Paterson eleva o cotidiano com poesia cinematográfica
Quantas vezes deixamos passar momentos preciosos de nossas vidas só porque eles não parecem dignos de serem lembrados – por não serem, por assim dizer, extraordinários? E quantas vezes deixamos de perceber que estamos, sim, diante de momentos extraordinários, apesar de ordinários? É tudo uma questão de perspectiva, de olhar a vida como poeta, de perceber a beleza nos detalhes, como a posição dos sapatos de uma dupla de pessoas que conversam no ônibus ou uma simples caixa de fósforos. Isso pode ser alimento para a poesia. “Paterson”, o novo trabalho de Jim Jarmusch, serve para lembrar disso. E o faz com uma beleza e uma humanidade tão delicada que combina muito bem com seu personagem-título, vivido por Adam Driver. Trata-se, aliás, do melhor papel de sua carreira até o momento, superando e contrastando com o intenso Adam, seu personagem em “Girls”, a série recém-encerrada de Lena Dunham. Paterson, ao contrário de Adam, tem uma sobriedade e uma serenidade para lidar com a vida que dá até vontade de tomar como exemplo. Quando um colega de trabalho pergunta sobre sua vida, ele diz que está tudo bem, enquanto o tal colega está sempre reclamando de algumas coisas (várias, na verdade). Mas, de fato, Paterson é um homem de sorte: é casado com uma mulher amável e que ele ama (lindas as cenas do amanhecer, com os dois na cama), tem uma rotina tranquila em um bairro tranquilo e consegue tempo para transformar os seus pensamentos em poemas, os quais guarda em um caderninho. Sua esposa Laura (a iraniana Golshifteh Farahani, de “Procurando Elly”, de Asghar Farhadi) tenta fazer com que Paterson faça uma cópia de seus escritos e mostre ao mundo seus belos poemas. Ele, porém, hesita. O filme não diz, mas talvez a fama ou uma possível e indesejada mudança de rotina atrapalhasse o modo como ele vê a vida. Esse talvez seja um dos motivos também de ele não querer um telefone celular ou mesmo um computador. A vida de motorista de ônibus, para ele, lhe basta, provavelmente. A esposa gosta de pintar coisas em sua casa e planeja ser cantora de música country, além de cozinheira de cup cakes e outras novidades, geralmente com uma obsessão pelo contraste entre o preto e o branco. Quanto a Paterson, sua poesia se nutre do cotidiano, que se faz necessário na rotina de uma pessoa comum – no caso, alguém que é motorista de ônibus, é casado, tem um cachorro que leva para passear e que também gosta de tomar uma cerveja no mesmo bar todos os dias. Além do mais, no ônibus, ele aprecia ouvir as conversas dos passageiros. Tudo é combustível para sua poesia. Por outro lado, a opção narrativa de Jarmusch, de apresentar os eventos separados em dias da semana, parece antecipar algo de muito extraordinário ou mesmo perigoso. Afinal, isso é comum em filmes que abordam motoristas. Mas se há algo que vai mexer com o equilíbrio de Paterson no desenrolar da trama – e também afetar o telespectador – , não é nenhum fim do mundo. O sentimento despertado pelo filme não é apenas um modo de envolver o público com o personagem, mas também uma forma de encontrar afinidade no que se refere à valorização da arte como meio de expressar de forma transcendental a vida. A arte nos eleva. E de vez em quando é bom sair de um filme que consegue passar uma mensagem sobre a linguagem lírica utilizando a força da palavra sensível, falada e escrita, mas também extraindo poesia do próprio fazer cinematográfico.
