Henry Jaglom morre aos 87 anos após carreira fora do padrão em Hollywood
Diretor independente explorou relações pessoais em obras fora do padrão e manteve parceria com Orson Welles
Dean Stockwell (1936–2021)
O famoso ator Dean Stockwell, que teve carreira longuíssima e repleta de clássicos – e até filmou no Brasil – , morreu na manhã do último domingo (7/11) de causas naturais, aos 85 anos. Filho de Harry Stockwell, que dublou o Príncipe Encantado em “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), Dean e seu irmão mais velho, Guy Stockwell (“Beau Gest”), começaram a trabalhar ainda nos anos 1940 como atores mirins. Ao estrear na Broadway com 7 anos, ele chamou atenção da MGM e se mudou para Hollywood, onde passou a filmar e estudar ao lado de colegas de classe famosos, como Roddy McDowall, Elizabeth Taylor, Jane Powell e Russ Tamblyn. A estreia no cinema foi como uma criança fugitiva no famoso musical “Marujos do Amor” (1945) ao lado de Frank Sinatra e Gene Kelly. O sucesso do filme o fez emendar várias produções no período, até começar a ser escalado como protagonista aos 12 anos, em “O Órfão do Mar” (1948), de Henry King, e “O Menino de Cabelos Verdes” (1948), de Joseph Losey, em que viveu os personagens-títulos. Em sua infância, ele foi dirigido por alguns dos maiores mestres da velha Hollywood, em obras como “A Luz é para Todos” (1947), de Elia Kazan, que lhe rendeu um Globo de Ouro juvenil, “Capitães do Mar” (1949), de Henry Hathaway, “O Jardim Encantado” (1949), de Fred M. Wilcox, “O Testamento de Deus” (1950), de Jacques Tourneur, e “Era Sempre Primavera” (1950), de William A. Wellman. Seu papel-título na aventura “Kim” (1950), na qual contracenou com Errol Flynn, chegou a inspirar o lançamento de uma revista em quadrinhos. Mas seu contrato com a MGM acabou quando ele chegou os 16 anos. No auge da popularidade, Stockwell decidiu pausar a carreira para se formar na Hamilton High School em Los Angeles e estudar na faculdade em Berkeley, antes de, inspirado por “On the Road”, viajar pelo país. Só que, após um hiato de cinco anos, encontrou dificuldades para retomar as atividades, passando a atuar na TV, onde fez vários teleteatros, e também nos palcos. Até que seu desempenho na Broadway lhe reconduziu ao cinema. Após uma década vivendo o bom menino, ele reapareceu em “Estranha Obsessão” (1959), de Richard Fleischer, como um dos psicopatas universitários que matam um colega só para provar que era possível cometer um crime perfeito. Stockwell reprisava um papel que tinha vivido nos palcos de Nova York, e que por isso sabia de cor. De fato, foi tão magistral que acabou consagrado no Festival de Cannes de 1959 com o troféu de Melhor Ator. A partir daí, emendou outros papéis dramáticos importantes. Em “Filhos e Amantes” (1960), de Jack Cardiff, foi um jovem artista que busca uma vida diferente de sua família de mineiros. Em outro clássico, “Longa Jornada Noite Adentro” (1962), de Sydney Lumet, foi o filho doente terminal de uma família doentia, inspirado na juventude do escritor Eugene O’Neill. A interpretação depressiva lhe rendeu seu segundo prêmio de Melhor Ator em Cannes, em 1962. Apesar do impacto dessas produções, seu filme seguinte, “Nasce uma Mulher”, só estreou em 1965, e para se manter Stockwell precisou ampliar as participações na TV, conseguindo um papel recorrente na popular série médica “Dr. Kildare” em 1965. Isto, porém, fechou-lhe as portas das produções de prestígio, iniciando outra fase em sua carreira. Stockwell descobriu as drogas, mudou-se para San Francisco e entrou na contracultura como um hippie sábio em “Busca Alucinada” (1968), filme psicodélico de Richard Rush que também trazia Jack Nicholson como guitarrista de uma banda de rock. E após uma rápida transformação em vilão de terror em “O Altar do Diabo” (1970), mergulhou de vez no cinema contracultural. Viveu o pistoleiro Billy the Kid no filme dentro do filme de “O Último Filme” (1971), obra maldita do