Uma pena quando um grande cineasta demora a lançar um novo filme. Beto Brant, que às vezes assina a direção com Renato Ciasca, é um desses diretores que conquistaram o seu espaço entre os maiores do Brasil (e do mundo, por que não?) já a partir de seu longa de estreia, “Matadores” (1997). Sua carreira tem sido marcada por obras de narrativa impactante como “O Invasor” (2001) e “Cão sem Dono” (2007) e outras de maior risco e experimentação, casos de “Crime Delicado” (2005) e “O Amor Segundo B. Schianberg” (2010). Seu último filme na direção havia sido no longínquo 2011, com o apaixonante “Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios”, estrelado por Camila Pitanga.
Pois é novamente com Camila, desta vez coassinando a direção, que Brant retorna em “Pitanga” (2017), para contar a trajetória de vida do pai da atriz, Antonio Pitanga, um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos, protagonista num país que tem por hábito colocar os negros em segundo plano.
Considerando que se trata de um filme comandado por Camila, até que ela aparece bem pouco em cena. Em compensação, seu pai domina o filme, que parece correr solto a partir da alegria contagiante e da autoconfiança de Pitanga.
Em alguns momentos, chega a ser até incômoda a rasgação de seda contínua em torno do ator, que, naturalmente, se sente muito feliz em tomar para si a fama de grande conquistador, de homem de grande magnetismo. Mas nos dois primeiros terços do filme é quase difícil não sorrir junto com esse homem que viveu a vida de maneira intensa e que conquistou o coração de muitas mulheres, sendo que várias delas aparecem em cena, em reencontros emocionados: Maria Bethânia, Zezé Motta, Selma Egrei, Ítala Nandi, Elisa Lucinda…
Paradoxalmente, isto realça a ausência da mãe de Camila, Vera Manhães, ainda viva, que nas fotos mostradas no filme revela-se belíssima. Não é à toa que a filha veio ao mundo tão bela e especial. Segundo relatos de alguns depoimentos ao longo do filme, o casal representava uma espécie de sensualidade, sexualidade e beleza singulares na época da sua juventude.
O fato de o filme ser contado pelo próprio Pitanga, a partir de encontros com várias pessoas (famosas), velhos conhecidos, que passaram por sua vida de forma marcante, e que relembram com ele memórias saudosas do passado, diferencia o longa de outros documentários sobre personalidades. Aqui, o ator cheio de energia e muita prosa parece ser o dono do filme, com a bênção de Brant.
O tom, entretanto, muda em seu terço final, quando Antonio Pitanga fala de assuntos mais sérios, sobre a chegada dos negros em território brasileiro nos navios negreiros. A obra assume o elogio à resistência, a destacar a importância do cinema mais político produzido no Brasil, especialmente nas décadas de 1960 e 70, e revela o engajamento cultural de um baiano bastante envolvido com a religião e a cultura afro-brasileira.
De uma forma ou de outra, difícil negar o destaque do documentário neste momento de opressão e, ao mesmo tempo, de resistência das minorias, atestando o valor do negro em nossa sociedade e em nossa cultura, a partir de um registro vívido, original e pulsante. Além do mais, a vantagem dessa abordagem particular escolhida por Brant e Camila é que muita coisa é revelada nas entrelinhas: nos gestos, nas falas e nas emoções dos vários personagens que aparecem em cena. Sem esquecer que o filme ainda traz ótimas cenas de filmes estrelados por Antonio Pitanga – clássicos como “A Grande Feira” (1961), “Barravento” (1962), “O Pagador de Promessas” (1962), “Ganga Zumba” (1963), “Os Pastores da Noite” (1976), “A Idade da Terra” (1980), “Quilombo” (1984), “Chico Rei” (1985) e tantos outros.