Regina Duarte, que iria “presidir” Cinemateca, cala-se sobre o incêndio

A atriz Regina Duarte, que ganhou a promessa de Jair Bolsonaro de virar “presidente” da Cinemateca Brasileira ao ser demitida da secretaria da Cultura no ano passado, silenciou sobre o incêndio que […]

Divulgação/Palácio do Planalto

A atriz Regina Duarte, que ganhou a promessa de Jair Bolsonaro de virar “presidente” da Cinemateca Brasileira ao ser demitida da secretaria da Cultura no ano passado, silenciou sobre o incêndio que atingiu a instituição após intervenção do governo federal.

Num vídeo divulgado durante sua demissão, em maio de 2020, a atriz chegou a celebrar o “cargo” imaginário – uma suposta compensação – como um grande presente. “Acabo de ganhar um presente, que é o sonho de qualquer profissional de comunicação, de audiovisual, de cinema e de teatro, um convite para fazer a Cinemateca, que é um braço da cultura em São Paulo. Ficar secretariando o governo na cultura dentro da Cinemateca. Pode ter presente maior do que isso?”

Ao lado da atriz no mesmo vídeo, Bolsonaro ainda comentou: “Ir para Cinemateca do lado do apartamento, saber que você vai ser feliz e produzir muito mais. Fico feliz por isso”.

Só que o tal “cargo” não existia. Nenhuma surpresa nisso, para quem acompanha as famosas “lives” de universo paralelo. O problema, entretanto, foi o que aconteceu depois.

Na ocasião em que Bolsonaro prometeu dar a Regina Duarte o controle da Cinemateca Brasileira, a instituição não era administrada diretamente pelo governo federal, mas por uma organização social, a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto). Só após promover o retorno da Cinemateca à administração federal é que o governo poderia alterar sua diretoria. E foi o que aconteceu.

Para pressionar a Acerp, Bolsonaro cortou as verbas destinadas à administração da Cinemateca. Em 2019, a previsão era de entrada de R$ 13 milhões, mas só R$ 7 milhões foram transferidos até dezembro. Em 2020, nada.

Paralelamente, o polêmico ex-ministro da Educação Abraham Weintraub criou uma confusão jurídica ao romper unilateralmente o contrato com a Acerp para a produção de programas da TV Escola. Como a administração da Cinemateca era um adendo daquele contrato, a gestão do mais importante espaço de preservação da história do cinema brasileiro caiu no limbo.

Diante do caos criado por Weintraub, a expectativa da Acerp era obter um contrato de emergência com a Secretaria Especial de Cultura, que marcou uma reunião para discutir a situação. Mas o resultado do encontro em junho foi uma nota, divulgada pelo ministério do Turismo, que afirmava que a Cinemateca Brasileira seria reincorporada à União.

Para tanto, o governo decidiu pela oficialização do encerramento do contrato de gestão com a Acerp. “A Cinemateca Brasileira não será fechada e agora entra na fase natural de reincorporação pela União, uma vez que não existe respaldo contratual para a Organização Social permanecer”, disse a nota.

E o texto oficial ainda completou: “A Cinemateca Brasileira, que detém uma parcela significativa da memória audiovisual e documental brasileira, prosseguirá sob a Direção da Secretária Regina Duarte​”.

Dias depois, ao assumir o cargo que pertencia a Regina Duarte, Mario Frias confirmou os planos.

“A Regina é um ícone que faz parte da nossa história, merece todo o respeito. É um pedido pessoal do presidente da República. Existe, sim, a possibilidade de ser criada uma secretaria para ela cuidar da Cinemateca e ela vai ser tratada com toda dignidade que merece. Assim que o imbróglio jurídico se resolver, a Regina Duarte vai ter um lugar de destaque na Cinemateca”, afirmou Frias à Rádio Jovem Pan.

Durante a entrevista, o ex-ator de “Malhação” ainda disse que havia um movimento “forte” para tentar resolver o impasse.

“A minha primeira ação como secretário foi fazer uma visita técnica. O contrato acabou em 2019 e não foi renovado. O acervo e os profissionais deveriam ser muito valorizados porque são profissionais únicos. Não tenho dúvida nenhuma de que aquele acervo é do povo brasileiro. Há um imbróglio jurídico, a meu ver lamento o fato de as pessoas não estarem pensando no acervo e no potencial que aquilo tem. Juridicamente a gente não pode intervir nesse momento enquanto não há uma solução. Há um movimento muito forte tanto meu quanto do ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio. Temos um projeto emergencial para ajudar”, disse.

Ele ainda acrescentou: “Mandamos um corpo técnico para uma visita e avaliação de inventário, para averiguar as necessidades emergenciais. A nossa equipe foi impedida de entrar, fizemos um boletim de ocorrência porque não podem impedir, pois é patrimônio do brasileiro e responsabilidade nossa cuidar. Hoje estou aguardando um parecer jurídico, com toda vontade do mundo de fazer o bem”, ressaltou.

Na verdade, o chamado “corpo técnico” da secretaria de Cultura foi enviado para pegar as chaves da instituição, com a intenção de assumir a Cinemateca na marra. Apesar do chamado “imbróglio jurídico” – isto é, o contrato original de seção pública da Cinemateca, datado de 1984, que proibia o governo de assumir seu controle – , três meses após Bolsonaro prometer dar a Cinemateca de “presente” para Regina Duarte, viaturas da PF ocuparam a frente do prédio e, com escolta ostensiva, um representante da secretaria da Cultura pegou as chaves da Cinemateca Brasileira. Em seguida, todo corpo técnico da instituição, responsável pela manutenção e preservação de seu arquivo histórico, foi demitido.

Weintraud rasgou o contrato com a Acerp em dezembro de 2019. Bolsonaro prometeu dar a Cinemateca para Regina Duarte em maio de 2020. Em agosto de 2020, a Polícia Federal foi usada para a tomada das chaves da instituição e todos os funcionários foram demitidos. Em abril de 2021, os ex-funcionários alertaram que a falta de responsáveis pela manutenção do acervo poderia gerar um incêndio. Em julho de 2021, o MPF-SP (Ministério Público de São Paulo) reforçou o alerta de perigo de incêndio. Uma semana depois, o acervo da Cinemateca Brasileira pegou fogo. Um dia depois, a secretaria de Cultura publicou edital para contratar uma nova organização social que tomasse conta da Cinemateca, oficialmente desistindo dos planos de transformar Regina Duarte em sua presidente.

Nem Weintraud, nem Bolsonaro, muito menos Regina Duarte se manifestaram sobre o incêndio do patrimônio histórico e cultural brasileiro, que aconteceu na quinta-feira (31/7).

Na sexta-feira (30/7), Regina Duarte publicou o seguinte texto em seu Instagram: “O segredo dessa vida é beleza e paciência. Se der certo: beleza! Se der errado: paciência”.