Giuliano Montaldo, mestre do cinema italiano, morre aos 93 anos
O renomado cineasta italiano Giuliano Montaldo faleceu nesta quarta-feira (6/9) em sua casa em Roma, aos 93 anos. A causa da morte não foi divulgada. Amplamente reconhecido por sua vasta contribuição ao cinema, Montaldo fez filmes clássicos como “Sacco & Vanzetti” (1971) e “Giordano Bruno” (1973), que levantaram muitas discussões. Sua carreira também foi marcada por uma colaboração íntima com o compositor Ennio Morricone. De sua filmografia de 20 filmes, 16 foram embalados pela música de Ennio Morricone, consolidando uma colaboração sem precedentes com o compositor famoso. Início da carreira Nascido em Gênova em 22 de fevereiro de 1930, Montaldo começou sua carreira como ator em sua cidade natal, participando de espetáculos de “teatro de massa” organizados pelo Partido Comunista. Sua transição para o cinema ocorreu após ser descoberto pelo diretor Carlo Lizzani, que lhe ofereceu um papel no filme “A Rebelde” (1951). Ele seguiu atuando nos filmes seguintes de Lizziani, “Tortura de Duas Almas” (1953) e “Os Amantes de Florença” (1954), e em papéis menores em diversas produções, até progredir para assistente de direção e, finalmente, como diretor no filme “Dilema de um Bravo”, que foi lançado em competição no Festival de Veneza de 1961. A obra de estreia explorava a consciência política de um jovem fascista e foi recebida com críticas mistas, especialmente em um contexto ideológico pós-guerra. Mas já deixava claro sua intenção de fazer cinema para incomodar e gerar discussões. ste filme serviu como um prenúncio dos temas sociais e políticos que se tornariam recorrentes em sua filmografia, abrindo portas para projetos futuros com profissionais da indústria. O filme seguinte, “Uma Vontade de Gritar” (1965), explorou a classe trabalhadora e a ascensão social na Itália do pós-guerra, e conseguiu capturar o espírito do tempo, abordando temas de exploração e desigualdade social. A obra recebeu elogios da crítica e é frequentemente citada como um dos primeiros filmes italianos a explorar esses temas, consolidando Montaldo como um diretor comprometido com questões sociais. Em 1967, “Ad Ogni Costo” mostrou uma guinada de Montaldo para o cinema de gênero. Este filme de ação e aventura trazia um elenco americano, com Edward G. Robinson e Janet Leigh. Mas mesmo sendo um thriller, não abandonou os temas éticos e morais, mostrando que Montaldo poderia equilibrar comercialismo com substância. Ele seguiu esse caminho com “A Fúria dos Intocáveis” (1969), uma produção de gângsteres que colocava um foco específico em questões de lealdade e moralidade dentro do crime organizado. A obra foi enriquecida pela atuação marcante de John Cassavetes, no papel de um criminoso recém-liberado que tenta reajustar-se à vida fora da prisão. O longa é considerado um dos grandes clássicos italianos do gênero. A consagração Em 1971, Montaldo lançou seu filme mais famoso, “Sacco e Vanzetti, que rendeu a Riccardo Cucciolla o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes pelo papel de Nicola Sacco. O filme dramatiza a história real de Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, dois imigrantes italianos anarquistas acusados de assassinato nos Estados Unidos em 1920. Montaldo não apenas buscou fazer uma reconstituição histórica do caso, como também lançou um olhar crítico sobre o sistema de justiça americano e a xenofobia predominante na época. O elenco também destaca Gian Maria Volonté. A trilha sonora, composta por Ennio Morricone e com canções interpretadas por Joan Baez, é outro ponto alto da obra, acentuando o clima de tensão e injustiça que permeia a história. O resultado cinematográfico é considerado um dos filmes políticos mais importantes da época. A briga com a Igreja Depois de atacar a xenofobia americana, Montaldo posicionou sua câmera contra à Igreja Católica em “Giordano Bruno” (1973), biografia histórica do filósofo e teólogo renascentista que foi condenado pela Inquisição. O filme retrata a prisão de Bruno em Veneza e seu subsequente julgamento por heresia em Roma, culminando com sua execução na fogueira em 1600. A obra destaca a intransigência de Bruno em renunciar à ciência em favor do negacionismo, incluindo a crença no heliocentrismo e na pluralidade dos mundos, que eram vistas como ameaças à doutrina da Igreja Católica na época. Além de destacar uma narrativa centrada no confronto entre ciência e dogma religioso, a obra também é lembrada pela força de suas performances, especialmente a de Gian Maria Volonté no papel-título, que materializa na obra a postura de resistência e protesto contra a repressão da liberdade intelectual. O final dos anos 1970 Montaldo voltou ao tema da 