Impressionante como “Café com Canela” consegue ser ao mesmo tempo experimental e tão popular, tão capaz de falar ao grande público. O premiado trabalho de Glenda Nicácio e Ary Rosa, que venceu três troféus no Festival de Brasília 2017 e apresenta a uma baianidade muito gostosa, traz duas histórias paralelas: a de duas mulheres negras, de diferentes idades e situações.
A jovem Violeta (a estreante Aline Brunne, encantadora) ganha a vida vendendo coxinhas e cuidando da avó muito velhinha e acamada, além de também cuidar com muita alegria e amor do marido, dos filhos e dos amigos. A outra linha paralela mostra um cenário mais sombrio, o de Margarida (Valdinéia Soriano, de “Ó Paí, Ó”), uma mulher que vive presa na própria casa, pela depressão causada pela perda do filho pequeno.
O contraste entre as duas vidas é bem explícito e é natural sentirmos certo mal estar quando estamos na casa de Margarida, tão triste e tão abandonada. Mais do que isso: um lugar assombrado. Por isso o gosto pela vida de Violeta pega o público tão fortemente: é lindo vê-la cantando para a avó doente e que só se comunica pelos olhos e pelo sorriso. Ela canta com muito carinho, dá-lhe massagens nas mãos. Claro que nem tudo são flores e Violeta testemunha também a triste partida de um de seus vizinhos em outra passagem muito emocionante e também cheia de amor.
Há algumas cenas que se destacam e que, ao serem lembradas, falam forte ao coração. Desde a mais simples, que pode ser vista como apenas um detalhe, envolvendo o cachorro e a avó de Violet ou o cantar de um dos personagens coadjuvantes. Ou, ainda, a descrição antecipada e triste da perda de um grande amor do personagem de Babu Santana (de “Tim Maia”) e a cena da bicicleta. Meus Deus, o que dizer da cena da bicicleta, algo capaz de encher os corações de amor?
E no meio de tudo isso, no meio de uma celebração da vida como poucos filmes são capazes, ainda há um semi-monólogo fantástico de Margarida sobre a magia do cinema. Sim, a vida pode ser maravilhosa, mas o cinema é fantástico. Há até uma brincadeira com a quebra da quarta parede.
Há ainda espaço para a celebração da riqueza da cultura afrobrasileira. O que lembra que se trata de um filme inteiramente feito com atores e atrizes negros, grande maioria da população da Bahia, onde “Café com Canela” se passa.
No final, nem são esses detalhes – se é que podemos chamar de detalhes, inclusive os formais -, mas o quanto o filme mexe com as emoções do público. Um achado que, por falta de salas, tende a ficar perdido, como tantas outras joias recentes do cinema nacional.