Cineasta Sally Potter divulga clipe de seu disco de estreia
A cineasta britânica Sally Potter decidiu apostar numa carreira musical com o lançamento do seu primeiro álbum, intitulado “Pink Bikini”. Conhecida por dirigir filmes como “Orlando, a Mulher Imortal” (1992), “Porque Choram os Homens” (2000) e “A Festa” (2017), ela divulgou o videoclipe da primeira faixa do projeto. Mergulhado no conceito preto e branco, a gravação exalta o conceito minimalista característico da cineasta com a canção “Black Mascara”. Durante o vídeo, Potter aparece balançando o quadril enquanto gira um bambolê na cintura. Com a música tocando ao fundo, ela permanece afastada da câmera e sem sair do lugar, enquanto as letras da canção aparecem do outro lado da tela e destoam em vermelho do filtro monocromático. “‘Black Mascara’ foi uma das primeiras faixas que escrevi para ‘Pink Bikini’, um álbum de canções que explora retrospectivamente os desesperos e anseios da minha turbulenta adolescência; uma época de transição, marcada pelo fim da infância e o início da vida adulta”, revelou Potter em comunicado. Conhecida por produções minimalistas A artista se entrega ao seu lado musical enquanto aborda os conceitos do cinema, caminho pelo qual trilhou ao longo de mais de 50 anos de carreira. Segundo ela, o videoclipe é o início de uma nova fase e, por isso, deve ser produzido de forma orgânica. “Fazer o vídeo foi um retorno diferente. Precisava ser feito da mesma forma que fiz filmes quando comecei na adolescência”, declarou. Dessa forma, o clipe faz uma referência nostálgica aos primeiros trabalhos de Potter, que foram curta-metragens ainda filmados em preto e branco, no início dos anos 1970. “Naquela época eu não tinha dinheiro, treinamento ou equipamento. A necessidade de inventar e imaginar coisas do nada se tornou parte de uma filosofia que mais tarde chamei de ‘Barefoot Filmmaking'”, revelou. Traduzido como “cinema descalço”, o conceito engloba um estilo de produção desprevenido. A partir dessa abordagem, a cineasta ficou conhecida por fazer filmes com recursos simples e improvisação, sem grandes orçamentos ou equipamentos sofisticados. “Significava trabalhar com meios mínimos, pegar equipamentos emprestados e trabalhar com a boa vontade e a energia de alguns amigos queridos e co-conspiradores”, detalhou. A diferença é que, para a produção do clipe, ela ainda com profissionais premiados. As imagens do vídeo foram gravadas por Robbie Ryan, diretor de fotografia indicado ao Oscar pelo seu trabalho em “A Favorita” (2018). Além disso, a produção também teve o apoio de uma equipe formada por graduados da Escola Nacional de Cinema e Televisão do Reino Unido. Paixão de longa data pela música Apesar de estar produzindo seu primeiro álbum aos 73 anos, o interesse de Potter pela música não é de hoje. Antes de se dedicar ao cinema, ela fazia parte do grupo Feminist Improvising Group (“Grupo Feminista de Improvisação”, em tradução livre), uma banda britânica de vanguarda. Durante os anos 1970, o grupo chegou a fazer turnês pela Europa. Além disso, a cineasta já se apresentou com a Film Music Orchestra e colaborou como letrista no álbum “Oh Moscow”, ao lado da musicista inglesa Lindsay Cooper. Na época, o conjunto realizou shows nas antigas União Soviética e Berlim Oriental em 1989, antes da queda do Muro de Berlim. Ainda no cinema, ela atuou na produção das trilhas sonoras originais de dois longas que dirigiu, sendo um deles “Orlando – A Mulher Imortal” (1992), ao lado do compositor David Motion. Recentemente, ela foi responsável pelas músicas de seu filme “Sonhos de Uma Vida” (2020), estrelado por Javier Bardem (“A Pequena Sereia”), Elle Fanning (“The Great”) e Salma Hayek (“Eternos”). Pink Pikini será um álbum biográfico Com o álbum de estreia, a cineasta promete uma coleção de canções “semi-autobiográficas”. “Pink Bikini” vai apresentar suas composições e letras originais, inspiradas na sua própria experiência na Londres dos anos 1960, período do qual era uma jovem rebelde e ativista. A capa do álbum é uma imagem de uma Potter ainda jovem, também em preto e branco. Além disso, arranjos musicais do projeto contam com a participação do guitarrista Fred Frith, ex-integrante de várias bandas de vanguarda (Henry Cow, Art Bears, Massacre e Skeleton Crew), que colabora com a cineasta em suas trilhas sonoras há anos. “Pink Bikini” será lançado nas plataformas digitais no dia 14 de julho.
