Bo Goldman, roteirista premiado de “Um Estranho no Ninho”, morre aos 90 anos
O roteirista Bo Goldman, vencedor do Oscar por “Um Estranho no Ninho” (1975) e “Melvin e Howard” (1980), faleceu na terça-feira (25/7) em Helendale, Califórnia, aos 90 anos. A notícia foi confirmada por Todd Field, diretor e genro de Goldman. Nascido em Nova York, o escritor era filho de Julian Goldman, proprietário da cadeia de lojas de departamento Goldman, que perdeu sua fortuna durante a Grande Depressão dos anos 1930. Desde cedo, ele frequentou apresentações teatrais com seu pai, um apoiador de shows da Broadway, e foi educado nas melhores escolas. Primeiros passos no teatro e televisão Enquanto estudava em Princeton, Goldman escreveu um musical, “Ham ‘n Legs”, que acabou sendo apresentado no “The Ed Sullivan Show”, programa de TV mais popular da época – onde Elvis e os Beatles cantaram. Após a faculdade e o serviço militar, Goldman começou sua carreira na televisão, onde editou, escreveu roteiros e atuou como produtor associado para a prestigiosa série de antologia “Playhouse 90” da CBS no final dos anos 1950. Ele também foi produtor associado em “The Philco-Goodyear Television Playhouse” e produtor do breve “The Seven Lively Arts” da CBS. Em 1959, ele se lançou na Broadway, assinando tanto as letras quanto a música para uma adaptação musical de “Orgulho e Preconceito”, chamada “First Impressions”, que entretanto fracassou na bilheteria. A experiência negativa o levou de volta à TV, onde finalmente se especializou em roteiros, escrevendo uma adaptação do suspense “Agonia de Amor” (1947), de Alfred Hitchcock, transformada num telefilme de 1962 na rede NBC, e um episódio de 1964 da série “Os Defensores”. “Um Estranho no Ninho” A transição para o cinema foi marcada por seu trabalho em “Um Estranho no Ninho” (1975), que lhe rendeu seu primeiro Oscar, compartilhado com Lawrence Hauben. O drama psicológico, baseado no romance de Ken Kesey, girava em torno de Randle McMurphy (interpretado por Jack Nicholson), um prisioneiro que finge insanidade para ser transferido para uma instituição mental, acreditando que será um lugar mais confortável para cumprir sua sentença. No entanto, ele logo se depara com a rígida enfermeira Ratched (interpretada por Louise Fletcher), que governa o hospital com punho de ferro. McMurphy desafia a autoridade de Ratched e tenta inspirar os outros pacientes a se rebelarem contra as regras opressivas da instituição, resultando em um confronto emocional e trágico. Filme mais celebrado de 1975, “Um Estranho no Ninho” foi o grande vencedor do Oscar, conquistando as estatuetas de Melhor Filme, Melhor Diretor para Milos Forman, Melhor Roteiro Adaptado para Goldman, Melhor Ator para Jack Nicholson e Melhor Atriz para Louise Fletcher, respectivamente. O feito foi considerado impressionante, pois a última vez que um filme ganhou todos esses troféus tinha sido há mais de 40 anos, com “Aconteceu Naquela Noite” (1934). “A Rosa” e “Melvin e Howard” Seu roteiro seguinte foi “A Rosa” (1979), drama sobre uma roqueira autodestrutiva, inspirado na vida de Janis Joplin, que catapultou Bette Midler ao estrelato, indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel. Em 1980, Goldman ganhou seu segundo Oscar, desta vez de Roteiro Original, por “Melvin e Howard”, uma sátira do Sonho Americano que contava a história de Melvin Dummar. O homem alegava ter conhecido Howard Hughes e ser um dos beneficiários de um testamento suspeito, que surgiu após a morte do excêntrico bilionário. “Perfume de Mulher” Com o reconhecimento da Academia, Goldman se tornou bastante requisitado para trabalhar em projetos dos grandes estúdios ao longo dos anos 1980 e 1990. Os destaques de sua filmografia incluem ainda o drama “A Chama que Não Se Apaga” (1982), de Alan Parker, “Espiões sem Rosto” (1988), de Richard Benjamin, “Perfume de Mulher” (1992) e “Encontro Marcado” (1998), ambos de Martin Brest, além de trabalho não creditado em filmes como “Segundo Turno” (1984), “Jogo da Vida” (1984) e “Dick Tracy” (1990). Seu roteiro para “Perfume de Mulher”, adaptado do filme homônimo italiano de 1974, rendeu a Al Pacino um Oscar de Melhor Ator, além de render a Goldman uma última indicação na categoria de Melhor Roteiro Adaptado. Final de carreira e legado Seu último filme foi “Regras Não Se Aplicam” (2016), de Warry Beatty, em que voltou ao universo explorado em “Melvin Howard”. Apesar do sucesso que alcançou, Goldman fez muitos filmes apenas por dinheiro. Pela qualidade de seus textos mesmo nos projetos mais comerciais, ele chegou a ser considerado um dos melhores roteiristas de sua geração. Em 1998, Eric Roth prestou homenagem a sua filmografia, dizendo ao jornal New York Times que o “grande Bo Goldman” era “o roteirista preeminente – em minha opinião, o melhor que existe. Ele tem os créditos mais variados e inteligentes, de ‘Um Estranho no Ninho’ a ‘A Chama que Não Se Apaga’, o melhor filme de divórcio já feito, à ‘Perfume de Mulher’, à grande sátira ‘Melvin e Howard’. Ele raramente comete erros, e consegue manter uma voz americana distinta. E ele consegue se manter atual”.