eterno hippie Dennis Hopper, de quem se tornou amigo inseparável. Foi ainda um repórter-lobisomem nos bastidores do poder político em “O Lobisomem de Washington” (1973), cult marginal de Milton Moses Ginsberg. E voltou a encontrar Hopper como um hipster em “Tracks” (1974), de Henry Jaglom, sobre traumas da Guerra do Vietnã. Foram filmes cultuadíssimos, mas que pagaram bem menos que ele estava acostumado. Por isso, sua carreira televisiva como ator convidado multiplicou-se com participações em “Bonanza”, “Missão: Impossível”, “Mannix”, “Galeria do Terror”, “Columbo”, “Cannon”, “São Francisco Urgente”, “Os Novos Centuriões”, “Casal 20” e “Esquadrão Classe A”, entre muitas outras séries. Sem atenção de Hollywood, Stockwell estrelou “Alsino e o Condor” (1982), produção da Nicarágua que acabou indicada ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, e o mexicano “Matar um Estranho” (1983). Até se desiludir de vez e resolver abandonar o cinema para vender imóveis no Novo México. Entretanto, para complementar a renda, aceitou fazer um último filme de um diretor alemão. Tudo mudou com o filme do tal alemão. Em 1984, ele viveu o irmão de Harry Dean Staton em “Paris, Texas”. O drama do cineasta Wim Wenders acabou vencendo o Festival de Cannes e se tornando um dos longas mais famosos da década. Sua filmografia reviveu com uma coleção de pequenas participações inesquecíveis. Ele apareceu na primeira versão da sci-fi “Duna” (1984), sob a direção de David Lynch, no cult adolescente “A Lenda de Billie Jean” (1985) e no thriller policial “Viver e Morrer em Los Angeles” (1986), de William Friedkin, antes de atingir o ápice com sua melhor pequena participação de todas, o cafetão-traficante Ben de “Veludo Azul” (1986), novamente dirigido por Lynch e ao lado do velho amigo Dennis Hopper. A cena em que ele canta Roy Orbison para o torturado Kyle MacLachlan figura entre as mais icônicas do cinema moderno. Em seguida, ele enfrentou Eddie Murphy em “Um Tira da Pesada II” (1987) e fez uma dobradinha de filmes para Francis Ford Coppola, “Jardins de Pedra” (1987) e “Tucker: Um Homem e seu Sonho” (1988), até ter seu status de ladrão de cenas consagrado pela Academia, com uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo desempenho como um chefão da máfia na comédia “De Caso com a Máfia” (1988), de Jonathan Demme. Foi nesse período que acabou vindo filmar no Brasil, onde, sem falar português, viveu o patrão de “Jorge, um Brasileiro” (1988), drama caminhoneiro dirigida por Paulo Thiago, com Carlos Alberto Riccelli e Glória Pires no elenco. Na projeção nacional, foi dublado por Odilon Wagner. Ao voltar aos EUA, Stockwell passou a se dedicar a seu papel mais duradouro na TV, interpretando o almirante Al Calavicci em cinco temporadas da série “Quantum Leap” (1989–1993), que lhe renderam indicações ao Emmy em quatro anos consecutivos. “Ele costumava anunciar sua chegada no estúdio com um grito: ‘A diversão começa agora!’. Palavras mais verdadeiras nunca foram ditas”, lembrou Scott Bakula, seu colega de elenco na série, em depoimento à imprensa nesta terça (9/11). Stockwell ainda fez nova parceria com Dennis Hopper em “Atraída pelo Perigo” (1990), foi um agente de talentos desesperado num dos melhores longas de Robert Altman, “O Jogador” (1992), atuou no thriller de ação “Força Aérea Um” (1997), com Harrison Ford, e até retomou as colaborações com Coppola em “O Homem Que Fazia Chover” (1997), vivendo um juiz corrupto. Mas depois disso seus melhores papéis foram na TV, principalmente como John Cavill, um dos robôs humanoides vilões do reboot de “Battlestar Galactica”, entre 2006 e 2009. Em 2015, ele se aposentou da carreira de ator e passou a se dedicar às artes plásticas. Artista talentoso, Stockwell já tinha se destacado ao projetar a arte da capa de um álbum de Neil Young, “American Stars ‘n Bars”, de 1977, e exibia suas obras por várias regiões nos Estados Unidos com seu nome completo: Robert Dean Stockwell.
