Spike Lee vem ao Brasil para o Festival do Rio e debate sobre diversidade
Diretor americano participará de sessão de “Luta de Classes” e de roda de conversa sobre inclusão e valorização no Rio de Janeiro
Ator, cantor e ativista Harry Belafonte morre aos 96 anos
O lendário ator e cantor Harry Belafonte faleceu nesta terça-feira (25) aos 96 anos de idade de insuficiência cardíaca. Além de sua atuação no meio artístico, ele também era amplamente conhecido como um grande pioneiro e ativista dos direitos civis. Sua morte marca o fim de uma vida incrível e de um legado duradouro. Nascido em Nova York e de origem jamaicana, Belafonte foi um dos primeiros protagonistas e produtores negro de Hollywood. Sua carreira artística decolou na década de 1950, quando ele se estabeleceu como um raro ídolo e símbolo sexual não branco, e quando também se tornou um dos principais artistas da música caribenha nos Estados Unidos, com sucessos como “Day-O (The Banana Boat Song)” e diversos álbuns chegando ao topo das paradas. Seu objetivo inicial, porém, era a atuação. Belafonte estudou no Actors Studio e na New School, ao lado de outros grandes futuros atores como Walter Matthau e Marlon Brando, e durante esse período também desenvolveu uma amizade duradoura com Sidney Poitier, cujos pais eram das Bahamas. Paralelamente, se apresentava em casas noturnas de música folk, cantando para pagar as contas. Conseguiu trabalhos em peças musicais e ganhou um Tony por sua performance no musical “Almanac” em 1954. Ao mesmo tempo, estreou no cinema com uma pequena participação no musical “Bright Road” (1953). Seu primeiro papel de destaque no cinema foi em outro musical, a adaptação cinematográfica da ópera “Carmen Jones”, de Oscar Hammerstein, dirigida por Otto Preminger. A exposição lhe rendeu um contrato com a RCA Record e dois álbuns em 1956, que alcançaram o topo das paradas da Billboard, ajudando a transformar o estilo calypso, que apresentava influências da música do Caribe, num fenômeno comercial. A carreira na música acabou lhe rendendo três Grammys e lhe abriu as portas de Hollywood, que sempre foi seu objetivo principal. Após dois filmes com Dorothy Dandrige, Belafonte passou a aparecer nas telas com atores brancos e a provocar o racismo da época. Em “Ilha nos Trópicos” (1957), seu personagem foi romanticamente perseguido por uma mulher branca rica (Joan Fontaine), numa história que causou muita controvérsia (e grande sucesso de bilheteria) na época. E em dois filmes lançados em 1959, ele interpretou um ladrão de banco ao lado de um parceiro racista (Robert Ryan) em “Homens em Fúria”, de Robert Wise, e sobreviveu a um desastre nuclear em “O Diabo, a Carne e o Mundo”, apenas para lutar contra Mel Ferrer pela atriz sueca Inger Stevens. Ambos os filmes foram financiados por sua própria empresa, HarBel Productions. Em 1968, o artista apareceu com a cantora inglesa loira e de olhos azuis Petula Clark em seu especial na NBC. Durante uma música, Petula tocou o antebraço de Belafonte, marcando a primeira vez que um homem negro e uma mulher branca se tocaram na televisão dos Estados Unidos. E este simples contato desencadeou uma controvérsia nacional. Sua longa amizade com Sidney Poitier rendeu dois filmes nos anos 1970, “Um por Deus, Outro pelo Diabo” (1972) e “Aconteceu num Sábado” (1974), ambos dirigidos por Poitier. O primeiro fez História e é considerado um marco na representação dos negros no gênero western – e influência em “Django Livre”, de Quentin Tarantino. O filme trazia Belafonte como Buck, um caçador de recompensas que ajuda um grupo de ex-escravos a fugir pelo Oeste americano, enquanto Poitier interpretava um pregador que se unia a ele em sua jornada. Sua filmografia ainda inclui um telefilme sobre o famoso treinador de futebol americano Eddie Robinson em 1981 e participações em três filmes de Robert Altman dos anos 1990, “O Jogador” (1992), “Prêt-à-Porter” (1994) e “Kansas City” (1996). Ele também teve uma aparição marcante em “Infiltrado na Klan” (2018), de Spike Lee, como um homem que descreve um linchamento. Mas seu trabalho mais lembrado costuma ser “A Cor da Fúria” (1995), que apresenta uma realidade alternativa onde os papéis raciais são invertidos – os negros controlam a sociedade e os brancos são marginalizados. No filme, ele é um milionário que acaba sequestrado por um branco desempregado, vivido por John