2ª Guerra Mundial com “L’Agnese Va a Morire” (1976), adaptação do romance homônimo de Renata Viganò, que explora os horrores e as complexidades da guerra através dos olhos de Agnese, interpretada por Ingrid Thulin. Situado na Itália ocupada pelos nazistas, o filme segue a trajetória de Agnese, que se torna uma relutante heroína da resistência italiana, em meio às complexas relações humanas que se desenvolvem em meio ao conflito, servindo como uma crítica poderosa aos horrores e às consequências devastadoras da guerra sobre as pessoas comuns. Ele encerrou a década com “Il Giocattolo” (1979), um thriller psicológico que mergulha no mundo do jornalismo e da política. Estrelado por Nino Manfredi e Marlène Jobert, o filme gira em torno de um jornalista que, em busca de um grande furo de reportagem, acaba se envolvendo em uma trama de assassinato e corrupção. O longa examina as nuances éticas e morais do jornalismo, questionando até onde um repórter irá em busca da verdade. Sucesso televisivo Na década de 1980, Giuliano Montaldo fez uma transição notável de sua carreira cinematográfica para trabalhos na televisão. Esse movimento coincidiu com um período de transformações na indústria cinematográfica italiana e global, marcado pelo declínio do cinema de autor e pelo avanço de filmes mais comerciais. A transição para a televisão permitiu que Montaldo explorasse formatos narrativos mais longos, como minisséries, que proporcionam tempo adicional para o desenvolvimento de personagens e tramas complexas. Sua incursão televisiva resultou numa obra-prima de aventura: “Marco Polo” (1982), minissérie sobre o explorador veneziano que recebeu críticas positivas e conquistou uma ampla audiência internacional. Transmitida em 46 países, a atração conquistou dois prêmios Emmy, incluindo Melhor Minissérie do ano, e contou com um elenco estelar que incluiu Ken Marshall, F. Murray Abraham, Denholm Elliott, David Warner, Anne Bancroft e Leonard Nimoy. Filmes mais recentes Montaldo voltou mais duas vezes ao tema da 2ª Guerra Mundial em obras como “Tempo de Matar” (1989), que aborda o colonialismo e traz Nicolas Cage no papel de um soldado italiano na África durante o conflito, e “Os Óculos Dourados” (1987), um drama que explora questões de identidade e perseguição durante o regime fascista na Itália, abordando temas de homossexualidade e antissemitismo, uma corajosa escolha temática para a época. Após se dedicar a documentários, ele voltou à ficção em “Demônios de San Petersburgo” (2008), em que explorou a vida do escritor Fyodor Dostoevsky, seguido por seu último longa como diretor, “L’industriale” (2011), que mergulha na vida de um industrial falido, oferecendo uma representação multifacetada da pressão corporativa e seus dilemas éticos. Ele se despediu do cinema seis anos depois com “Tudo o Que Você Quer” (2017), uma comédia dramática dirigida por Francesco Bruni, em que atuou como um idoso sofrendo de Alzheimer. Contribuições culturais Montaldo foi mais do que um cineasta; ele foi uma personalidade vibrante que contribuiu de forma significativa para a cultura e política italianas. Além de seus filmes, ele trabalhou em obras de cineastas renomados como Carlo Lizzani, Gillo Pontecorvo e Elio Petri. Entre outras obras, Montaldo foi crucial na filmagem de muitas das cenas de multidão e ação do famoso filme “A Batalha de Argel” (1966), dirigido por Gillo Pontecorvo. Marco do cinema político, que foi proibido no Brasil pela ditadura, “A Batalha de Argel” retrata a luta pela independência da Argélia contra o domínio francês e é notável por seu estilo documental e uso inovador de atores não profissionais. Montaldo foi responsável por organizar e coordenar as cenas que envolviam o maior número de figurantes, um desafio logístico considerável dada a autenticidade e a escala que a obra buscava retratar. O filme ganhou o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza e foi nomeado para três Oscars. O diretor também foi nomeado o primeiro presidente da RAI Cinema, a divisão cinematográfica da emissora estatal italiana RAI, um cargo que ocupou de 1999 a 2004. Esse período marcou um renascimento do cinema italiano, que contou com impulso de Montaldo, já que a RAI Cinema é um dos principais players na indústria cinematográfica italiana, com investimentos em uma variedade de projetos, desde produções locais até colaborações internacionais. Em seus anos finais, o cineasta ainda se aventurou no mundo da ópera. Montaldo dirigiu obras como “Turandot” na Arena de Verona e “Otello” com Plácido Domingo. Ele deixa um legado de peso, sempre com um olhar atento às questões sociais e à “insofferenza dell’intolleranza”, uma aversão à intolerância que marcou toda a sua carreira.