Estreias: Nem feriado de Tiradentes faz Joaquim ter o lançamento que merece
Os cinemas demonstram pouco sinal de “Vida” neste feriadão. Com “Velozes e Furiosos 8” ocupando boa parte das telas do país, o maior lançamento desta quinta (20/4), a sci-fi “Vida”, tem que se contentar com 220 salas. Jake Gyllenhaal (“Animais Noturnos”) e Ryan Reynolds (“Deadpool”) são astronautas presos numa trama influenciada por “Alien” (1979), que até agradou a crítica americana (68% de aprovação), mas deu grande prejuízo (custou US$ 58 milhões e só fez US$ 28 milhões nos EUA). Segundo maior lançamento, o suspense “Paixão Obsessiva” leva a 130 salas um trash com cara de telenovela, que foi escondido da imprensa. O filme também estreia nesta semana nos EUA, com Katherine Heigl (série “State of Affairs”) determinada a tornar um inferno a vida de Rosario Dawson (série “Punho de Ferro”), nova mulher de seu ex-marido. Quase com o mesmo circuito, o besteirol nacional “Gostosas, Lindas e Sexies” deve gerar discussões… sobre gramática. A comédia gira em torno das aventuras de quatro gordinhas – Carolinie Figueiredo (novela “Malhação”), Cacau Protasio (“Vai que Cola”), Mariana Xavier (“Minha Mãe é uma Peça 2: O Filme”) e Lyv Ziese (novela “Boogie Oogie”). Enquanto isso, “Joaquim”, drama sobre Tiradentes, lançado no feriado de Tiradentes, fica restrito a 33 salas. Dirigido por Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirinas e Urubus”), o filme apresenta um olhar bastante diferenciado sobre o personagem histórico brasileiro e foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Berlim, onde conseguiu repercussão internacional com críticas bastante positivas. O que aparentemente não faz a menor diferença para os exibidores de cinema no Brasil. Outros títulos excelentes também chegam no circuito limitado, após se destacaram em festivais europeus. O americano “Paterson”, de Jim Jarmusch (“Amantes Eternos”), foi um dos dramas mais elogiados de Cannes no ano passado e chegou a figurar em diversas listas de melhores de 2016 nos EUA. Muitos consideram que Adam Driver, no papel do motorista de ônibus que escreve poemas nas horas vagas, deveria ter sido indicado ao Oscar. Chega em 28 salas espraiadas por 13 cidades. Exibido no Festival de Berlim de 2016, o australiano “O Sonho de Greta” é uma comédia juvenil sensível, que mostra o delírio de uma garota no dia de seu aniversário de 15 anos. A projeção chama atenção para o formato inusitado em que foi filmado – numa proporção de imagem de 4:3. Venceu vários prêmios na Austrália. Também voltado ao público jovem, o francês “O Novato” conquistou troféus em festivais menores, como o IndieLisboa e o My French Film Festival. A produção gira em torno do mais novo e menos popular aluno da escola, que resolve dar uma festa para conquistar os colegas. Estreia em seis salas. A programação se encerra com o menor lançamento da semana: o documentário brasileiro “O Profeta das Águas”, sobre Aparecido Galdino Jacintho, mentor de um grupo religioso de camponeses que foi preso como subversivo nos anos 1970. O filme será exibido em apenas uma sala do Cine Araújo Campo Limpo, em São Paulo. Clique nos títulos de cada filme para assistir a todos os trailers das estreias.
Moonlight é o Melhor Filme do Ano para a crítica de Los Angeles
O drama indie “Moonlight” foi considerado o Melhor Filme do ano pela crítica de Los Angeles. O longa que acompanha um jovem negro durante três fases distintas de sua vida, lidando com a descoberta da sexualidade em meio ao universo masculino da criminalidade e das drogas de Miami, também rendeu prêmios de Melhor Direção para Barry Jenkins, Melhor Ator Coadjuvantte para Mahershala Ali e Melhor Direção de Fotografia para James Laxton. Escrito e dirigido por Jenkins, “Moonlight” começa a despontar entre os favoritos ao Oscar 2017, já tendo vencido o Gotham Awards, premiação dos melhores filmes independentes, e recebido diversas indicações ao Critics Choice Awards. Entre os prêmios de interpretação, a Los Angeles Film Critics Association reconheceu Adam Driver como Melhor Ator por seu desempenho em “Paterson” e voltou a cacifar Isabelle Huppert na temporada, como Melhor Atriz por “Elle” e “Things to Come”. Lily Gladstone foi eleita a Melhor Atriz Coadjuvante por “Certas Mulheres”. A lista de melhores do ano dos críticos californianos ainda destacou o sul-coreano “A Criada” como Filme Estrangeiro, o japonês “Your Name” com Animação e “I Am Not Your Negro” como Documentário.