Michael J. Pollard (1939 – 2019)
Morreu Michael J. Pollard, que recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu trabalho no clássico “Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas” (1967). Ele tinha 80 anos de idade e a notícia de sua morte foi compartilhada pelo diretor Rob Zombie, amigo do ator, nas redes sociais. Zombie trabalhou com Pollard em um de seus filmes mais marcantes, “A Casa dos 1000 Corpos” (2003). “Ele foi um dos primeiros atores que eu escalei para o longa. Ele era muito divertido e sentiremos sua falta”, escreveu na rede social. Pollard apareceu em mais de uma centena de filmes e séries durante a carreira, que começou em 1958. Graças ao tamanho pequeno e aparência jovem, ele viveu adolescentes até quase os 30 anos, casos de suas participações nas séries clássicas “Perdidos no Espaço” e a “Jornada nas Estrelas” (Star Trek) original. Nesta última, estrelou o famoso episódio “Miri”, em que apenas crianças sobreviveram a uma praga planetária. A virada em sua carreira veio com “Bonnie e Clyde”, lançado no ano seguinte, em que interpretou C.W. Moss, um frentista de posto de gasolina que acaba se juntando aos personagens-título (vividos por Warren Beatty e Faye Dunaway) em seus crimes. Além do Oscar, Pollard foi indicado ao BAFTA e ao Globo de Ouro pela atuação. Graças ao sucesso do filme, um dos mais influentes de Hollywood – marco zero do cinema “ultraviolento” – , ele passou a focar sua carreira apenas no cinema, estrelando filmes como “As Máquinas Quentes” (1970), ao lado de Robert Redford, “O Pequeno Billy” (1972), no papel de Billy the Kid, e uma porção de comédias, como “Melvin e Howard” (1980), “Roxanne” (1987), “Os Fantasmas Contra Atacam” (1988), além do filme de ação “Tango e Cash: Os Vingadores” (1989), estrelado por Sylvester Stallone e Kurt Russell. Pollard ainda voltou a se juntar ao colega de “Bonnie e Clyde”, Warren Beatty, em “Dick Tracy” (1990), desta vez do lado da lei. A adaptação dos quadrinhos foi dirigida e estrelada por Beatty, que deu ao amigo o papel de Bug Bailey, parceiro do detetive do título. A partir daí, porém, ele entrou numa fase de filmes de terror independentes, um pior que o outro. A exceção foi o drama “Arizona Dream: Um Sonho Americano” (1993), em que contracenou com Johnny Depp e Jerry Lewis. “A Casa dos 1000 Corpos”, de Zombie, foi uma das suas últimas aparições no cinema.
Jonathan Demme (1944 – 2017)
Morreu o diretor Jonathan Demme, vencedor do Oscar por “O Silêncio dos Inocentes” (1991). Ele faleceu nesta quarta (26/4) em Nova York, aos 73 anos, vítima de um câncer no esôfago e de complicações cardíacas. O cineasta foi diagnosticado com a doença em 2010, quando passou por um tratamento bem sucedido. Infelizmente, o câncer retornou em 2015 e sua saúde se deteriorou, até seu estado se tornar grave nas últimas semanas. Com mais de 40 anos de carreira, Demme integrava a brilhante geração de cineastas que deu seus primeiros passos sob a tutela do produtor Roger Corman nos anos 1970, da qual também fazem parte Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, James Cameron, Ron Howard e Curtis Hanson. Seu primeiro trabalho foi como roteirista do filme B de motoqueiros “Angels Hard as They Come”, produzido por Corman em 1971. A estreia como diretor aconteceu logo em seguida, com “Celas em Chamas (1974), que explorava a vertente sensacionalista dos filmes de presídios femininos, exemplar típico das produções de Corman. A partir daí, alternou thrillers, comédias e documentários, uma rotina que o acompanhou por toda a carreira. Não demorou a chamar atenção, eletrizando com o suspense “O Abraço da Morte” (1979) e encantando com a comédia “Melvin e Howard” (1980), sobre um suposto herdeiro da fortuna de Howard Hughes. Mas o trabalho que lhe trouxe mais atenção foi um documentário musical, que registrava a banda Talking Heads ao vivo. Com trechos transformados em clipes, “Stop Making Sense” (1984) acabou espalhando o nome de Demme. E ele passou a fazer clipes, assinando vídeos de The Pretenders, UB40, New Order e Bruce Springsteen, entre outros. Um dos trabalhos mais importantes desta fase foi o vídeo de protesto “Sun City” (1985), que reuniu uma multidão de artistas contra o Apartheid da África do Sul. Toda essa experiência foi vertida na confecção de seu filme-síntese, “Totalmente Selvagem” (1986), em que uma mulher