Ratinho faz mimimi pra reclamar de mimimi: “Vão pro quinto dos infernos”
Apresentador reclama de “politicamente correto” sem nunca ter enfrentado injustiça social
Julia Louis-Dreyfus defende humor politicamente correto em crítica a Jerry Seinfeld
Atriz destaca importância da sensibilidade na comédia e defende o maior cuidado com as minorias como positiva
Série Pose será vítima de iniciativa politicamente correta da Fox no Brasil
A série “Pose”, que aborda a luta por aceitação e mostra a expressão cultural dos transexuais dos anos 1980, será vítima de uma iniciativa politicamente correta no Brasil. A Fox decidiu exibir a série com o que chama de “legendas inclusivas”, substituindo o gênero gramatical para se referir aos indivíduos de ambos os sexos. “Não se trata de eles ou elas, mas sim de todxs”, diz a emissora em comunicado. Segundo a Fox, a ideia é destacar a mensagem da série e promover “inclusão, diversidade e aceitação”. Isto é politicamente correto, mas também socialmente equivocado. Para entender, é preciso pausar o oba-oba da neutralidade de gêneros, que quase foi parar nos currículos de ensino na época de um Ministério da Educação politicamente motivado, e ser um pouco didático. Para começar, a ideia de adotar uma categoria pronominal a parte em português, o “x”, reflete o uso do “it” (coisa) do inglês. E isto não é fomentar inclusão, mas exclusão. Considerar que transexuais femininas não são mulheres, mas algo que deve ser marcado com x, não é aceitação. Ao contrário, significa um estigma. Na verdade, trata-se de uma iniciativa que perpetua a segregação. Em franco contraste, a série inteira reforça que os protagonistas querem ser aceitos como mulher. Querem ser vistos como pessoas de verdade – como todos e não como “todxs”. Um dos momentos mais tocantes é quando a personagem Angel (Indya Moore) se recusa a mostrar seu pênis para a esposa de seu amante, que duvida que ela seja um homem, e Angel diz que é a única parte de seu corpo que não a define. Outra personagem, Elektra (Dominique Jackson), abre mão de tudo para fazer uma cirurgia de mudança de sexo para realizar seu sonho de ser “totalmente” mulher. As personagens de “Pose” são elas, não “elxs”. O politicamente correto também pode ser preconceituoso, como demonstra esse caso. Na verdade, a ideia da neutralidade de gênero gramatical é defendida pelos mesmos que tentam trocar a expressão “americano” por “estadunidense” na linguagem escrita, um esforço intelectual análogo à novilíngua de “1984”. Mas que enfrenta a limitação da fala. Como se pronuncia “todxs”? Isto significa que a série não terá opção dublada? A linguagem não binária não “pegou” nem sequer para definir pessoas não binárias, isto é, que não se identificam com nenhum gênero. Nos Estados Unidos, não binários não são “it”, mas “they”. Adotam o plural para se referir a si mesmos, já que o plural do pronome “he” e “she” é neutro na língua inglesa. Como se vê, o x da questão é um problema latino, da língua latina e da cultura latina, marcada por séculos de culpa católica e machismo, responsável por impor latim e dogmas para os bárbaros. Aceitação não tem x. Diversidade não é apontar freaks, dizer que eles são diferentes e tratá-los como aberrações que merecem um idioma próprio até para serem abordados. Em vez de travar a língua para dizer “todxs”, que tal simplificar e tratar transexuais femininas como mulheres e transexuais masculinos como homens? É certeza que elas e eles (e não elxs) vão gostar desse ato simples de respeito, que não exige o menor malabarismo verbal ou distintivo de politicamente correto. “Pose” estreia no canal pago Fox Premium em 28 de setembro.
