A Universal Pictures já foi a principal referência do cinema de horror em Hollywood, lar do primeiro “Drácula”, depois “Frankenstein”, “A Múmia”, “O Homem Invisível”, “O Lobisomem” e “O Monstro da Lagoa Negra”, que renderam variadas continuações e derivados. Foi um sucesso estrondoso que durou mais de duas décadas, entre os anos 1930 e 1950. E que nunca mais se repetiu. Tanto que as tentativas de retomar essa era de ouro resultou numa sucessão de fracassos – tendência comprovada, recentemente, entre as refilmagens de “O Lobisomem” de 2010 e “A Múmia” de 2017.
“O Homem Invisível”, inspirado na obra centenária do escritor W.G. Wells, jamais foi um personagem tão marcante quanto os demais. Mas o australiano Leigh Whannell, apesar de ter dirigido apenas dois longas, já tinha originado duas franquias de terror bem-sucedidas, “Jogos Mortais” e “Sobrenatural”. E ao reinventar completamente a premissa do personagem, deu à luz o primeiro remake/reboot digno do legado clássico da Universal.
Seu grande acerto foi proporcionar uma mudança completa de ponto de vista. Sua história passa a acompanhar a esposa do cientista-monstro, uma mulher que foge de um casamento abusivo, escapando literalmente de sua prisão, uma moderna e sofisticada casa de vidro em uma primeira sequência cheia de tensão.
Vivida pela excelente Elisabeth Moss (de “Handmaid’s Tale”), Cecilia Kass consegue unir a fragilidade e a fortaleza em um único personagem, uma mulher tão profundamente traumatizada pelo marido que duvida até que ele esteja morto, quando essa notícia lhe é apresentada. Mas a verdade é que ele deu um jeito de forjar a própria morte e se tornou invisível para atormentá-la. Obviamente ninguém acredita nessa história e ela é tida como louca. O próprio filme explora a possibilidade de que tudo não passa de loucura da personagem.
O interessante é que jamais vemos os maus tratos sofridos por Cecilia durante o casamento. Ele é expresso apenas pelo medo intenso que ela sente do marido sádico. Tampouco vemos o terror que a apavora nos momentos mais intensos da produção. Um dos feitos mais fantásticos do filme é sua capacidade de transmitir um clima de medo e tensão constantes, com a simples sugestão de que há uma ameaça invisível à solta em qualquer parte da tela. Whannell explora os cenários e enfatiza os espaços amplos da residência, enquadrando a protagonista sempre nos cantos das cenas, enquanto os móveis e as paredes ocupam os dois terços restantes da imagem. Quem tiver a oportunidade de ver o filme em uma sala IMAX, deve aproveitar essa chance para absorver o impacto cinematográfico dessa opção.
A elegância dos planos, quase sem close-ups, é um dos destaques da encenação, assim como o uso magnífico do som e da trilha musical, que amplificam o horror da situação sofrida pela desacreditada personagem. Vale destacar o nome do compositor: o inglês Benjamin Wallfisch, que havia trabalhado em filmes como “Blade Runner 2049” e “It – A Coisa”, entre outros. Mas é neste “O Homem Invisível” que vemos a excelência de seu trabalho. Em entrevista ao site Moviemaker, ele contou que se inspirou na trilha de Bernard Herrmann para “Psicose”. Ou seja, há momentos de completo silêncio e outros em que a música irrompe como uma faca nas mãos de alguém louco ou desesperado.
Há outros elementos hitchcockianos em “O Homem Invisível”, como as reviravoltas e surpresas. Diferente de muitos filmes do gênero, isso ajuda a trama a chegar ao seu clímax sem perder força e intensidade, fazendo o espectador prender a respiração. Há também uma dose generosa de gore e pelo menos uma cena de ação fora de série, passada num manicômio.
Claro que ter uma atriz como Elisabeth Moss, que já interpretou outras mulheres sofridas em séries como “Top of the Lake” e “The Handmaid’s Tale”, faz uma diferença e tanto, e ela entrega a alma nas cenas, ao manifestar fisicamente a luta contra a violência doméstica e o abuso sexual, numa performance que simboliza o embate de inúmeras vítimas de feminicídio, assédio e masculinidade tóxica.