: Diversão em Dobro” reúne cinco novos episódios que expandem o universo desses personagens. O filme inicia-se com uma história inédita na cidade, mostrando o urso como fotógrafo de casamentos, e segue com episódios que exploram temas como amizade, responsabilidade e a magia do Natal. Através dessas narrativas, a produção mantém a fórmula que consagrou a série: a ausência de violência e antagonistas, enfocando nas peripécias de Masha que, mesmo causando confusões, sempre transmite mensagens positivas.

Embora a animação não se equipare à qualidade vista em produções de grandes estúdios, o charme de “Masha e o Urso” reside em suas histórias cativantes e na música clássica que acompanha as aventuras dos personagens. A obra é uma celebração da imaginação infantil, oferecendo ao público jovem episódios repletos de alegria e ensinamentos, e aos adultos, uma nostalgia dos contos de fadas tradicionais, reforçando o valor das narrativas simples.

 

ATÉ O CAIR DA NOITE

 

O thriller alemão entrelaça uma intrincada história de amor transgênero com uma trama de investigação policial convencional. A premissa se centra em Leni, interpretada pela atriz transgênero Thea Ehre (“O Cafetão”), que após ser libertada da prisão, onde cumpriu pena por tráfico de drogas, é cooptada pela polícia para infiltrar-se numa rede de tráfico online dirigida por seu antigo chefe. Ela é colocada sob a vigilância do policial Robert, interpretado por Timocin Ziegler (“Windstill”), com quem Leni precisa fingir estar em um relacionamento como parte da operação. A complicação surge do fato de Leni e Robert terem sido amantes antes da transição de Leni, o que adiciona uma camada de complexidade emocional à missão.

A narrativa se desenrola com a reunião de Leni e Robert, cujo passado compartilhado e as circunstâncias atuais os colocam em uma relação tensa e conflituosa. Robert, não aceitando a transição de Leni, a submete a várias formas de abuso, enquanto eles tentam manter a aparência de um casal para a investigação. A trama é adensada pela reintrodução da protagonista no círculo de seu antigo chefe, Victor, interpretado por Michael Sideris (“As Filhas”), e sua parceira Nicole, papel de Ioana Iacob (“Eu não me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros”), onde a dinâmica entre os personagens se torna ainda mais complexa, levantando questões sobre identidade, aceitação e o custo emocional das escolhas de vida.

Apesar das possibilidades abertas pela premissa, o filme dirigido por Christoph Hochhäusler e roteirizado por Florian Plumeyer não explora profundamente as questões de identidade de gênero e os dilemas emocionais dos personagens, resultando em uma trama que, apesar de suas ambições, permanece na superfície de seu potencial dramático. O filme foi reconhecido no Festival de Berlim, onde Thea Ehre recebeu um prêmio por seu papel de coadjuvante, mas recebeu críticas muito negativas da imprensa internacional, atingindo apenas 25% de aprovação no Rotten Tomatoes.

 

HORIZONTE

 

Primeiro longa dirigido por Rafael Calomeni (o Expedito da novela “Mulheres Apaixonadas”) gira em torno de Rui, interpretado por Raymundo de Souza (“Nos Tempos do Imperador”), um idoso que após a morte do irmão e proprietário do imóvel onde morava, vê-se desalojado pelo sobrinho despótico que assume a casa. As tensões familiares se agravam quando Rui descobre transações financeiras suspeitas feitas por outro sobrinho. Em meio a esses conflitos, uma notícia de rádio sobre um loteamento destinado aos idosos de Belo Horizonte oferece uma nova perspectiva, levando-o a um projeto social onde encontra a possibilidade de recomeço e um novo amor, personificado por Ana Rosa (“Boogie Oogie”), que interpreta uma vizinha enigmática e inicialmente indiferente às atenções de Rui.

A trama se divide em dois ambientes distintos, começando com um cenário familiar claustrofóbico e tenso, que contrasta com a luminosidade e esperança do novo lar de Rui em um conjunto habitacional para idosos. Este segundo ato destaca-se pela renovação do protagonista e a introdução de elementos leves, como a música “Boneca Cobiçada”, que Rui toca em seu violão, servindo como catalisador para o desabrochar de um romance tardio. A narrativa transita da aspereza dos conflitos familiares para a leveza e comicidade de um novo começo. “Horizonte” se destaca por abordar temas como a solidão na terceira idade e a capacidade de reinvenção, apoiado nas performances convincentes de seu elenco principal

O filme roteirizado por Dostoiewski Champangnatte (“Rogéria, senhor Astolfo Barroso Pinto”) foi reconhecido no Festival de Cinema de Vassouras, recebendo prêmios de Melhor Longa-Metragem, Melhor Direção, Melhor Atriz para Ana Rosa e Melhor Atriz Coadjuvante para Alexandra Richter.