Boca de Ouro é a versão mais violenta de Nelson Rodrigues

Um filme como “Boca de Ouro”, com um elenco estelar, tempos atrás teria ótimas chances de conseguir uma boa bilheteria. Mas está passando em cinemas vazios. Tempos estranhos estes de pandemia. Há […]

Divulgação/Lereby Produções

Um filme como “Boca de Ouro”, com um elenco estelar, tempos atrás teria ótimas chances de conseguir uma boa bilheteria. Mas está passando em cinemas vazios. Tempos estranhos estes de pandemia.

Há vários motivos para ver o filme. Para começar, o texto de Nelson Rodrigues, que é um autor que costuma garantir o sucesso de suas adaptações. Há também a volta de Daniel Filho na direção, depois de um hiato longo – desde a comédia “Sorria, Você Está Sendo Filmado”, de 2014. E há um elenco muito atraente, que traz outra volta, Malu Mader, e destaca nomes como Marcos Palmeira no papel-título, Guilherme Fontes, Fernanda Vasconcellos, Anselmo Vasconcelos, além do próprio Daniel Filho.

Apesar disso, o grande atrativo acaba sendo a revelação da jovem Lorena Comparato, no papel de Celeste, a mulher casada que cai nas graças do gângster de dentes de ouro. Outro ator jovem, mais conhecido pelas telenovelas, Thiago Rodrigues, faz o papel de seu marido, Leleco, personagem que, na adaptação de Nelson Pereira dos Santos, exibida em 1963, tinha sido interpretado pelo próprio Daniel Filho.

A estrutura, por sinal, é igual à do filme de Nelson Pereira dos Santos, uma espécie de “Rashomon” (1950), com a personagem de Malu Mader contando três histórias diferentes, ao mesmo tempo contraditórias e complementares sobre o temido Boca de Ouro, bicheiro que acabou de ser encontrado morto.

A dupla de repórteres que entra na casa de Guigui (Mader) para colher depoimentos, acaba por ouvir essas histórias, mudadas de acordo com o humor ou a vontade da narradora. As narrativas se equilibram em momentos muito bons e outros menos interessantes, mas todas elas são atraentes e poderosas no uso da violência rodrigueana e que agora pode ser vista de maneira mais explícita.

Daniel Filho segue um caminho de sangue e nudez, que já era trilhado pelos melhores especialistas em adaptações de Nelson Rodrigues, como Neville D’Almeida e Braz Chediak. Mas em “Boca de Ouro” ela é mais gráfica, derivada do cinema de horror, e mais bonita plasticamente.

É uma violência que vai além do visual, já que Boca de Ouro é um personagem extremamente perturbador, seja quando procura estuprar uma mulher e matar seu marido, quando faz concurso de seios mais bonitos e quando planeja a execução de uma mulher em sua casa. Assim, há espaço para fazer bombear fortemente o coração do espectador diversas vezes, com os atos cruéis desse fascinante personagem da literatura brasileira.