Bruno Ganz (1941 – 2019)
O ator suíço Bruno Ganz, que viveu um anjo em “Asas do Desejo” e Adolf Hitler em “A Queda! As Últimas Horas de Hitler”, morreu de câncer neste sábado (16/2) aos 77 anos em Zurique, informou seu agente. Nascido em 22 de março de 1941, Ganz desenvolveu a maior parte de sua carreira artística no cinema, na televisão e no teatro alemães durante mais de meio século de interpretações. Ele foi atraído para a atuação ainda muito jovem, quando um amigo, técnico de iluminação de um teatro local, passou a deixá-lo assistir às produções. A trajetória cinematográfica começou em 1960 no cinema suíço, mas só deslanchou quando foi filmar no exterior, ao se envolver com ícones da nouvelle vague francesa. Em 1976, coadjuvou em “No Coração, a Chama”, primeiro filme dirigido pela atriz Jean Moreau, e se tornou protagonista em “A Marquesa d’O”, de Éric Rohmer. Falado em alemão, o longa do mestre francês foi premiado em Cannes e rendeu a Ganz o primeiro reconhecimento de sua carreira, como Melhor Ator na votação anual da Academia Alemã-Ocidental. No ano seguinte, ele iniciou uma das principais parcerias de sua filmografia, ao estrelar o filme que lhe apresentou para o mundo, “O Amigo Americano” (1977), adaptação do suspense noir de Patricia Highsmith realizada pelo alemão Win Wenders. Na trama, Ganz vivia um emoldurador de quadros casado, com filho, endividado e vítima de uma doença terminal, que, por não ter muito a perder, é convencido a virar assassino profissional pelo amigo americano do título, ninguém menos que o serial killer Tom Ripley (que depois teria sua origem filmada em “O Talentoso Ripley”), interpretado por Dennis Hopper. O resultado, filmado de forma altamente estilizada por Wenders, e a presença de Hopper – e dos diretores Nicholas Ray e Samuel Fuller, em papéis coadjuvantes – transformou a obra em cult movie e deu a Ganz audiência cativa mundial. Fez, a seguir, seu primeiro filme americano, o terror “Meninos do Brasil” (1978), de Franklin J. Schaffner, sobre clones de Hitler, embarcou no remake do marco do expressionismo alemão “Nosferatu: O Vampiro da Noite” (1979), com direção de Werner Herzog, voltou à França para “A Dama das Camélias” (1981), adaptação do clássico literário de Alexandre Dumas Filho, em que contracenou com Isabelle Huppert, e trabalhou com ainda outro mestre do Novo Cinema Alemão, Volker Schlöndorff, em “O Ocaso de um Povo” (1981), sobre a questão Palestina. O segundo encontro com Wenders rendeu novo papel memorável, como um anjo pairando sobre Berlim em “Asas do Desejo” (1987). Filmado em preto e branco – e novamente com participação de um americano, Peter Falk – , o filme se tornou o postal definitivo de Berlim Ocidental, uma cidade à beira de um muro com uma juventude à beira do abismo, embalado por trilha/shows de rock depressivo – Nick Cave and the Bad Seeds e Crime and the City Solution. Cultuadíssimo, venceu o troféu de Melhor Direção no Festival de Cannes, o Prêmio do Público na Mostra de São Paulo e o de Melhor Filme Estrangeiro no Film Independent Spirit Awards americano. Ganz filmou ainda um terceiro longa com Wenders, “Tão Longe, Tão Perto” (1993), novamente ao lado de Peter Falk e com Willem Dafoe. E embarcou numa turnê cinematográfica mundial, rodando produções na Itália (“Sempre aos Domingos”, 1991), Austrália (“O Último Dia em Que Ficamos Juntos”, 1992), Islândia (“Filhos da Natureza”, 1991) e Reino Unido (“A Vida de Saint-Exupery”, 1996). Até criar outro clássico com um grego, Theodoros Angelopoulos, em “A Eternidade e um Dia” (1998). Após filmes de menor evidência, voltou com tudo em 2004 com duas produções que lhe deram grande visibilidade: o remake de “Sob o Domínio do Mal”, dirigido pelo americano Jonathan Demme, e principalmente “A Queda! As Últimas Horas de Hitler”, de Oliver Hirschbiegel, em que interpretou o Hitler mais convincente já visto no cinema, amargurando seu final de vida no bunker de onde só sairia morto. A popularidade de “A Queda!”, indicado ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, embalou outra volta ao mundo, que