Oscar 2019 ignora cinema independente para premiar blockbusters e Netflix

A divulgação dos indicados ao Oscar 2019 mostrou uma Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dividida entre os que, aparentemente, defendem a arte do cinema em preto e branco e os que […]

Divulgação/Marvel

A divulgação dos indicados ao Oscar 2019 mostrou uma Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dividida entre os que, aparentemente, defendem a arte do cinema em preto e branco e os que preferem a aprovação das grandes bilheterias.

Entre os títulos que disputam o Oscar de Melhor Filme, destacam-se dois exemplos polares desse dilema, “Roma”, de Alfonso Cuarón, drama preto e branco falado em espanhol, e “Pantera Negra”, primeiro filme de super-herói indicado ao prêmio máximo da indústria do cinema.

Mas o contraste entre esses dois títulos é um falso dilema, já que, sob seu verniz de arte, “Roma” não é uma produção independente feita à moda dos clássicos do cinema. É principalmente um lançamento da era moderna, distribuído por streaming pela Netflix, que também vai disputar seu primeiro Oscar de Melhor Filme.

“Roma” venceu o Festival de Veneza, mas é preciso dimensionar melhor o impacto da inclusão da Netflix no Oscar. Ele acontece em meio a um aumento sensível na participação de blockbusters e lançamentos populares na premiação. E ao custo de uma queda de qualidade geral na seleção.

A disputa de Melhor Filme deste ano traz vários filmes que lotaram os cinemas, mas não tiveram boas avaliações da crítica, como “Bohemian Rhapsody” (apenas 62% no Rotten Tomatoes) e “Vice” (64%). Mesmo “Green Book – O Guia”, que atingiu 82% de aprovação, é marcado por críticas negativas ao seu filtro embranquecido do racismo americano.

Entretanto, longas premiados e com aprovação nas alturas foram barrados. Casos de “Domando o Destino”, vencedor do Gotham Awards 2018 e com 97% de aprovação no Rotten Tomatoes, do documentário “Won’t You Be My Neighbor?”, também premiado no Gotham, no Critics Choice e pelo Sindicato dos Produtores, com 98% de aprovação, “Oitava Série”, consagrado por associações de críticos e com 99% de aprovação, e “Não Deixe Rastros”, que atingiu impressionantes 100% de aprovação.

O Oscar 2019 simplesmente esqueceu o cinema independente, fazendo poucas concessões, como no caso de “No Coração da Escuridão” (First Reformed, 93% no RT), do qual se esperava maior reconhecimento, em especial para a atuação de Ethan Hawke, lembrado apenas como Melhor Roteiro Original – do veterano cineasta Paul Schrader (de “Taxi Driver”), na primeira indicação de sua longa carreira.

Podendo indicar até 10 títulos como Melhor Filme, a Academia optou por selecionar apenas oito, criando o primeiro paradoxo da premiação. Uma das obras que disputa o Oscar de Melhor Direção não concorre à Melhor Filme: “Guerra Fria”, de Pawel Pawlikowski.

Dos cinco diretores selecionados ao Oscar de sua categoria, apenas dois são americanos. Além do polonês Pawlikowski, disputam o prêmio o mexicano Cuarón, o grego Yorgos Lanthimos (por “A Favorita”) e os americanos Spike Lee (“Infiltrado na Klan”) e Adam McKay (“Vice”). Nenhuma mulher foi lembrada, já que “Domando o Destino” e “Não Deixe Rastros” não existiram para os eleitores da Academia.

Outro paradoxo é que, elogiado e premiado por seus efeitos, “Pantera Negra” não foi nomeado para o Oscar de Efeitos Visuais. Também o trabalho vencedor de todos os prêmios de Melhor Trilha Sonora até agora, a composição de Justin Hurwitz para “O Primeiro Homem”, foi esquecida pelos responsáveis pela seleção do Oscar.

Pela primeira vez em anos, não haverá um desenho animado disputando a categoria de Melhor Canção. E dois filmes em preto e branco concorrem ao Oscar de Melhor Fotografia – “Roma” e “Guerra Fria”, que ainda são favoritos como Melhor Filme de Língua Estrangeira.

O destaque dado aos dois filmes estrangeiros – e ao trabalho do grego de “A Favorita” – pode ser reflexo do aumento de eleitores internacionais, alimentado nos últimos anos pela instituição que organiza o Oscar. Pena que essa tendência tenha substituído o avanço do cinema independente, que culminou na vitória de “Moonlight” há dois anos.

Ironicamente, o novo trabalho do diretor Barry Jenkins (de “Moonlight”) não vai disputar o Oscar 2019 de Melhor Filme, apesar de a própria Academia considerar “Se a Rua Beale Falasse” um dos Melhores Roteiros Originais do ano – mas pode até perder nesta categoria para a Netflix, via o filme dos irmãos Coen “A Balada de Buster Scruggs”. “Se a Rua Beale Falasse” tem 95% de aprovação no Rotten Tomatoes.

Vale destacar mais uma vez que só foram indicados 8 de 10 filmes possíveis ao prêmio máximo da Academia. E os que ficaram de fora da lista são tão significativos que mostram que o Oscar 2019 virou um prêmio muito diferente da cerimônia cinematográfica que existia até então.

O fato é que a premiação de cinema se assumiu de vez como um evento da TV, privilegiando títulos populares para assegurar sua audiência. De Lady Gaga ao Queen. E sem essa moçadinha que ninguém ouviu falar, que só fez os melhores filmes do ano.

É importante fazer a comparação. A lista de indicados a Melhor Filme do Spirit Awards 2019 traz “Oitava Série”, “No Coração da Escuridão”, “Se a Rua Beale Falasse”, “Não Deixe Rastros” e “Você Nunca Esteve Realmente Aqui”. Nenhum destes trabalhos disputa o prêmio da categoria principal do evento do dia seguinte, que não é o Framboesa de Ouro, mas que se diz o Oscar 2019.

O Spirit Awards 2019 acontece em 23 de fevereiro em Santa Monica, na Califórnia, sem transmissão no Brasil. O evento do dia seguinte, em Los Angeles, será exibido pela rede Globo e pelo canal pago TNT.