Sylvia Miles (1924 – 2019)
A atriz Sylvia Miles, duas vezes indicada ao Oscar de Melhor Coadjuvante – por “Perdidos na Noite” (1969) e “O Último dos Valentões” (1975) – , morreu nesta quarta-feira (12/6) em sua casa em Nova York, aos 94 anos. Miles era nova-iorquina, filha de um fabricante de móveis, e estudou no célebre Actors Studio antes de fazer sua estréia como atriz numa peça off-Broadway em 1956. Ela chegou a gravar o piloto da série de comédia “The Dick Van Dyke Show”, mas perdeu o papel para Rose Marie quando a produção foi aprovada. Assim, foi aparecer primeiro no cinema, em pequenos papéis em “Assassinato S.A.” (1960) e “No Vale das Grandes Batalhas” (1961), antes de virar coadjuvante do episódio da semana de inúmeras séries televisivas. Já tinha 45 anos quando ganhou o papel que mudou sua carreira, embora ele parecesse igual a muitos outros. Na pele de uma prostituta chamada Cass, Miles apareceu apenas em seis minutos de “Perdidos na Noite”, drama pesado de John Schlesinger em que Jon Voight (o pai de Angelina Jolie) interpretava um garoto de programa em Nova York. A cena que chamou atenção envolvia sexo com Voight, e em uma entrevista de 2006 para o jornal The Scotsman, ela contou que os dois ensaiaram muito para o resultado ser convincente – como de fato foi – e contribuíram com ideias próprias. “Jon vinha para o meu apartamento no Central Park South vestido com chapéu de cowboy, jeans e botas [como seu personagem]. Meus vizinhos achavam que eu tinha esse cowboy toyboy. Ah, se fosse verdade!” Sua segunda indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante foi por um papel com mais tempo em cena. Em vez de seis, ela apareceu em oito minutos de “O Último dos Valentões”, novamente como uma mulher durona, que esconde um grande segredo do célebre detetive noir Philip Marlowe (em interpretação de Robert Mitchum). Entre uma indicação e outra, ela ficou conhecida por sua personalidade extravagante. Em um incidente famoso, jogou um prato cheio de comida no crítico de teatro John Simon, que havia detonado uma de suas performances, após encontrá-lo em uma festa. Festeira, ela era figura frequente nas baladas da era das discotecas, descrita em diversas reportagens da época como a juba loira que adornava os principais eventos de Nova York. Nesse contexto, acabou se aproximando da entourage de Andy Warhol na lendária Factory, e topou estrelar “Heat” (1972), filme cultuadíssimo em que aparecia nua e tinha uma cena de sexo com o jovem Joe Dallesandro sob direção de Paul Morrissey. Incentivada por Warhol, o produtor, ela atuou sem roteiro, inventando cada linha de seu diálogo filmado. Sua filmografia pouco convencional também inclui participação no drama contracultural “O Último Filme” (1971), de Dennis Hopper, um papel de zumbi lésbica alemã enlouquecida no terror “A Sentinela dos Malditos” (1977), de Michael Winner, a interpretação de uma cartomante assassinada no terror “Pague para Entrar, Reze para Sair” (1981), de Tobe Hooper, uma performance inesquecível como a agente imobiliária agressiva de Charlie Sheen em “Wall Street: Poder e Cobiça” (1982), de Oliver Stone e a senhoria vulgar de uma casa de striptease em “Go Go Tales” (2007), de Abel Ferrara. Ela também apareceu na série “Sex and the City”, como uma velhinha excêntrica que enfeita seu sorvete de chocolate com comprimidos anti-depressivos. Seu último papel foi sua única continuação, em “Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme”, que encerrou sua carreira em 2010. Sofrendo com a idade, ela vivia num asilo de artistas, mas pediu para sair nos últimos meses. Não queria morrer num lugar de velhos.