Temporada de premiações é aberta com as indicações do Gotham Awards
A temporada de premiações do cinema americano foi inaugurada com a primeira lista de indicados a troféus do ano. Voltado ao reconhecimento da produção independente, o Gotham Awards divulgou os filmes de concorrem a seus prêmios. E o drama “Manchester à Beira-Mar”, de Kenneth Lonergan, se destacou com quatro indicações. “Manchester à Beira-Mar” vai disputar categorias de Melhor Filme, Ator (Casey Affleck), Roteiro (Lonergan) e Ator Revelação (Lucas Hedge). O filme é queridinho da crítica, situação atestada pelo trailer que destaca elogios rasgados. A trama gira em torno do personagem de Affleck, que é obrigado a cuidar do sobrinho após a morte do pai do garoto, apesar de ter abandonado sua família há muito tempo atrás. Seu principal concorrente é “Moonlight”, de Barry Jenkins, que obteve três indicações nas mesmas categorias: Melhor Filme, Roteiro (Jenkins) e Revelação (todo o elenco). Além dos dois longas, a disputa de Melhor Filme ainda inclui “Paterson”, de Jim Jarmusch, “Certas Mulheres”, de Kelly Reichardt, vencedor do Festival de Londres, e “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes!!”, de Richard Linklater, que estreou nos cinemas brasileiros neste fim de semana. A cerimônia de premiação do Gotham Awards acontece em 28 de novembro, em Nova York, bem antes da estreia de diversos candidatos em potencial ao Oscar, que chegam aos cinemas na época do Natal. Mas vale observar que os dois últimos vencedores do Gotham Awards também venceram o Oscar: “Spotlight” (2015) e “Birdman” (2014).
Paterson: Elogiado drama de Jim Jarmusch com Adam Driver ganha 20 fotos e primeiro trailer
A Amazon divulgou 20 fotos, o pôster e o primeiro trailer de “Paterson”, novo longa do cultuado diretor indie Jim Jarmusch (“Amantes Eternos”). O filme acompanha um motorista de ônibus chamado Paterson na cidade que se chama Paterson. Mas também inclui outra peculiaridade: o motorista é interpretado por Adam Driver (driver, claro, é motorista em inglês). A redundância faz parte da estratégia do diretor, que busca apresentar a banalidade do cotidiano, de onde seu protagonista extrai poesia. Literalmente. Enquanto não dirige seu ônibus pela cidadezinha de Nova Jersey, o motorista Driver escreve poemas. E a trama é contada em estrofes, uma para cada dia da semana, ao longo de uma semana em sua vida. A escolha da locação não foi casual. Paterson foi lar dos poetas Allen Ginsberg e William Carlos Williams. Ambos tinham em comum o uso da linguagem coloquial e versos que refletiam o cotidiano. Paterson, o personagem, também escreve sobre o que vive. Mas sua vida é monótona, com uma mulher dona de casa (a iraniana Golshifteh Farahani, de “Êxodo: Deuses e Reis”), um cachorro e um emprego tedioso. Exibido no Festival de Cannes, “Paterson” arrancou muitos elogios da crítica – alguns destacados no cartaz e na prévia, que pincela o cotidiano do protagonista. A estreia está marcada para 28 de dezembro nos EUA, data final para filmes que aspiram ao Oscar, mas não há previsão de lançamento no Brasil.
Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, é selecionado para o Festival de Nova York
O filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, entrou na programação do Festival de Nova York. Ele foi um dos 25 filmes selecionados para a mostra principal, ao lado de outros destaques do circuito internacional de festivais, como os vencedores do Urso de Ouro em Berlim (“Fuocoammare”, de Gianfranco Rosi) e da Palma de Outro em Cannes (“I, Daniel Blake”, de Ken Loach). A programação aproveitou muitos filmes exibidos em Cannes, como “Personal Shopper”, de Olivier Assayas, e “Bacalaureat”, de Cristian Mungiu, que compartilharam o troféu de Melhor Direção no festival francês, além de “Paterson”, de Jim Jarmusch, “La Fille Unconue”, dos irmãos Dardenne, “Elle”, de Paul Verhoeven, e o próprio “Aquarius”. A mostra nova-iorquina começa no dia 30 de setembro, com a première mundial de “The 13th”, documentário de Ava DuVernay que investiga o sistema prisional americano e como ele revela a desigualdade racial do país. O encerramento também se dará com um filme inédito, “The Lost City of Z”, de James Gray.