fatal “rapta” um yuppie para um fim de semana de loucuras. Estrelado por Melanie Griffith, Jeff Daniels e o praticamente estreante Ray Liotta, o filme começava como comédia e terminava como suspense, e pelo meio do caminho enveredava por cenas musicais. Cultuadíssimo, foi escolhido para lançar a revista Set, de cinema, no Brasil. Demme retomou a alternância de seus três gêneros prediletos com o documentário “Declarações de Spalding Gray” (1987), a comédia “De Caso com a Máfia” (1988) e, claro, o suspense “O Silêncio dos Inocentes” (1991). O filme que introduziu o serial killer Hannibal Lecter no imaginário popular tornou-se icônico, com cenas referenciadas até hoje. Mas tão fantástica quanta a interpretação de Anthony Hopkins, vencedor do Oscar pelo papel do psicopata canibal, foi a direção de Demme, criando tensão absurda em simples diálogos e estabelecendo um vocabulário cinematográfico que se tornaria muito imitado. “O Silêncio dos Inocentes” venceu merecidos cinco Oscars: Melhor Filme, Direção, Roteiro, Ator e Atriz (Jodie Foster). Mas não foi a obra mais relevante do diretor. O maior legado de Demme, em termos de impacto cultural e social, veio logo a seguir. A consagração da Academia o inspirou a enveredar pela primeira vez pelo drama adulto. E seu filme seguinte, “Filadélfia” (1993), tornou-se pioneiro no registro da luta contra o preconceito sexual e o estigma da Aids. O Oscar vencido por Tom Hanks, pelo papel do aidético que processa a empresa que o demitiu, ajudou a mudar a visão do mundo sobre a Aids. Assim como a escalação de Denzel Washington, como o advogado homofóbico que defende sua causa, humanizou o questionamento de intransigências antiquadas. Os dois sucessos consecutivos de público e crítica renderam a Demme o status de cineasta de grandes produções. Mas nenhum de seus filmes seguintes teve a mesma repercussão. De fato, foram decepcionantes, como a adaptação do best-seller “Bem-Amada” (1998), com Oprah Winfred, e os remakes “O Segredo de Charlie” (2002), nova versão da trama de “Charada” (1963) com Mark Wahlberg, e “Sob o Domínio do Mal” (2004), com Denzel Washington. Frustrado, Demme voltou aos documentários. Filmou, entre outros, três longas sobre o cantor Neil Young e um registro do trabalho social do ex-presidente Jimmy Carter. E ao recarregar as baterias, mostrou que ainda sabia ousar, voltando à ficção com um drama de estrutura indie. “O Casamento de Rachel” (2008) combinou sua experiência em documentários com uma narrativa esparsa, num registro quase improvisado. O fio narrativo era a desconexão sentida pela personagem de Anne Hathaway, uma ex-viciada que sai de uma clínica para comparecer ao casamento da irmã. Estranho de assistir, o filme se provou hipnótico, rendendo a primeira indicação ao Oscar da atriz, ex-estrela da Disney. Apesar dos elogios da crítica, “O Casamento de Rachel” (2008) fracassou nas bilheterias (fez apenas US$ 16 milhões em todo o mundo) e distanciou ainda mais o diretor da ficção cinematográfica. Ele seguiu fazendo documentários e enveredou pela TV, usando seu nome para lançar “A Gifted Man” (em 2011), série espírita estrelada por Patrick Wilson, que teve apenas a 1ª temporada produzida. Também assinou o piloto de “Line of Sight” (2014), que não foi aprovado, e dois episódios de “The Killing” em 2013 e 2014. No cinema, sua adaptação da peça de Ibsen “A Master Builder” (2013) passou em branco, graças ao elenco de atores pouco conhecidos, a maioria vindo do teatro. A crítica adorou, mas ninguém viu. O filme fez apenas US$ 46 mil nas bilheterias dos EUA e não teve lançamento internacional fora do circuito dos festivais. Por conta disso, Demme fez exatamente o contrário com sua obra seguinte, a comédia “Ricki and the Flash – De Volta pra Casa” (2015), chamando a atriz mais famosa de Hollywood, Meryl Streep, para viver a protagonista, uma roqueira veterana que reencontra a família após vários anos, para ajudar sua filha depressiva. Foi também uma forma de voltar a trabalhar com música no cinema. Um fecho sonoro para sua filmografia. Demme ainda dirigiu o documentário musical “Justin Timberlake + the Tennessee Kids” (2016) e um episódio da série “Shots Fired” (2017). Como lembrou seu colega Edgar Wright no Twitter, “ele podia fazer qualquer coisa” que tivesse imagens em movimento. E sempre com qualidade, mesmo que o público não visse.


