Verdade seja dita: nem todos eram familiarizados com o nome de Nicolas Winding Refn antes do sucesso de “Drive” (2011). Responsável por filmes como a trilogia “Pusher” (iniciada e 1996) e “Bronson” (2008), o realizador dinamarquês incorporou em “Drive” a sua estilização em um texto palatável para a audiência americana, ao mesmo tempo em que se mostrava sedutor para a plateia europeia, recebendo até mesmo o prêmio de direção no Festival de Cannes.
A pegadinha é que Refn não conseguiu aliar o melhor desses dois mundos em que transitou nos seus passos seguintes. “Só Deus Perdoa” (2013) soou mais como um filme indesejado para o público ainda inebriado pela potência de “Drive”. Já “Demônio de Neon” resulta ainda mais desapontador. Trata-se de uma caricatura de si mesmo, com Refn autografando as suas pretensas iniciais como se fosse um equivalente a Yves Saint Laurent do cinema.
Antes de se transformar a partir de sua segunda metade em um “Suspiria” (1977) do mundo da moda, a atmosfera de mistério é relativamente bem sustentada em “Demônio de Neon”. Acompanhamos com interesse a jovem de 16 anos Jesse (Elle Fanning), que se muda sozinha para Los Angeles sem deixar claro o que a atingiu para tomar uma decisão tão extrema. Hospedada em um motel decadente gerenciado por Hank (Keanu Reeves), ela pretende seguir uma carreira de modelo, conseguindo um feedback positivo e imediato de uma prestigiada agência.
A beleza de Jesse pode ser comparada com a de uma flor que acabou de desabrochar, daquela impossível de ser reproduzida por suas concorrentes plastificadas, em especial Gigi (Bella Heathcote) e Sarah (Abbey Lee), duas “veteranas” derrubadas com a sua vinda. Essa realidade implacável acaba por contaminar Jesse, que logo mais será vista superando a sua ingenuidade para abraçar uma depravação nem sempre focada pelas lentes dos estúdios fotográficos e passarelas.
Todos os personagens de “Demônio de Neon” são caricaturas grosseiras. Até mesmo o namorado de Jesse, Dean (Karl Glusman), o menos vil dos homens a serem apresentados, corresponde aquele padrão de garoto rico com predileções um tanto mórbidas. O propósito crítico de Refn com essa escolha é mais do que evidente, mas impossível de ser levado a sério. A inverosimilhança das interações chega a gritar, especialmente ao mostrar Jesse estreitar laços com a maquiadora Ruby (Jena Malone) no segundo em que se conhecem. Sem nenhum embaraço, Ruby compartilha para Gigi e Sarah as confissões do passado de Jesse enquanto todas estão presentes no banheiro de uma boate. Tudo para as duas se reencontrarem aos sorrisos poucos dias depois como se essa traição nunca tivesse acontecido.
Se Refn faz pouco caso com o fator humano de seu filme, o empenho estético, no fim das contas, não vem a ser muito recompensador. O deslumbramento por cores fortes, a amplitude dos espaços e a inserção de simbolismos sem qualquer ressonância (como o uso excessivo de retas que formarão uma espécie de trindade do mal) só explicitam a limitação narrativa de seu cinema. “Demônio de Neon” mais parece um longo catálogo de moda preenchido de manequins do que propriamente um filme.