Atitude de Ed Skrein, que desistiu de filme para não viver papel asiático, chacoalha Hollywood
A decisão de Ed Skrein (“Deadpool”) de desistir de um papel no reboot de “Hellboy”, diante da reação das redes sociais à sua escalação como um personagem que originalmente era asiático nos quadrinhos, pode ter grande influência no futuro das adaptações cinematográficas. A revista Entertainment Weekly entrevistou alguns diretores de casting de Hollywood e verificou que a repercussão deve mudar o modo como o cinema escala seus atores. Skrein tinha sido contratado para viver o Major Ben Daimio, um personagem de descendência japonesa nos quadrinhos. Branco e britânico, ele não não tinha nada em comum com o papel e, ao entender a reação do público, percebeu que também estava tirando uma oportunidade de trabalho de um ator asiático – e papéis para asiáticos são bastante escassos em Hollywood. “É claro que a representação deste personagem de uma maneira culturalmente precisa tem significado para as pessoas, e vi que negligenciar essa responsabilidade continuaria uma tendência preocupante para obscurecer histórias e vozes de minorias étnicas nas Artes”, escreveu Skrein no Twitter, justificando sua decisão de abandonar o longa. “É nossa responsabilidade tomar decisões morais em tempos difíceis e dar voz à inclusão”. “Agora, acho que todos tiveram um chamado para despertar… Esta discussão é incrivelmente saudável, e acho que já foi muito adiada”, disse a diretora de casting Lucinda Syson, que escalou Skrein no papel principal de “Carga Explosiva: O Legado”(2015). “Ele vai ser sempre lembrado por simbolizar a representação autêntica na tela”, completou o diretor de casting Russell Boast (série “Chance”), que dirige o comitê de diversidade da Casting Society of America. “Eu acho que sua decisão vai ressoar com muitos atores que nunca pensaram em recusar papéis e protestar contra este jogo de embranquecimento que está sendo jogado”. O embranquecimento de personagens (whitewashing, em inglês) é um hábito histórico de Hollywood. Mas se no passado ninguém reclamava de ver Charleton Heston como um mexicano ou hebreu, nos últimos anos a autenticidade na representação étnica tem sido bastante cobrada. Escalações equivocadas não têm mais passado em branco, gerando reclamações cada vez mais barulhentas. Seja Emma Stone como uma personagem de ascendência chinesa em “Sob o Mesmo Céu” (2015) ou Scarlett Johansson interpretando o papel principal de “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell” (2017), uma japonesa colocada dentro do corpo de uma mulher branca, literalmente apagando sua identidade cultural original. Entretanto, até Skrein tomar sua atitude, nenhum ator optou por se afastar desse tipo de papel, e os cineastas também aceitaram as escolhas de casting, argumentando com freqüência que Hollywood não tem estrelas de cinema asiáticas. De acordo com Julia Kim (“O Protetor”), uma rara diretora de casting asiática, a decisão de Skrein vai levar outros atores a refletirem se vale a pena se desgastar em defesa de sua escalação racialmente incorreta num filme. “Ele poderia ter realmente se beneficiado com um grande papel como esse em um grande filme. Mas também teria sido uma atenção negativa, e esta é uma atenção positiva… De certa forma, sua decisão transferiu a responsabilidade para os próprios atores e corrigiu o problema de dentro para fora. Isso define uma plataforma, que os outros atores podem ou não seguir, mas não terão mais como evitar”. Em outras palavras, a decisão de Skrein, juntamente com a explicação de sua atitude nas redes sociais, torna mais difícil para outros atores se defenderem diante de suas escalações equivocadas. Uma coisa é os fãs assinarem petições e criarem campanhas para a representação correta de personagens asiáticos ou de outras etnias no cinema. Outra bem diferente é quando um ator chama a responsabilidade para si e dá um exemplo. Isso também vale para os estúdios, especialmente os que estão por trás de franquias que podem perder fãs por insistirem no embranquecimento. Vale lembrar que até o produtor asiático Roy Lee chegou a defender a versão americana de “Death Note”, dizendo que a adaptação tinha transportado a trama para os Estados Unidos e, por isso, fazia sentido que o papel principal fosse interpretado por Nat Wolff. Entretanto, esta “adaptação” não tirou da trama o personagem de Ryuk, que é um shinigami, um espírito que só existe na cultura japonesa, e que foi interpretado por um ator branco, Willem Dafoe. Skrein já mudou a cabeça dos produtores de “Hellboy”, Larry Gordon e Lloyd Levin, que, se antes não viam problema em escalar um inglês como o Major Ben Daimio, agora divulgaram um comunicado afirmando que se comprometeriam a encontrar um ator asiático para o papel. “Não foi nossa intenção ser insensível às questões de autenticidade e etnia”, disseram eles, “e vamos procurar reformular a parte com um ator mais consistente com o personagem no material de origem”. O que a reportagem da Entertainment Weekly negligencia – de forma muito conveniente, por sinal – é que essa mesma insensibilidade racial tem sido usada na substituição sistemática de personagens brancos por intérpretes negros nas adaptações de quadrinhos, especialmente nas séries de TV. Em todas as produções de Greg Berlanti, à exceção do protagonista de “Riverdale”, os personagens ruivos dos quadrinhos são vividos por atores negros. Entretanto, quando os roteiristas decidem criar personagens inéditos para as mesmas séries, optam invariavelmente por conceber novos papéis para brancos. E se a Marvel transformou o asiático O Ancião na britânica Tilda Swinton em “Doutor Estranho”, também fez a nórdica Valquíria ganhar a interpretação da atriz negra Tessa Thompson no vindouro “Thor: Ragnarok”, com direito aos mesmos equívocos culturais – no caso da Valquíria, uma longa tradição viking, com reflexo até nas óperas de Richard Wagner. Que tal refletir sobre isto, também?



