Irmãos Dardenne dissecam o sentimento de culpa em A Garota Desconhecida
Como os escultores que retrabalham o mesmo granito em formas familiares, os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne sempre contam histórias naturalistas, imediatas e contemporâneas, enraizadas na paisagem cinza e industrial da Seraing de língua francesa, perto de Liège. Nesse “A Garota Desconhecida”, a atriz francesa Adèle Haenel (da comédia “Amor à Primeira Briga”) interpreta Jenny Davin, uma médica local, sensível, consumida pela culpa quando uma jovem prostituta é encontrada morta perto do rio perto de seu consultório. A mulher morta tinha batido na porta de Jenny antes de ser assassinada – mas a médica ignorou o sinal. Claro, ela não tinha ideia de que a vítima estava correndo perigo, mas agora é atormentada pelo pensamento de que se tivesse aberto a porta, a menina ainda estaria viva, e é este tormento que alimenta o motor dramático de um filme que é sobre os fardos, mas também sobre o papel de observador que um médico assume ao exercer a profissão. A vida de Jenny parece se dividir em antes e depois do incidente. Antes, ela exercia sua função com um controle e um equilíbrio, que levaram seu auxiliar a desistir de ser médico. A austeridade, o rigor de Jenny em lidar com os pacientes incomodaram o pupilo. Depois do incidente, contudo, Jenny tornou-se instável. Até mesmo a firmeza que revelava ao tratar de seus pacientes, já não se opera da mesma forma. Ela passa a ser acometida por insegurança e dúvidas. Tudo isso é colocado em cena de forma sutil pelos irmãos Dardenne. Eles continuam a explorar os ritmos e rituais do dia a dia, mostrando o desequilíbrio em pequenos gestos. Na segunda parte do filme, Jenny compra um lote no cemitério para a garota não identificada e lança sua própria investigação sobre a morte. Nesse trecho, ocorre uma ruptura. Há uma abundância de suspeitas, e para um filme dos Dardenne, que sempre trabalham com histórias mínimas, chega a ser surpreendente nos deparamos com cenas mais movimentadas do que o esperado e duas reviravoltas. Será que os irmãos estariam rompendo com o estilo? Não, trata-se apenas de impressão. No final, é claro que Jenny ficará frente a frente com o culpado, mas a resolução do crime se estrutura de forma bem original: parece mais uma consulta do que uma revelação e apresenta inclusive um diagnóstico. É frio, certeiro e técnico-científico como uma sala cirúrgica. No fundo, durante todo o filme, a médica vive o mesmo dilema moral dos personagens de “O Filho” (2002) e também de “A Criança” (2005): será que há atos totalmente imperdoáveis, ou toda ação humana pode ser compreendida dentro de seu contexto, sempre individual e não-categorizável? A resposta, como sempre no cinema dos irmãos, aponta para o caminho da compreensão – menos porque os personagens o tornem realidade do que pela soma daquilo que acompanhamos e sentimos.
Próximo filme dos irmãos Dardenne abordará o crescente terrorismo na Europa
Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (“Dois Dias, Uma Noite”) anunciaram que a onda crescente de terrorismo na Europa será o tema de seu próximo filme. Os cineastas belgas revelaram a novidade durante sua passagem pelo Festival de Lima, no Peru, onde receberam uma homenagem por suas carreiras. A trama deve abordar as temáticas já clássicas nas obras dos Dardenne, enfocando pessoas marginalizadas na sociedade. Segundo o site da revista Variety, a expectativa é que as filmagens comecem no outono europeu de 2017. O último filme da dupla, “La Fille Inconnue” (A Garota Desconhecida, em tradução literal), foi lançado no Festival de Cannes deste ano, quando sofreu rejeição da crítica. Após passar por uma nova montagem, o filme voltará a ser exibido em outubro, no Festival de Nova York. O longa ainda não tem previsão de lançamento no Brasil.
