Tudo parece indicar o contrário, já que no mundo virtual as pessoas têm centenas de amigos. Verdadeiras bobagens viralizam, como se diz, entusiasmando os que as postaram. Pessoas mais conhecidas podem ter milhões de “seguidores”. Mas a solidão permanece um dos maiores problemas psicológicos do nosso tempo. De muitas maneiras, o sentimento de estar só, de não ser amado ou desejado genuinamente, de não encontrar sentido para a própria existência ou de se sentir isolado em meio à multidão continuam a ser fontes de grande sofrimento. A falta de uma vida interior mais rica deixa muita gente sem o chão sob os próprios pés.
O cinema já abordou essa questão pelos mais diversos ângulos, geralmente no enfoque dramático. Em “Fique Comigo”, o diretor francês Samuel Benchetrit buscou rever o assunto pela comédia, ao adaptar um livro que ele próprio escreveu, “Les Chroniques de L’Asphalte”. Mais do que isso, fez uma comédia ligeira, em que os personagens aparecem em situações bizarras, um tanto surrealistas.
Num prédio de apartamentos, na periferia de Paris, o elevador vive quebrado, causando transtorno a seus moradores. Há um homem que, por morar no 1º andar, não quer pagar o conserto do elevador, mas uma overdose de esteira ergométrica o deixa numa cadeira de rodas por algum tempo. Vai daí que ele se encontra casualmente com uma enfermeira de semblante triste e tenta conquistá-la, passando-se por fotógrafo, que já rodou boa parte do mundo. Engraçado? Um pouco, mas beirando o constrangedor. A falta de espontaneidade, o passar-se por quem não é, se torna embaraçoso, digno de pena. Essa é uma das histórias/relacionamentos que o filme mostra.
Há a da mulher emigrante de origem argelina, cujo único filho está na prisão, que recebe a “visita” de um astronauta americano, diretamente do espaço. E há, ainda, a história do adolescente que parece abandonado pelos pais e que descobre uma estrela morando a seu lado. A atriz, hoje decadente, traz uma nova dimensão à vida dele.
“Fique Comigo” mostra, alternadamente, os três casos. Todos em busca de reter alguém que, de algum modo, preencheu a vida de outro alguém, mesmo que de forma passageira, fluida, improvável. Com isso, se acentua a necessidade humana de afeto, uma necessidade desesperada, por sinal. E o custo da solidão. As histórias são diferentes entre si, mas dialogam a partir desse eixo central, que é relevante e sério. E não deixa de ser divertido, também.
O elenco é um dos trunfos do filme, a começar pela excelente Isabelle Huppert (“Amor”), no papel da atriz Jeanne Meyer, aquela que já teve melhores dias quando mais jovem. Logo Huppert, que está no auge da força interpretativa, ainda que o papel de Jeanne não exija tanto assim dela. Jules Benchetrit (“Um Reencontro”), filho do diretor, é o adolescente que contracena com ela.
Valeria Bruni Tedeschi (“Um Castelo na Itália”), a enfermeira triste, e o suposto fotógrafo, vivido por Gustave Kervern (“Em um Pátio de Paris”), formam um par angustiante e revelador da solidão que procuram retratar. E o fazem muito bem.
A argelina Tassadit Mandi (“Dheepan: o Refúgio”), muito boa, faz Hamida e seu par improvável é o astronauta, papel do americano Michael Pitt (“Violência Gratuita”). A dupla também funciona bem.
O conjunto continua dando a ideia de uma junção de histórias, apesar do elo que as une. Mas cada uma das três histórias é digna de atenção, e o tema está bem abordado no registro escolhido da comédia, algo dramática.