Cannes: Adam Driver encarna a poesia de Jim Jarmusch em Paterson
O ator Adam Driver (“Star Wars: O Despertar da Força”) é um predestinado. Seu sobrenome, em inglês, significa motorista. E a melhor interpretação de sua carreira surge nas telas do Festival de Cannes justamente com esta profissão. As coincidências em torno dos nomes não param aí. Seu personagem, Paterson, dirige um ônibus numa cidade chamada Paterson, num filme intitulado “Paterson”. A redundância faz parte da estratégia do diretor Jim Jarmusch (“Amantes Eternos), que busca apresentar a banalidade do cotidiano, de onde seu protagonista extrai poesia. Literalmente. Enquanto não dirige seu ônibus pela cidadezinha de Nova Jersey, o motorista Driver escreve poemas. E a trama é contada em estrofes, uma para cada dia da semana, ao longo de uma semana em sua vida. “O filme é uma celebração dos pequenos detalhes da vida, por mais simples que sejam”, definiu Jarmusch, na entrevista coletiva do festival. A escolha da locação não foi casual. Paterson foi lar dos poetas Allen Ginsberg e William Carlos Williams. Ambos tinham em comum o uso da linguagem coloquial e versos que refletiam o cotidiano. Paterson, o personagem, também escreve sobre o que vive. Mas sua vida é monótona, com uma mulher dona de casa (a iraniana Golshifteh Farahani, de “Êxodo: Deuses e Reis”) e um cachorro. Se William Carlos Williams trazia profundidade à descrição de um carrinho de mão vermelho, Paterson luta para que caixinhas de fósforos e cadernos encontrem rimas. Mesmo assim, sua vida seria mais banal se não fosse a poesia. Logo, ele descobre que outras pessoas da cidade também escrevem poemas. E o filme sugere que qualquer um, seja um motorista de ônibus, uma dona de casa ou um mero espectador de cinema, pode se tornar o poeta de sua vida. Outra alternativa é enlouquecer, como a mulher de Paterson, que, quando não está sonhando em virar uma cantora, pinta a casa (e a roupa e os cupcakes) em padrões de preto e branco. Jarmusch confessa-se fã de padrões. Ele já manifestou obsessão por tons de xadrez em “Coffee and Cigarettes” (2003). Agora busca a padronagem da monotonia, da vida em preto e branco. “Cada dia de nossas vidas é apenas uma pequena variação da nossa vida do dia anterior”, ele filosofou em Cannes. Mas, às vezes, quando se presta bastante atenção, a rotina pode revelar surpresas. No caso de “Paterson”, elas incluem dois passageiros inusitados no ônibus de Paterson, o casal adolescente de “Moonrise Kingdom”, de Wes Anderson. Trata-se de uma das muitas citações que Jarmusch escondeu em plena vista, na paisagem. “Sou fã de Wes Anderson. Penso que seus últimos filmes estão cada vez mais belos e infantis”, ele elogiou. Porém, não quis citar outras referências do longa, que os cinéfilos se divertirão em descobrir por conta própria. Driver, que tirou uma folga das filmagens de “Star Wars: Episódio VIII” para vir à França acompanhar a première, explicou que também precisou submergir na paisagem para entronizar a rotina de Paterson. “Para me preparar, procurei apenas ouvir o som ambiente, passear pela cidade e me desligar do celular. Era parte desse personagem ser totalmente offline”, disse na coletiva. “O roteiro era muito forte, e os personagens muito transparentes. Eu tentei simplesmente não me intrometer no processo”, resumiu. Sua performance foi muito elogiada pela crítica internacional. Mas há quem aposte na premiação de outro astro do filme, o expressivo buldogue Marvin, o cachorro de Paterson, que deve ganhar a “Palma Dog” (versão da Palma de Ouro para animais). “Ele foi excelente nas improvisações. E se mostrou muito bom para escrever os seus próprios diálogos”, brincou o diretor. Jarmusch já foi selecionado diversas vezes para o Festival de Cannes, desde sua estreia, “Stranger Than Paradise”, premiada com a Câmera de Ouro em 1984, passando por “Flores Partidas”, vencedor do Prêmio do Júri em 2005, até seu longa anterior, “Amantes Eternos”, cuja première aconteceu há dois anos. “Paterson” é seu 9º filme em competição. Mas, fora da competição, ele também exibe seu 9º trabalho no festival, o documentário “Gimme Danger”, sobre Iggy Pop e os Stooges. “Os dois filmes são muito diferentes estilisticamente, mas ambos reforçam a ideia de que você pode escolher o seu caminho”, o diretor comparou. “Você pode escolher o que quer fazer de sua vida. No fundo, ‘Paterson’ é simplesmente sobre isso.”