Após críticas negativas em Cannes, Irmãos Dardenne vão reeditar totalmente seu novo filme
Os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne tomaram uma decisão radical, após refletirem sobre as primeiras críticas negativas de suas carreiras, direcionadas à exibição de “La Fille Inconnue” (título internacional: “The Unknown Girl”) no último Festival de Cannes. Segundo o site da revista Variety, os veteranos cineastas belgas vão reeditar totalmente o longa antes de lançá-lo nos cinemas mundiais. Não há informações sobre o que será alterado, mas estão previstas 32 mudanças e um corte de sete minutos em sua duração, em relação ao material exibido em Cannes. O filme dividiu opiniões em Cannes e foi considerado uma das decepções do festival, ao lado de “The Last Face”, de Sean Penn, e “It’s Only The End of the World”, de Xavier Dolan, que acabou premiado. Assim como em seu filme anterior, o ótimo “Dois Dias e uma Noite” (2014), os Dardenne voltam a trabalhar com uma atriz francesa no auge de sua carreira. Antes, foi Marion Cotillard. Agora, é Adèle Haenel, vencedora de dois prêmios César (por “Suzanne” e “Amor à Primeira Briga”). Ela vive uma médica que se recusa a atender uma mulher negra após fechar o consultório, apenas para descobrir, no dia seguinte, que a desconhecida foi morta ali perto. O sentimento de culpa ainda lhe cobra pelo afastamento de um estagiário, que chegou a desistir da Medicina depois de uma crise. E isso a torna obcecada por descobrir mais a respeito da falecida, lançando-a numa investigação mais intensa que a da própria polícia. Até que fica claro que, por questões sociais, ela é na verdade a única interessada em descobrir algo sobre aquela morte. A produção ainda não tem data de estreia definida nos cinemas brasileiros.
Cannes: Irmãos Dardenne dividem opiniões com nova parábola moral
Com duas Palmas de Ouro no currículo, por “Rosetta” (1999) e “A Criança” (2005), os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne são sempre favoritos na competição do Festival de Cannes. Mas a première de seu novo filme, “La Fille Inconnue” (A Garota Desconhecida), não obteve a unanimidade crítica com a qual eles se acostumaram. O filme dividiu opiniões, aguardando à velha guarda europeia e irritando os jovens da era digital. Assim como em seu filme anterior, o ótimo “Dois Dias e uma Noite” (2014), os Dardenne voltam a trabalhar com uma atriz francesa no auge de sua carreira. Antes, foi Marion Cotillard. Agora, é Adèle Haenel, vencedora de dois prêmios César (por “Suzanne” e “Amor à Primeira Briga”). Ela vive uma médica que se recusa a atender uma mulher negra após fechar o consultório, apenas para descobrir, no dia seguinte, que a desconhecida foi morta ali perto. O sentimento de culpa ainda lhe cobra pelo afastamento de um estagiário, que chegou a desistir da Medicina depois de uma crise. E isso a torna obcecada por descobrir mais a respeito da falecida, lançando-a numa investigação mais intensa que a da própria polícia. Até que fica claro que, por questões sociais, ela é na verdade a única interessada em descobrir algo sobre aquela morte. “Questões morais sempre partem de pontos de vistas pessoais. Nos sentimos compelidos a buscar histórias que explorem essa perspectiva”, explicou Luc Dardenne, durante a entrevista coletiva do festival. Se o ponto de vista pessoal é o ponto de partida, o objetivo final é, claramente, ecoar como uma parábola moral, onde o sentimento de culpa vira martírio para quem busca a redenção. “O público, claro, pode entender o filme como quiser. Uma vez que tenha sido visto, um filme pertence aos espectadores. Se eles quiserem ver algum exemplo neste, têm liberdade para fazê-los. Podem vê-lo tanto como uma história individual moral quanto como um diagnóstico da sociedade”, Luc completa. A ambição de diagnosticar a sociedade se deve à forma sutil como a trama trata a responsabilidade de sua protagonista diante de uma vítima das classes menos favorecidas. A morta, descobre-se, era uma imigrante africana. E, assim, a trama embute a questão da imigração que está no centro dos debates da Europa atual. “Não estamos tentando mandar nenhum recado”, ele avisa, antes que lhe passem alguma bandeira para agitar. “Estamos contando a história de alguém que se sente responsável… e se recusa a dizer ‘não vi nada'”, explica, para justificar o purgatório em que a personagem passa a habitar. “Ela não abriu a porta quando deveria”.



