A 16ª Vara Cível do Rio de Janeiro negou pedido de liminar para tirar do ar o “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, disponível na Netflix.
A ação foi movida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura e aceita pelo Ministério Público do Rio. A promotora Barbara Salomão Spier enviou o despacho para a 16ª Vara Cível do Rio, defendendo a censura da produção.
Segundo os autos, “Jesus é retratado como um homossexual pueril, Maria como uma adúltera desbocada e José como um idiota traído” no especial de Natal, o que seria um ataque à liberdade religiosa e a dignidade da pessoa humana. Em sua sustentação, a promotora ainda alegou que “fazer troça aos fundamentos da fé cristã, tão cara a grande parte da população brasileira, às vésperas de uma das principais datas do cristianismo, não se sustenta ao argumento da liberdade de expressão”.
Ela afirmou que seu posicionamento não pode ser enquadrado como censura, mas de “evitar o abuso do direito de liberdade de expressão através do deboche, do escárnio”.
Na decisão, a juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura citou o artigo 5º da Constituição, que assegura a liberdade de expressão, e abordou o argumento de suposto “abuso desse direito” à luz da jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), “a quem compete interpretar e salvaguardar nossa Constituição, seus princípios e garantias”, ponderando ainda “os limites da liberdade de expressão em contraposição a outros direitos de igual hierarquia jurídica, como os da inviolabilidade da honra e da imagem”, que são previstos em lei.
“Assim, no exercício do juízo de ponderação entre caros princípios, direitos constitucionais como os que se confrontam neste feito e na linha do entendimento jurisprudencial ao qual me filio,entendo que somente deva ser proibida a exibição, publicação ou circulação de conteúdo, em verdadeira censura, que possa caracterizar ilícito, incitando a violência, a discriminação, a violação de direitos humanos, em discurso de ódio”, escreveu a magistrada em sua decisão.
“Ao assistir ao filme podemos achar que o mesmo não tem graça, que se vale de humor de mau gosto, utilizando-se de expressões grosseiras relacionadas a símbolos religiosos. O propósito de muitas cenas e termos chulos podem ser questionados e considerados desnecessários, mesmo dentro do contexto artístico criado com a paródia satírica religiosa. Contudo, há que se ressaltar que o juiz não é crítico de arte e, conforme já restou assente em nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor, da sátira, posto que matéria estranha às suas atribuições”, avaliou a juíza.
Adriana Sucena Monteiro Jara Moura ainda considerou a hipótese de ataque à liberdade religiosa, afirmando não ter constatado “a ocorrência de qualquer ilícito, nem mesmo o do tipo previsto no artigo 208 do Código Penal”, que prevê crimes contra o sentimento religioso. “Também não verifiquei violação aos Direitos Humanos, incitação ao ódio, à discriminação e ao racismo, sendo que o filme também não viola o direito de liberdade de crença, de forma a justificar a censura pretendida”, acrescentou.
A juíza também citou que este foi o mesmo “entendimento do Juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Zoega Coelho, ao decidir caso análogo em referência ao ‘Especial de Natal’ do mesmo grupo humorístico, exibido em 23 de dezembro de 2013, determinando, em acolhimento ao parecer Ministerial, o arquivamento de Representação Criminal e que à época foi amplamente noticiado nas mídias”.
Ela conclui dizendo que “o filme controverso está sendo disponibilizado para exibição na plataforma de streaming da ré Netflix, para os seus assinantes. Ou seja, não se trata de exibição em local público e de imagens que alcancem àqueles que não desejam ver o seu conteúdo. Não há exposição a seu conteúdo a não ser por opção daqueles que desejam vê-lo. Resta assim assegurada a plena liberdade de escolha de cada um de assistir ou não ao filme e mesmo de permanecer ou não como assinante”.