desta vez o levou até ao Japão (“The Ode to Joy”, 2006), antes de colocá-lo novamente em Hollywood, em “Velha Juventude” (2007), dirigido por Francis Ford Coppola, e numa nova parceria com Angelopoulos, “A Poeira do Tempo” (2008). Ele ainda realizou uma façanha, ao estrelar dois filmes indicados ao Oscar num mesmo ano: “O Grupo Baader Meinhof” (2008), de Uli Edel, sobre o grupo terrorista alemão dos anos 1970, que disputou o troféu de Melhor Filme em Língua Estrangeira, e “O Leitor” (2008), do inglês Stephen Daldry, sobre uma ex-funcionária nazista analfabeta, que rendeu o Oscar de Melhor Atriz para Kate Winslet. Membro ativo da comunidade cinematográfica alemã, Ganz também atuou como presidente da Academia Alemã de Cinema de 2010 a 2013. E, em 2010, recebeu uma homenagem da Academia Europeia por sua filmografia. Que só aumentou desde então. Extremamente versátil, Ganz acumulou filmes de alcance internacional na fase final de sua carreira, como os thrillers hollywoodianos “Desconhecido” (2011), de Jaume Collet-Serra, e “O Conselheiro do Crime” (2013), de Ridley Scott, o romance “Trem Noturno para Lisboa” (2013), de Bille August, o cult escandinavo de vingança “O Cidadão do Ano” (2014), de Hans Petter Moland – refilmado neste ano como “Vingança a Sangue Frio” – , o drama “Memórias Secretas” (2015), de Atom Egoyan, a comédia “A Festa” (2017), de Sally Potter, e o ultraviolento “A Casa que Jack Construiu” (2018), de Lars Von Trier, em que deu vida ao poeta Virgílio, acompanhando o serial killer interpretado por Matt Dillon numa jornada para o Inferno. No ano passado, os médicos o diagnosticaram com um câncer intestinal, mas, mesmo passando por tratamento com quimioterapia, ele continuou filmando. O ator deixou três longas inéditos, entre eles “Radegund”, do americano Terrence Malik. Para se ter ideia da importância de Ganz para o cinema e o teatro alemães, ele era portador do Anel de Iffland, uma honraria lendária do século 18, que apenas o melhor ator em língua alemã pode usar, e sua utilização é vitalícia, passando a outro intérprete apenas após sua morte.
A Festa ironiza intelectuais e poderosos de partidos políticos
“A Festa” é uma comédia irônica, de sorrisos, não de gargalhadas. Ao revelar-nos um universo perverso, que escamoteia todas as questões, o que fica é só aparência e vazio. O que é objeto de reflexão sobre o mundo dos bem-sucedidos e poderosos. Um encontro íntimo reúne sete amigos, com a intenção de celebrar a ida de Janet (Kristin Scott Thomas) para o prestigioso Ministério da Saúde, no Reino Unido. É bom lembrar que o atendimento britânico de saúde é referência mundial . Pois bem, o filme tratará de pôr em cheque isso também. O mais importante é que uma doença terminal, revelações sobre uma gravidez inesperada, infidelidades várias, lesbianismo e dependência de drogas serão elementos detonadores dessa celebração. O desnudamento da burguesia poderosa que o filme apresenta faz lembrar o mestre espanhol Luís Buñuel e seu estilo corrosivo. No entanto, aqui não há propriamente surrealismo ou non sense. Tudo se dá numa dimensão que cabe no terreno racional. Com dificuldade, é verdade, mas cabe. O mais próximo do surreal é o ótimo personagem de Bruno Ganz, Gottfried, com sua energia positiva descolada da realidade, sua atitude de autoajuda e suas crenças alternativas. Já a militante do partido que vai virar ministra nos é bastante familiar, no seu cinismo e descrença do seu papel republicano no governo. A intelectualidade real, ou simulada, dos demais não resiste ao crivo da razão e do equilíbrio. Jogam pesadamente na deslealdade, no que está encoberto ou omisso. Detonam a si mesmos e aos outros. O título original “The Party” refere-se tanto à festa que implode quanto ao partido político – supostamente de esquerda. Um bom roteiro, diálogos atraentes, um elenco de peso e uma interessante opção pelo preto e branco, que reforça a ligação com o Buñuel dos primeiros tempos, faz do filme da cineasta Sally Potter (do clássico “Orlando, a Mulher Imortal”) uma ótima atração do presente ano cinematográfico.


