No Brasil para divulgar seu oitavo filme, “Os Oito Odiados”, o cineasta Quentin Tarantino revelou estar feliz por poder voltar a São Paulo, um dos primeiros destinos internacionais de sua carreira como cineasta. “Eu não venho aqui desde 1992. Na época, achei que aprenderia português, mas é muito difícil”, brincou, durante a entrevista coletiva no hotel Hyatt, lembrando quando trouxe seu primeiro filme, “Cães de Aluguel” (1992), para a Mostra de São Paulo.
“Aquele foi um ano muito importante para a minha carreira, porque fui a países em três continentes. As pessoas não me conheciam. Viram o filme, gostaram e passaram a me conhecer. Quando a Miramax comprou os direitos de ‘Pulp Fiction’, todo mundo nesses países já me conhecia e quis comprar o filme. Meus trabalhos costumam ter bons resultados nos Estados Unidos, mas vão um pouco melhor fora do país. Digo que não faço filmes para o público americano, faço filmes para o mundo”, afirmou.
Tarantino volta a São Paulo, acompanhado pelo ator inglês Tim Roth, em momento bem diferente de sua trajetória. Não apenas pela consagração da crítica e os dois Oscars de Melhor Roteiro que conquistou nesse meio tempo, mas por estar, segundo ele diz, já no final da carreira. “Eu vou parar de fazer filmes depois de dez, então por isso estou contado”, admitiu sobre a numeração que antecipa os créditos iniciais de seus longas. Faltariam, portanto, só mais dois filmes para encerrar sua filmografia, mudar de ideia ou arranjar uma desculpa para continuar filmando. O fato é que esse plano de aposentadoria precoce contrasta com seus desejos para o futuro.
O diretor revelou, por exemplo, que ainda gostaria de trabalhar com Johnny Depp e Kate Winslet. “Depp seria interessante, mas precisaria ter o personagem correto. E Kate é uma grande atriz, acho que interpretaria muito bem os meus diálogos”, considerou.
Ele só não aceitaria dividir um set com Spike Lee. Desde que criticou “Django Livre” (2012), Lee tornou-se um dos oito mais odiados por Tarantino. “Tenho mais dois filmes para dirigir e não vou gastar um deles com esse filho da mãe. Ele ficaria muito feliz no dia em que eu aceitasse trabalhar com ele. Mas isso não vai acontecer”, vociferou.
Há também a vontade de filmar um terceiro western, que veio à tona enquanto ele falava da evolução que experimentou entre “Django Livre” e “Os Oito Odiados”. “Voltei a fazer western depois de entender como tratar o gênero em ‘Django Livre’, e quis retornar a esse estilo que amo sabendo o que estava fazendo desde o início. Acho interessante mostrar a história com negros, afinal eles sempre foram ignorados no passado. Apesar disso, não posso me considerar um diretor de western até fazer meu terceiro western”, afirmou, adiantando o que esperar de sua filmografia.
Tarantino explicou que filma por prazer, por isso se deu um prazo de validade. “Não faço filmes para pagar as contas, não tenho família para sustentar ou uma segunda casa para pagar. Faço por prazer artístico, o resto é secundário. Quero manter o alto nível de expectativa para os meus filmes. Por isso, preciso parar eventualmente e no décimo parece um bom número”.
Mas isso não significa que pretenda abandonar o cinema completamente. Ele revelou que, depois de terminar sua filmografia como diretor, quer se dedicar à carreira de produtor, ajudando a lançar projetos de outros cineastas.
Sobre “Os Oito Odiados”, especificamente, o diretor falou pouco, também pelo fato de existir um embargo, proibindo comentários e críticas até o dia 21 de dezembro. Um dos poucos detalhes adiantados sobre a trama foi o fato de que os personagens “poderiam facilmente ser vilões em outros filmes”.
“Não existe um herói claro, afinal essa era uma das coisas que eu queria explorar”, ele explicou. “Não tem um mocinho nem alguém com senso de moral com quem o público pudesse se identificar facilmente. Eu gostava muito das séries de western dos anos 1960, cujos episódios sempre mostravam convidados especiais com passados obscuros e era impossível saber quem era quem até o final. Todos os personagens em ‘Os Oito Odiados’ são questionáveis”, descreveu.
Por conta dessa dificuldade em perceber as verdadeiras intenções dos personagens, o diretor também cita similaridades entre “Os Oito Odiados” e o filme “O Enigma de Outro Mundo” (1982), de John Carpenter, embora faça questão de frisar que escreve melhores diálogos. “Desde ‘Kill Bill’ me preocupo mais com os diálogos, quero criar algo mais poético, teatral, sempre sendo cuidadoso com as palavras. Até por isso, não é fácil um ator encarar meu texto, é preciso falar de certa maneira e ter senso de humor. Preciso achar atores capazes disso quando vou escalar o elenco, por isso gosto de trabalhar com quem conheço”, revelou, aproveitando ainda para elogiar Jennifer Jason Leigh, com quem trabalhou pela primeira vez no novo filme.
O diretor rasgou ainda mais adjetivos para qualificar a parceria com Ennio Morricone, compositor dos grandes westerns de Sergio Leone, que admitiu ser seu favorito. “Nunca trabalhei com uma trilha original, criada especialmente para um filme meu, e é uma honra a primeira vez ser com Morricone, afinal, ele é o melhor. Diversas vezes falamos em trabalhar juntos, mas nunca deu certo e dessa vez parecia que não daria certo também, mas, no final, ele se empolgou com o roteiro, começou a sugerir músicas e depois decidiu fazer tudo”, contou o cineasta.
“Os Oito Odiados” estreia no Brasil em 7 de janeiro de 2016, duas semanas após o lançamento nos Estados Unidos, com a distribuição de 450 cópias no formato scope. Trata-se da melhor opção, uma vez que as salas de cinema do país já se encontram digitalizadas e incompatíveis com os gloriosos 70 milímetros filmados pelo diretor.