Julie Adams (1926 – 2019)
A atriz Julie Adams, que marcou época como a bela que encantou “O Monstro da Lagoa Negra” (1954), morreu na manhã de domingo (3/2) em Los Angeles, aos 92 anos. Apesar de ter sido lançada ao estrelado no clássico da Universal de 1954, ela já tinha, àquela altura, uma carreira expressiva em westerns da Paramount. Mas, curiosamente, até então era conhecida como Betty Adams, seu nome real. Ela nasceu Betty May Adams em 17 de outubro de 1926, em Waterloo, Iowa. Seu pai era um comprador de algodão e a família se mudava com frequência enquanto ela crescia. Dois anos depois de se formar na Little Rock High School, em Arkansas, a jovem Betty foi coroada Miss Little Rock em 1946. Com a coroa de miss à tiracolo, ela decidiu se mudar para Los Angeles e tentar a sorte como atriz. Precisou passar dois anos como secretária enquanto aprendia seu ofício. Sua primeira oportunidade aconteceu em 1949, quando ela conseguiu uma pequena figuração na série da NBC “Your Show Time”. Depois de fazer sua estréia no cinema em um papel não creditado em “Brasa Viva” (1949), da Paramount, Adams fechou contrato com o estúdio e foi escalada numa sequência de westerns, iniciada pela “A Gangue dos Daltons” (1949), até chegar ao papel da “mocinha” em seis filmes do cowboy James Ellison. Ela virou Julia Adams a partir do western de prestígio “E o Sangue Semeou a Terra” (1952), de Anthony Mann, seguido por outro bangue-bangue célebre, “Bando de Renegados” (1953), de Raoul Walsh. E foi com este nome que estampou o pôster de seu célebre filme de monstro. Concebida como uma versão subaquática de “A Bela e a Fera”, “A Criatura da Lagoa Negra” acompanhava uma expedição científica nos rios da Amazônia. Adams interpretava Kay Lawrence, a namorada de um dos cientistas, que se torna o objeto de desejo da criatura ao decidir nadar em seu habitat. Ela, porém, considerou que o projeto representava um passo atrás em sua carreira. “Eu pensei: ‘A criatura de quê? O que é isso?'”, ela contou em uma entrevista para a Horror Society em 2013. Ao mesmo tempo, ela temia recusar o papel num filme de grande estúdio, porque “estava trabalhando com algumas grandes estrelas” e se desistisse “além de ficar sem salário, poderia ser suspensa”. “Então pensei: ‘Que se dane! Pode ser divertido’. E, claro, de fato foi. Foi um grande prazer fazer o filme”. A bela de maiô encantou a fera aquática e o público mundial, criando uma das imagens mais icônicas do cinema, ao ser transportada, desacordada, nas garras da criatura. Outra cena famosa mostrava o monstro tentando agarrar seus pés, enquanto ela nadava alheia ao perigo. Como golpe de publicidade, a Universal declarou na ocasião que as pernas da atriz eram “as mais perfeitamente simétricas do mundo” e assegurou-as por US$ 125 mil – uma fortuna na época. Mas, apesar da popularidade conquistada pelo longa dirigido por Jack Arnold – até hoje, a ponto de inspirar diretamente “A Forma da Água”, de Guillermo del Toro – , “O Monstro da Lagoa Negra” foi uma exceção na carreira de Adams, que não voltou mais ao terror, mantendo uma filmografia focada em comédias e dramas. Até para se dissociar da sombra da criatura, ela decidiu mudar de nome pela terceira vez, passando a ser creditada como Julie Adams a partir do ano seguinte, no filme noir “Dominado pelo Crime” (1955). Ela se casou logo em seguida, ao se apaixonar pelo ator Ray Danton, seu parceiro em “Hienas Humanas” (1955). Mas decidiu não mudar mais seu nome artístico. Antes de se divorciarem nos anos 1980, os dois também contracenaram no filme de guerra “Mensagem Fatal” (1958), num episódio da série “Galeria do Terror”, de 1972, e ele a dirigiu em “Psychic Killer” (1975). Em mais de seis décadas no cinema e na televisão, a atriz também contracenou com Elvis Presley em “Cavaleiro Romântico” (1965), com Dennis Hopper em “O Último Filme” (1971) e com John Wayne em “McQ – Um Detetive Acima da Lei” (1974). Ela ainda voltou ao fundo do mar na sci-fi “A Cidade Submarina” (1962), que não fez o mesmo sucesso, apareceu em “Atraída pelo Perigo” (1990), filme estrelado por Jodie Foster, em “As Torres Gêmeas” (2006), de Oliver Stone, e foi ouvida, ao telefone, em “Deus da Carnificina” (2011), de Roman Polansky. Também fez muitas participações em séries. Muitas mesmo, contando mais de 100 aparições em produções tão diferentes quanto “Bonanza”, “A Garota da UNCLE”, “O Incrível Hulk”, “Barrados no Baile” e “CSI: New York”. Entre seus papéis mais memoráveis na TV estão o da corretora Eve Simpson em 10 capítulos de “Assassinato por Escrito” (Murder She Wrote) nos anos 1990, o de esposa de James Stewart em “The Jimmy Stewart Show” na década de 1970 e como uma das raras clientes do advogado Perry Mason a ser considerada culpada, num episódio de 1963 da famosa série jurídica. Em 2011, Adams publicou sua biografia, “The Lucky Southern Star: Reflections From the Black Lagoon”. E se despediu do público num curta do ano passado, inspirado em seu livro.