Matthew McConaughey pode retomar papel de “Tempo de Matar” em série da HBO
Matthew McConaughey pode retomar um papel que viveu há 25 anos no cinema para uma nova série da HBO. O canal pago americano está desenvolvendo uma adaptação do novo livro de John Grisham, “A Time for Mercy”, lançado no ano passado, que volta a trazer o advogado Jake Brigance, interpretado por McConaughey no filme “Tempo de Matar” (A Time to Kill, 1996). O ator está atualmente em negociações com a Warner Bros. TV para retornar ao papel. Caso assine o contrato, “A Time for Mercy” também marcará um retorno de McConaughey à HBO, após estrelar a 1ª temporada de “True Detective”. Em “A Time for Mercy”, Brigance defende um adolescente que matou o assistente de um xerife em sua cidade natal no Mississippi. Enfrentando uma cidade que deseja a pena de morte para o garoto, o advogado logo descobre que há muito mais por traz dessa história. Veja abaixo o trailer original de “Tempo de Matar” e a capa do novo livro de John Grisham (autor também de “A Firma”, “Dossiê Pelicano”, “O Júri”, “O Homem que Fazia Chover” e vários outros thrillers e dramas jurídicos adaptados para o cinema).
Joel Schumacher (1939 – 2020)
O cineasta Joel Schumacher, de “Batman Eternamente” (1995) e “Batman e Robin” (1997), faleceu nesta segunda-feira (22/6) aos 80 anos, enquanto enfrentava um câncer. Schumacher teve uma longa carreira em Hollywood, iniciada como figurinista de “O Destino que Deus Me Deu”, dramédia estrelada por Tuesday Weld em 1972. Ele chegou a Los Angeles após ter trabalhado como desenhista de roupas e vitrinista em Nova York, e se estabeleceu rapidamente na indústria cinematográfica, quebrando o galho até como cenografista em “Abelhas Assassinas” (1974). Após assinar figurinos de filmes de Woody Allen – “O Dorminhoco” (1973) e “Interiores” (1978) – , foi incentivado pelo cineasta a escrever e, eventualmente, tentar a direção. O incentivo rendeu os roteiros da famosa comédia “Car Wash: Onde Acontece de Tudo” (1976) e do musical “O Mágico Inesquecível” (1978), versão de “O Mágico do Oz” com Diana Ross e Michael Jackson, dois sucessos absurdos dos anos 1970. Com essas credenciais, conseguiu aval para sua estreia na direção, que aconteceu na comédia sci-fi “A Incrível Mulher que Encolheu” (1981), logo seguida por “Taxi Especial” (1983), produção centrada na popularidade do ator Mr. T (da série “Esquadrão Classe A”). O trabalho como diretor começou a chamar atenção a partir do terceiro filme, quando Schumacher demonstrou seu raro talento para escalar atores. No drama “O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas” (1985), ele juntou uma turma jovem que marcou a década de 1980: Demi Moore, Rob Lowe, Emilio Estevez, Judd Nelson, Andrew McCarthy e Ally Sheedy – apelidados de “brat pack” pela mídia. O sucesso comercial veio com dois terrores inventivos, que viraram exemplos da chamada “estética MTV” no cinema. Ele usou elementos de clipes para dar uma aparência juvenil aos temas sobrenaturais. Em “Os Garotos Perdidos” (1987), filmou uma história de vampiros delinquentes, reunindo pela primeira vez os atores Corey Haim e Corey Feldman, que formariam uma dupla inseparável ao longo da década, ao mesmo tempo em que explorou a imagem de Jim Morrison, cantor da banda The Doors, como referência para uma juventude vampírica que se recusava a envelhecer. Em “Linha Mortal” (1990), juntou o então casal Kiefer Sutherland (seu vilão em “Os Garotos Perdidos”) e Julia Roberts num grupo de estudantes de Medicina (com Kevin Bacon, William Baldwin e Oliver Platt) que decide colocar a própria saúde em risco para descobrir se havia vida após a morte. Os dois filmes tornaram-se cultuadíssimos, a ponto de inspirarem continuações/remakes. Entre um e outro, ele ainda explorou o romance em “Um Toque de Infidelidade” (1989), remake do francês “Primo, Prima” (1975), com Isabella Rossellini, e “Tudo por Amor” (1991), com Julia Roberts. E assinou clipes de artistas como INXS, Lenny Kravitz e Seal – a tal “estética MTV”. Já tinha, portanto, uma filmografia variada quando se projetou de vez com o thriller dramático “Um Dia de Fúria” (1993), um dos vários filmes estrelados por Michael Douglas que deram muito o que falar no período – durante sete anos, entre “Atração Fatal” (1987) e “Assédio Sexual” (1994), o ator esteve à frente dos títulos mais controvertidos de Hollywood. O longa mostrava como um cidadão dito de bem era capaz de explodir em violência, após o acúmulo de pequenos incidentes banais. A projeção deste filme lhe rendeu status e o convite para dirigir o terceiro e o quarto longas de Batman. Mas o que deveria ser o ponto alto de sua trajetória quase acabou com ela. O personagem dos quadrinhos vinha de dois filmes muito bem-recebidos por público e crítica, assinados por Tim Burton, que exploraram uma visão sombria do herói. Schumacher, porém, optou por uma abordagem cômica e bem mais colorida, chegando a escalar o comediante Jim Carrey como vilão (o Charada) e introduzindo Robin (Chris O’Donnell) e até Batgirl (Alicia Silverstone). Ele também deu mais músculos ao traje usado por Val Kilmer em “Batman Eternamente” (1995) e mamilos ao uniforme de George Clooney em “Batman e Robin” (1997) – o que até hoje rende piadas. Abertamente homossexual, Joel Schumacher acabou acusado por fanboys de enfatizar aspectos homoeróticos de Batman. Diante do fiasco, a Warner se viu obrigada a suspender a franquia, que só voltou a ser produzida num reboot completo de 2005, pelas mãos de Christopher Nolan. Em meio à batcrise, o diretor também filmou dois dramas de tribunal, “O Cliente” (1994) e “Tempo de Matar” (1996), inspirados por livros de John Grisham, que tampouco fizeram o sucesso imaginado pelo estúdio, aumentando a pressão negativa. Sem desanimar, ele realizou o suspense “8mm: Oito Milímetros” (1999), juntando Nicolas Cage e Joaquin Phoenix, e ainda foi responsável por lançar Colin Ferrell em seu primeiro papel de protagonista no drama “Tigerland – A Caminho da Guerra” (2000). Ambos receberam avaliações positivas. Mas entre cada boa iniciativa, Schumacher continuou intercalando trabalhos mal-vistos, o que fez com que diversos momentos de sua carreira fossem considerados pontos de “retorno” à melhor fase. O elogiadíssimo suspense “Por um Fio” (2002), por exemplo, com Colin Ferrell basicamente sozinho numa cabine telefônica, atingiu 76% de aprovação no Rotten Tomatoes e assinalou o momento mais claro de “renascimento”. Só que em seguida veio o fracasso dramático de “O Custo da Coragem” (2003), com Cate Blanchett e – novamente – Ferrell, fazendo com que o trabalho seguinte, a adaptação do espetáculo da Broadway “O Fantasma da Ópera” (2004) fosse visto como mais uma chance de recuperação. Cercado de expectativa, o musical estrelado por Gerard Butler e Emmy Rossum se provou, contudo, um fiasco tão grande quanto as adaptações de quadrinhos, encerrando o ciclo de superproduções do diretor. O terror “Número 23” (2007), com Jim Carrey, foi a tentativa derradeira de recuperar a credibilidade perdida. E acabou-se frustrada. Schumacher nunca superou as críticas negativas a esse filme – 8% de aprovação no Rotten Tomatoes – , que tinha conceitos ousados, mas foi recebido como sinal evidente de fim de linha. Ele ainda fez mais três filmes de baixo orçamento, dois deles para o mercado europeu, abandonando o cinema ao voltar a Hollywood para seu último fracasso, “Reféns” (2011), estrelado por Nicolas Cage e Nicole Kidman. Na TV, ainda comandou dois episódios da 1ª temporada de “House of Cards”, ajudando a lançar o projeto de conteúdo original da Netflix em 2013. De forma notável, dezenas de pessoas que trabalharam com Schumacher, nos sucessos e nos fracassos, mobilizaram-se nas últimas horas para lembrar no Twitter que ele não é só o diretor dos piores filmes de Batman. O cineasta foi “uma força intensa, criativa e apaixonada” nas palavras de Emmy Rossum. “Ele viu coisas mais profundas em mim que nenhum outro diretor viu”, apontou Jim Carrey. “Ele me deu oportunidades e lições de vida”, acrescentou Kiefer Sutherland, concluindo que sua “marca no cinema e na cultura moderna viverão para sempre”. Muitos ainda lembraram dele como mentor e amigo. O roteirista Kevin Williams contou como foi convidado para ir a um set por Schumacher e recebeu conselhos que considera importantes para sua carreira. E Corey Feldman revelou, sem filtro, que “ele me impediu de cair nas drogas aos 16 anos”, citando como foi enquadrado e quase demitido pelo cineasta em “Os Garotos Perdidos”. “Pena que eu não escutei”.


