O filme “Come Away”, que traz Angelina Jolie em um drama relacionado à fábulas encantadas, virou alvo de ataques racistas na internet.
Na trama, a estrela de “Malévola” é casada com David Oyelowo (“Selma”) e eles são pais de três crianças negras cheias de imaginação. Quando um dos irmãos morre em um acidente, Peter e Alice buscam escapar da depressão ao criar um lugar mais alegre em suas imaginações, que os leva, respectivamente, para a Terra do Nunca e o País das Maravilhas.
A expectativa de que os personagens de “Peter Pan” e “Alice no País das Maravilhas” pudessem ser crianças negras aflorou o racismo americano, reunindo uma turba virtual de linchamento no site IMDb, que reúne opiniões e notas do público em geral, e no YouTube, na página do trailer oficial, com xingamentos, ironias e ameaças devido especificamente à raça dos personagens.
Não é a primeira vez que isso acontece. Sites de cinema que permitem comentários e avaliações de usuários têm sido usados de forma estratégica por “conservadores” para travar uma guerra cultural, visando desqualificar e impedir qualquer iniciativa de progresso social. Filmes como “Star Wars: O Despertar da Força”, “Pantera Negra” e “Capitã Marvel” viraram alvos de campanhas de ódio no YouTube, IMDb e Rotten Tomatoes, mas a Disney superou a sabotagem com uma fortuna em marketing e branding. Por outro lado, “Caça-Fantasmas”, que trouxe mulheres nos papéis principais, perdeu essa luta.
Filmes independentes, como “Come Away”, têm ainda menos chances contra ataques coordenados por campanhas nas redes sociais. Estas iniciativas já miraram até filmes brasileiros, como o inédito “Marighella”. Ao sofrer a prática de “review bombing” (ser bombardeado por críticas negativas) antes da estreia, o filme dirigido por Wagner Moura foi um dos que levou o site Rotten Tomatoes a aprimorar sua política de segurança, com bloqueio de robôs e proibição de comentários sobre títulos não lançados em circuito comercial.
Em entrevista ao site The Hollywood Reporter, o astro David Oyelowo, que além de estrelar também produz “Come Away”, contou que o caso atual não é o primeiro de sua carreira. Ele viu uma reação online semelhante contra seu longa-metragem de 2016, “Um Reino Unido”, onde interpretou o príncipe Seretse Khama, que se apaixona e se casa com uma mulher branca britânica, Ruth Williams, interpretada por Rosamund Pike. “Tivemos um fluxo tão grande de comentários racistas que a Fox Searchlight teve que tirar nossa página do Facebook do ar”, lembrou Oyelowo.
“Isso tem sido algo que tenho experimentado ao longo da minha carreira regularmente”, acrescentou. “Ser uma pessoa negra, que tende a gravitar em torno de conteúdos edificantes… Parece que essas pessoas acham isso o mais deplorável.”
Ao notar o movimento coordenado contra “Come Away”, o IMDb desabilitou os comentários sobre o filme, que assim ficou sem nota e perdeu todas as resenhas. Embora o portal tenha estabelecido regras similares as do Rotten Tomatoes para evitar “review bombing”, deixou uma brecha ao permitir resenhas sobre filmes exibidos em festivais. “Come Away” tem estreia marcada em circuito limitado e em locações premium de vídeo sob demanda (PVOD) em 13 de novembro, mas sua première aconteceu em janeiro passado no Festival de Sundance.
O detalhe é que, embora as avaliações dos usuários estivessem disponíveis desde a sessão de Sundance, os produtores notaram uma mudança drástica na pontuação do filme no IMDb após a revelação do trailer em 9 de outubro.
“Para um longa que ainda não foi lançado – as classificações deveriam ser baseadas na opinião das pessoas que assistiram aos filmes – estava claro que havia algo no tom e na natureza do filme que estava incomodando certas pessoas”, diz Oyelowo.
No YouTube, os comentários ao trailer permanecem, concentrando-se no fato de que os personagens de Alice e Peter são retratados por atores mirins negros.
O diretor de gerenciamento de projetos do YouTube, Tom Leung, está desde fevereiro do ano passado trabalhando com a equipe de desenvolvimento de produtos para encontrar uma forma de combater as “dislike mobs”, observando que uma opção seria acabar com a função de like e deslike da plataforma.
David Oyelowo observa que as atitudes racistas contra seu filme estão em contraste completo com o momento histórico atual. “Acabamos de passar um verão em que todos, após o assassinato de George Floyd, sentiram a necessidade, com razão, de emitir declarações sobre como se sentem sobre a injustiça racial e o que farão a respeito”, ele observou. “Somos curadores culturais e podemos construir um mundo que queremos ver fazendo conteúdos desta natureza. E as empresas de tecnologia precisam se aprimorar” para, na opinião do ator, impedir o equivalente à prática do criminoso e repugnante linchamento racista em sua versão virtual.
Isto, claro, não tem nada a ver com críticas negativas baseadas no resultado artístico da produção. De fato, “Come Away” não está sendo considerado exatamente uma obra-prima pela crítica americana. Com 57% de aprovação no Rotten Tomatoes, o longa também não é um lixo. Mas as discussões sobre seu conteúdo não giram em torno de opiniões racistas, e sim a respeito de seu ritmo e qual, afinal, seria seu público, já que parece um filme para adultos.
Veja abaixo o trailer que despertou ódio na parte mais branca da internet. O filme tem previsão de estreia para fevereiro de 2021 no Brasil.