Ataque terrorista e tentativa de censura tornam Porta dos Fundos “mais populares que Jesus Cristo”
Foi John Lennon quem criou a expressão “mais populares que Jesus Cristo”, usada para dimensionar o sucesso mundial dos Beatles no auge da Beatlemania – e ao dizer isso quase acabou com a popularidade do grupo, acusado de sacrilégio. Ninguém pode dizer que o Porta dos Fundos comete mais sacrilégio que seu Especial de Natal. Mas, graças à controvérsia criada em torno dele, o nome do Porta dos Fundos passou a ser citado no mundo inteiro, e sempre ao lado do popstar mais popular de todos os tempos – autor do maior hit dos últimos dois mil anos, “Pai Nosso”. Após o ataque de inspiração terrorista e a tentativa de censura de “A Primeira Tentação de Cristo”, o Porta dos Fundos foi parar no New York Times, na Variety, no Washington Post, na BBC, etc. Nem quando os humoristas venceram o Emmy Internacional de melhor comédia – pelo Especial de Natal anterior, “Se Beber Não Ceie” – , houve tamanha cobertura. De modo que, se não ficaram exatamente mais populares que Jesus Cristo, tornaram-se, pelo menos, mais populares que o cantor da música “Jesus Cristo”, que é o artista de outro especial tradicional de fim de ano, Roberto Carlos. O jornal The New York Times afirmou que a tentativa de censurar o especial, já revertida pelo STF, “colocou o filme ao centro de um debate mais amplo sobre censura no Brasil”, mencionando a “guerra cultural do país, que tem crescido desde a eleição do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro em 2018”. A agência da rede BBC lembrou que Bolsonaro “disse uma vez que preferia ter um filho morto a um filho gay”, e acrescentou: “O filho dele, Eduardo Bolsonaro, chamou o especial da Netflix de ‘lixo’ no Twitter, acrescentando que o Porta dos Fundos ‘não representa a sociedade brasileira'”. E o Washington Post classificou o ataque conservador sofrido pelo Especial como “um dos mais fortes golpes contra a Netflix na América Latina, onde a plataforma produziu dezenas de projetos originais e enfrentou poucas medidas sérias que restringissem o que seus espectadores podem ou não assistir – especialmente num filme feito na e para a região”. A repercussão não ficou apenas na esfera da imprensa. Em entrevista à BBC News Brasil, o uruguaio Edison Lanza, relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e principal autoridade da Organização dos Estados Americanos (OEA), defendeu o Porta dos Fundos. Ele afirmou que “não há dúvida” que houve tentativa de censura contra os humoristas. “O fato de um juiz determinar a proibição de um conteúdo com referência religiosa fere claramente a proibição de censura prévia, prevista no Capítulo 13” da Convenção Americana de Direitos Humanos. “O Netflix é um serviço pago, que depende de inscrição e as pessoas têm liberdade de assistir ou não. Ninguém é obrigado. Essa visão sobre Cristo não está sendo imposta”, ele completou, sobre “A Primeira Tentação de Cristo”. O especial também rendeu polêmica na Polônia, onde vice-premiê polonês Jaroslaw Gowin exigiu que a Netflix tirasse o programa de seu catálogo, e onde uma petição online expôs 1,5 milhão de poloneses ao nome do grupo e seu trabalho. “Todo ano, o grupo de ‘comédia’ brasileiro Porta dos Fundos produz um filme de Natal para atacar cristãos e o cristianismo”, diz a petição. Cada iniciativa contra o grupo alimentou uma cobertura mundial crescente, que teve novo capítulo nesta quinta (9/1), com a decisão de Dias Toffoli, presidente do STF, de proibir a censura. Para situar o caso, o jornal inglês The Guardian escreveu que um “juiz no Rio tinha ordenado a proibição do filme, revivendo alegações de censura sob o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro”. A exposição da controvérsia ainda inspirou artigos dedicados a explicar ao público internacional quem afinal era o grupo “Back Door”, que representa um “big deal” no YouTube. Até o site “liberal” (de direita) americana Free the People dedicou um artigo bastante aprofundado para falar do grupo e defender seu direito de satirizar Jesus, sob a ótica da liberdade de expressão numa democracia capitalista. O mais curioso, porém, é constatar que o Porta dos Fundos tem recebido praticamente o mesmo espaço em publicações LGBTQIA+ e religiosas, de esquerda e de direita. Falando bem ou mal, todos divulgam seu nome… para cada vez mais pessoas, em cada vez mais países do mundo. Virou beatlemania, inclusive em algumas reações histéricas – coincidência ou não, Fabio Porchat até usa peruca de Beatle no especial.
