“In the Fade”, do alemão Fatih Akin (“Soul Kitchen”), trouxe os problemas do mundo real para o Festival de Cannes. Filme mais abertamente político deste ano, aborda a guinada de intolerância à direita que toma conta da Europa, efeito secundário do terrorismo islâmico, para mostrar que o terror também tem olhos azuis.
O filme traz Diane Kruger (de “Bastardos Inglórios”) como a esposa de um ex-traficante de drogas de origem turca e mãe de um menino de 6 anos, que sobrevive a um atentado neonazista no local onde trabalham. Com a morte do marido e filho, ela quer a condenação dos assassinos, seja pela Justiça, seja pelas próprias mãos.
A imigração na Alemanha é um tema constante da filmografia de Akin, que é filho de imigrantes turcos, assim como o pop/rock ocidental. Mas este é o filme em que mais claramente se posiciona contra a xenofobia. O terrorismo de “In the Fade” não é praticado por imigrantes aliciados pelo Estado Islâmico, mas por aqueles que são contra esses grupos.
“O cinema me dá a possibilidade de dialogar com meus pesadelos”, disse Akin na entrevista coletiva, em que apareceu usando uma camiseta da banda Queens of Stone Age, em homenagem ao guitarrista Josh Homme, que assina a trilha sonora do filme. “Vivemos em um mundo globalizado, e esse mundo tem medo das pessoas. A globalização tem um lado bom e outro ruim”, completou.
O cineasta inspirou-se nos atentados cometidos contra estrangeiros que acontecem na Alemanha desde 1999 pelo NSU, um grupo neonazista que já explodiu diversas bombas. Revelou também ter se inspirado em histórias reais de casos em que imigrantes eram mortos e a polícia sempre procurava indícios de que usavam drogas para justificar os crimes como guerra de gangues. É o que acontece em seu filme, quando os policiais apontam que a explosão pode ter sido uma questão muçulmana, curda ou de criminalidade ligada ao tráfico. Mas Katja, a personagem de Kruger, tem certeza de que não é nada disso.
Kruger esperava a chance de atuar em um filme de Akin desde que se conheceram há alguns anos em um evento. Mas o protagonista de “In the Fade”, originalmente, seria um homem. “Mas quando você começa a escrever um roteiro, novas camadas vão sendo incorporadas, aí surgiu a história da mãe”, explicou o diretor. “Mas como não queria usar as escolhas previsíveis entre as atrizes alemãs, aí me lembrei da conversa com Diane e a convidei”, explicou Akin.
A parceria acabou sendo positiva para a atriz, que teve sua interpretação elogiada pela crítica, mais, inclusive, que o próprio filme.
“É um papel que me deu medo”, contou Kruger. “O que mais me interessou é que é sobre um ato terrorista. Hoje ouvimos a cada dia novos números sobre mortos, assim como as histórias daqueles que ficam. E Katja me tocou muito: como é possível se viver diante desse horror?”
A atriz disse que se sentiu desafiada pelo filme. “Houve cenas difíceis de gravar, de viver. As cenas de luto, de extremo sofrimento, era algo quase insuportável. Vivi algo terrível. Não trabalhei desde então”, declarou. “É uma personagem muito diferente de mim. Mas disse sim a tudo o que Akin me pedia. Era apenas ele quem poderia fazer esse filme. Infelizmente, acho que esse longa faz parte da nossa atualidade”, concluiu.