François Ozon leva o thriller erótico ao limite ginecológico no Festival de Cannes

Um dos filmes mais esperados pela crítica francesa no Festival de Cannes, o thriller erótico “L’Amant Double”, novo longa de François Ozon (“Frantz”), dividiu opiniões, chegando a chocar o público normalmente blasé. […]

Um dos filmes mais esperados pela crítica francesa no Festival de Cannes, o thriller erótico “L’Amant Double”, novo longa de François Ozon (“Frantz”), dividiu opiniões, chegando a chocar o público normalmente blasé. Arrancando arroubos de “genial” e “lixo”, no mínimo deixou uma impressão forte.

Não foi por acaso que a primeira foto divulgada pela produção trazia seus atores nus. Aquela era uma cena tímida do filme, como demonstrou o primeiríssimo take da produção: um close-up ginecológico da protagonista, a corajosa Marine Vacht, que o próprio Ozon lançou em Cannes em 2013, no drama “Jovem e Bela”.

Assim como naquele filme, “L’Amant Double” também aborda perturbações da mente feminina. Na trama, Vacht procura um psicólogo para deixar de somatizar suas angústias, que lhe causam dores constantes. As sessões são tão boas que ela se apaixona e planeja se casar com o médico, vivido pelo belga Jérémie Renier, presença constante nos filmes dos irmãos Dardenne. Mas ele esconde a existência de um irmão gêmeo sedutor, também terapeuta. E a descoberta precipita na jovem uma obsessão.

Na entrevista coletiva, Ozon disse que se divertiu testando até onde poderia levar o gênero do thriller erótico, que ele já tinha visitado em “A Piscina” (2003). “Eu vinha de uma experiência com uma narrativa mais tradicional (o drama de época ‘Frantz’), então foi natural me voltar para o filme de gênero, o thriller erótico, e brincar com os seus códigos. Sempre procuro não me repetir”, explicou o diretor.

Sobre a cena inesquecível que abre o longa, o diretor assumiu que quis mostrar algo diferente e provocador de imediato, uma imagem que não tinha visto com tanto destaque numa tela grande de cinema. “Como menino, eu não fui a clínicas ginecológicas. E ainda sou um menino curioso”, comentou.

Na tela, a imagem explícita rapidamente se funde com outro close, do olho lacrimejante da protagonista. O efeito desconcertou o público, rendendo aplausos e gargalhadas nervosas.

“É uma forma de estabelecer de cara as intenções do filme, que fala de uma mulher curiosa e cheia de emoções aprisionadas dentro de si”, explicou pacientemente Ozon. “Ao mostrar a genitália e os olhos da personagem, estamos abrindo o jogo desde o início sobre o caminho que estamos seguindo, que é descobrir o que acontece com o corpo e a mente dessa mulher”.

E que viagem revela este caminho, repleta de perversões sexuais que o presidente do júri do festival deste ano, Pedro Almodóvar aprovaria – como demonstram filmes como “Kika” (1993) e “A Pele que Habito” (2011). Mas as principais influ~encias são thrillers de Brian De Palma (“Vestida para Matar”) e Peter Cronenberg (“Gêmeos – Mórbida Semelhança”).

O próprio Ozon assumiu suas influências. “Eu amo a forma como De Palma desconstrói o thriller e como ele se diverte brincando com os códigos do gênero”, disse Ozon, acrescentando: “Cronenberg também”.

“Eu sou um cineasta cinéfilo, então eu acho que não são necessariamente coisas específicas que me influenciam, mas um conjunto de elementos do meu inconsciente”, acrescentou.

Mesmo assim, a semelhança com “Gêmeos – Mórbida Semelhança” é a mais óbvia da trama. Ozon confessou que quis rever o filme de Cronenberg para se distanciar dele, antes de começar a filmar. “Eu me vi forçado a rever o filme de Cronenberg. A diferença é que em ‘Gêmeos’, a história é contada do ponto de vista dos irmãos. A minha é contada da perspectiva da vítima deles”, adiantou, quase dando spoiler.