Especial de Natal do Porta dos Fundos também rende polêmica na Polônia
O repúdio ao Especial de Natal do Porta dos Fundos, “A Primeira Tentação de Cristo”, é internacional. Indignado com a produção, vice-premiê polonês, Jaroslaw Gowin, exigiu que a Netflix tire o programa de seu catálogo. Num tuíte endereçado ao fundador e CEO da empresa, o político de extrema escreveu: “Reed Hastings, exigimos que a Netflix remova o filme blasfemo de sua plataforma”. O segundo homem do governo nacionalista de direita do premiê da Polônia, Mateusz Morawiecki, anexou à postagem um link para a petição online de um grupo no país que pede a remoção do filme da Netflix. O abaixo-assinado tem mais de 1,5 milhão de assinantes. “Todo ano, o grupo de ‘comédia’ brasileiro Porta dos Fundos produz um filme de Natal para atacar cristãos e o cristianismo”, diz a petição. “Essas produções tem um só fim – a blasfêmia. Claro que o alvo desta blasfêmia é somente uma religião – o cristianismo”, prossegue o texto. A petição acusa os humoristas brasileiros de “atacar, humilhar e difamar os cristãos e sua religião”. Segundo os peticionários, “sem dúvida, eles estão trabalhando para expandir os limites da tolerância pública à blasfêmia e à zombaria da religião”. Os autores do abaixo-assinado afirmam que a mensagem do filme tem como consequência o “anestesiamento das consciências e a preparação da total aceitação social para uma perseguição ainda mais sangrenta dos cristãos em todo o mundo”. Trata-se de teoria da conspiração em seu estado mais puro, primitivo e radical. Esse mesmo tipo de discurso apareceu no vídeo da suposta célula revolucionária de direita, que assumiu o atentado incendiário contra o grupo Porta dos Fundos na véspera de Natal, e em várias outras bocas da direita brasileira. O ataque de inspiração terrorista, que quase resultou na morte do vigia da sede do grupo, aconteceu após os humoristas sofrerem ataques virtuais de diversos militantes e condenações de políticos conservadores, inclusive da família Bolsonaro, além de demandar pedidos de explicações do Congresso, campanha de boicote de líderes religiosos, repúdio televisivo da rede Record e até processo judicial. Mas a tentativa de censura foi rejeitada pela Justiça com um argumento lógico: quem achar ofensivo e não quiser ver, não é obrigado a assistir. Lançado pela Netflix no dia 3 de dezembro, o Especial de Natal do Porta dos Fundos, mostra um Jesus gay, interpretado por Gregório Duvivier, que chega em casa no dia de seu aniversário, trazendo o namorado, que conheceu quando passava 40 dias no deserto. Vale lembrar que o Especial de Natal do Porta dos Fundos do ano passado, “Se Beber, Não Ceie”, que transformou a Santa Ceia em piada, venceu em novembro passado o prêmio Emmy Internacional de Melhor Comédia… do mundo. A briga com o Porta dos Fundos é a segunda polêmica recente do governo polonês com a Netflix. Assim como o governo brasileiro de direita tenta reescrever a história da ditadura no Brasil, os poloneses estão priorizando uma mudança de percepção sobre a participação do país no Holocausto. Em 2018, uma lei foi criada para punir quem chamar de “polonês” os campos de concentração da Alemanha nazista que ficavam no país. Por conta disso, a Netflix foi enquadrada ao criar uma série documental sobre o Holocausto contendo “imprecisões históricas”, segundo o governo polonês, ao mostrar “campos de concentração nazistas dentro das fronteiras da Polônia moderna”. “O Monstro ao Lado” (The Devil Next Door) recebeu críticas do primeiro ministro polonês Matusz Morawiecki, que, numa carta oficial enviada ao CEO da plataforma, protestou por a série sugerir que a Polônia se envolveu nos crimes do Holocausto e por apresentar mapas que mostravam campos de concentração nazistas dentro das fronteiras polonesas, ignorando que o país tinha sido invadido pela Alemanha e os campos foram construídos e comandados por alemães nazistas.
Nova série da Netflix gera polêmica internacional e obriga serviço a fazer mudança
A Netflix anunciou nesta quinta-feira (14/11) que vai mexer na minissérie documental “O Monstro ao Lado” (The Devil Next Door), após a atração causar polêmica na Polônia e receber críticas do primeiro ministro polonês Matusz Morawiecki, numa carta oficial enviada ao CEO da plataforma. A produção documental acompanha o julgamento de John Demjanjuk, um aposentado acusado de ter servido como um notório guarda de campos de concentração durante a 2ª Guerra Mundial. Ele teria sido apelidado de Ivan, o Terrível, por conta de seu sadismo. As críticas dizem respeito à forma como a série sugere que a Polônia se envolveu nos crimes do Holocausto e por apresentar mapas que mostram campos de concentração nazistas dentro das fronteiras polonesas, ignorando que o país tinha sido invadido pela Alemanha e os campos foram construídos e comandados por alemães nazistas. “Nós estamos orgulhosos de ‘O Monstro ao Lado’ e ficamos do lado dos cineastas, da pesquisa e do trabalho. Para darmos mais informação aos espectadores e evitarmos qualquer mal entendido, nos próximos dias vamos adicionar legendas a alguns dos mapas mostrados na série. Elas vão deixar claro que os campos de concentração e extermínio localizados na Polônia foram construídos e operados pelos nazistas alemães, que invadiram e ocuparam o país de 1939 a 1945”, afirma a nota oficial emitida pela plataforma. “O Monstro ao Lado” foi disponibilizado em 4 de novembro na Netflix. Veja o trailer da produção abaixo – sem legendas, já que a Netflix Brasil não fez publicidade do lançamento.

