É interessante notar a guinada que a Warner deu nas adaptações de quadrinhos da DC Comics para chegar em “Shazam!”, seu filme mais divertido.
O estúdio sempre teve tradição de fazer produções sombrias, desde seus filmes de gângster nos anos 1930 até a versão “Cavaleiro das Trevas” do Batman de Christopher Nolan. Por isso, suas tentativas de adaptar quadrinhos de forma cômica, como os Batmans de Joel Schumacher e o filme “Lanterna Verde” (2011), jamais convenceram público e crítica. Isto até Zack Snyder ultrapassar limites, ao acabar totalmente com o humor em seus filmes com Superman.
O tom soturno de “O Homem de Aço” (2013) e “Batman vs. Superman” (2016) marcou um grande contraste com a vibração alegre das produções da Marvel. E essa diferença também se manifestou nas comparações de crítica e bilheterias. O que levou a Warner a puxar o freio e testar uma nova abordagem. Primeiro, conferindo maior leveza a “Mulher-Maravilha” (2017), ainda que de forma suave. Depois, intervindo em “Liga da Justiça” (2017) para incluir piadas, o que saiu pela culatra. Mas ao lançar “Aquaman” (2018), considerado um super-herói de segundo escalão, atingiu recorde de bilheteria com uma aventura sem compromisso de seriedade.
Essa guinada, ironicamente comandada por diretores de terror e suspenses sombrios, atinge seu auge com “Shazam!”, de David F. Sandberg (“Annabelle 2: A Criação do Mal”). Comédia assumida, o filme tem uma leveza muito bem-vinda para contar a história de um garoto que, após um encontro quase casual com um mago, ganha a capacidade de se transformar num adulto superpoderoso.
A semelhança com “Quero Ser Grande” (1988) é evidente, mas a verdade é que essa premissa tem 50 anos a mais que o filme estrelado por Tom Hanks, já que faz parte da história original do Capitão Marvel, nome do personagem criado em 1939, antes de duas brigas por direitos autorais forçarem sua transformação de herói mais popular do mundo em Shazam!, um coadjuvante da DC Comics – a primeira disputa levou o personagem da Fawcett para a DC e a segunda proibiu a nova editora de manter seu nome, registrado pela Marvel. Tanto que, no filme, o herói não tem um codinome e ainda brinca muito com isso.
“Shazam!” começa apresentando o arqui-inimigo do herói, na figura de um bem jovem Dr. Thadeus Silvana, quando ele tem o seu primeiro contato com o Mago Shazam (Djimon Hounsou) e é rejeitado por não ser considerado digno – ele é tentado pelos demônios dos sete pecados capitais. Só muitos anos depois, com o desespero do envelhecido e enfraquecido mago, que o adolescente Billy Batson assume, não exatamente com vontade, a figura e os poderes de Shazam, que representam as virtudes de figuras mitológicas como Salomão, Hércules, Aquiles, Zeus etc.
O bom humor do filme é contagiante. Sabe brincar com os estereótipos das falas de vilões e também do Mago. Direção de arte e figurinos também imprimem um tom colorido, que serve não apenas para destacar o uniforme do herói, mas também para dar ao lançamento um ar de produção infantil, por mais que os atos do supervilão possam parecer bem violentos.
O filme ainda tem o mérito de, em meio à comédia, lidar com questões mais profundas, como o sentimento de abandono dos órfãos, como é o caso de Billy Batson (Asher Angel), o menino que vira Shazam, e de seu irmão nerd e deficiente Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer), que é quem ajuda o inexperiente herói a lidar com seus novos e desconhecidos poderes. Para completar, ambos são acolhidos por uma família muito carinhosa, que cuida de vários meninos e meninas adotados.
A ironia final é que, após ser forçado a mudar de nome, o herói Shazam! ganha um filme que parece produção da Marvel, ao estilo irreverente de “Homem-Formiga e a Vespa” (2018).