Ministério Público do Rio acata ação por censura do Especial de Natal do Porta dos Fundos

A promotora Barbara Salomão Spier, do Ministério Público do Rio, acatou ação de autoria da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura para que seja realizada a suspensão do “Especial de […]

Divulgação/Netflix

A promotora Barbara Salomão Spier, do Ministério Público do Rio, acatou ação de autoria da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura para que seja realizada a suspensão do “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, disponível para assinantes da Netflix.

No despacho para a 16ª Vara Cível do Rio, a promotora afirma que “o que é sagrado para um, pode não ser sagrado para o outro, e o respeito deve, portanto, imperar”.

A promotora assume querer estabelecer limites para “liberdade de expressão artística”. Trata-se de tema constitucional com ampla jurisprudência vinculante na esfera do STF (Supremo Tribunal Federal). Mesmo assim, ela tomou liberdade de ponderar na primeira instância: “Fazer troça aos fundamentos da fé cristã, tão cara à grande parte da população brasileira, às vésperas de uma das principais datas do Cristianismo, não se sustenta ao argumento da liberdade de expressão. No caso entelado é flagrante o desrespeito praticado pelos réus, o que não é tolerável, eis que ultrapassam os limites admissíveis à liberdade de expressão artística”.

Trata-se do segundo caso de tentativa de censura de expressões artísticas com aval do judiciário do Rio de Janeiro em 2019, após a autorização, posteriormente revertida pelo STF, para que fiscais da prefeitura recolhessem quadrinhos da Marvel e outras obras com conteúdo LBTQ+ da Feira do Livro do Rio.

Assim como diziam as autoridades da primeira tentativa, Barbara Spier exercita a novilíngua para afirmar que não está praticando censura ao propor censurar a obra. “Não é [o caso] de censura, mas de evitar o abuso do direito de liberdade de expressão através do deboche, do escárnio”.

A justificava não vem apoiada por nenhum artigo de lei, pois “abuso do direito de liberdade de expressão” é geralmente calúnia e injúria objetiva, o que não acontece em expressões artísticas que se utilizam de sátira. Há, ainda, casos de preconceito previstos criminalmente, que, entretanto, não se confundem com “desrespeito” genérico, não cabendo também enquadramento na sustentação.

Apesar da argumentação frágil, a promotora recomenda a imediata suspensão da exibição do programa, assim como os trailers, making of e propagandas. E ainda sugere multa diária de R$ 150 mil para o descumprimento.

Isto não tem efeito legal, já que precisa ser aprovado por um juiz. Mas vale lembrar que o bispo da Universal/prefeito do Rio Marcelo Crivella teve apoio de um juiz para realizar sua cruzada cristã contra a Feira do Livro.

Barbara Salomão Spier conclui sua apreciação do caso citando, em vez de jurisprudência, que inexiste, uma máxima popular, “de que o direito de um termina, onde começa o do outro”.

O direito de “um”, no caso, é o direto de todos aqueles interessados em assistir à comédia, que seria prejudicado pela sugestão da promotora. Já o direito do “outro” – isto é, daqueles que não querem ver o Especial de Natal do Porta dos Fundos – , independe de ordem judicial para garanti-lo, bastando-lhes o livre arbítrio.