Travolta. Harry Belafonte também teve forte atuação social. Ele usou sua plataforma para lutar contra a discriminação racial e social, e se envolveu ativamente no movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Ele marchou ao lado de Martin Luther King Jr. nos anos 1960 e apoiou várias organizações que buscavam a igualdade racial e a justiça social. Foi Belafonte quem atraiu celebridades para a Marcha da Liberdade em Washington em 1963, quando King proferiu seu histórico discurso “Eu tenho um sonho”. Mais tarde, ele participou da marcha de Selma a Montgomery, no Alabama (imagens de arquivo de sua participação podem ser vistas no filme “Selma” de 2014) e se sentou ao lado da viúva de King no funeral do líder dos direitos civis dos EUA. Belafonte também foi a força motriz por trás da organização sem fins lucrativos USA for Africa, lançada para erradicar a fome no continente africano, que gerou o single de grande sucesso “We Are the World”, cantado em coro por artistas como Michael Jackson, Bruce Springsteen, Bob Dylan e Ray Charles. Um ano depois, ele foi o mentor da campanha de corrente humana de 1986, Hands Across America, em benefício dos pobres dos EUA. O artista também se envolveu nos esforços para acabar com o apartheid na África do Sul e libertar Nelson Mandela. Em uma entrevista recente para a NPR, Belafonte lembrou como uma frase dita por sua mãe, quando ele tinha apenas 5 anos, o inspirou a virar o homem que se tornou. “Ela nunca deixou sua dignidade não ser esmagada”, ele disse. “E um dia, após voltar para casa sem conseguir encontrar trabalho e lutando contra as lágrimas, ela me disse: ‘Nunca deixe a injustiça passar sem ser desafiada’. E isso realmente se tornou uma parte profunda do DNA da minha vida. Muitas pessoas me perguntam: ‘Quando você decidiu se tornar um ativista como artista?’ Eu digo a elas: ‘Eu era um ativista muito antes de me tornar um artista'”.
“Maravilhosa Sra. Maisel” aborda morte de Brian Tarantina
O episódio mais recente de “Maravilhosa Sra. Maisel”, disponibilizado na quinta (24/2) pela Amazon Prime Video, abordou a morte de Brian Tarantina, o ator veterano que interpretava Jacopo “Jackie” Dellapietra na série. Tarantina morreu no final de 2019, antes do início das gravações da recém-lançada 4ª temporada. Muito querido pela criadora Amy Sherman-Palladino, ele também trabalhou na série anterior da produtora, “Gilmore Girls”, e teve seu falecimento integrado à trama de “Sra. Maisel”. Seu personagem na série era o antigo chefe de Susie (Alex Borstein), que dirigia o Gaslight, o clube de Greenwich Village onde ‘Midge’ Maisel (Rachel Brosnahan) foi descoberta. Ele se mudou para o pequeno apartamento de Susie na 3ª temporada enquanto ela e Midge estavam em turnê, e sua ausência nos dois primeiros episódios da nova temporada passaram despercebidos, até que o 3º capítulo, intitulado “Everything Is Bellmore”, revelou sua morte. Daqui para frente, é spoiler para quem não viu. Jackie morreu repentinamente de um derrame, deixando Susie desamparada. Quando apenas quatro pessoas aparecem em seu funeral, Susie pega sua foto e invade a cerimônia de uma estranha, que acontecia ao lado. “Não posso falar dele para uma sala vazia, não é assim que deve ser”, ela se explica, acrescentando: “Sinto muito por essa senhora. Tenho certeza que ela foi muito legal também”. Tarantina tinha uma longa carreira, tendo estreado no cinema em 1984 no musical “Cotton Club”, de Francis Ford Coppola. Ele participou de vários filmes famosos e foi encontrado morto aos 60 anos em seu apartamento em Nova York em novembro de 2019. Seus últimos papéis no cinema foram em “Infiltrado na Klan” (2018) e “Rainhas do Crime” (2019).
Craig muMs Grant (1968 – 2021)
O ator Craig muMs Grant, que interpretou Arnold “Poeta” Jackson no premiado drama “Oz”, da HBO, morreu na quarta-feira (24/3) aos 52 anos, de causa não revelada. No momento de sua morte, Grant estava na Carolina do Norte por conta de seu papel recorrente na série “Hightown”, cuja 2ª temporada está atualmente sendo gravada em Wilmington para o canal pago Starz. Ele era esperado em Atlanta na segunda-feira, onde deveria encerrar outro arco recorrente na série “All the Queen’s Men”, da BET. O ator chegou a completar sua participação no novo filme de Steven Soderbergh, “No Sudden Move” (ainda sem previsão de estreia), sua terceira parceria com o cineasta, após aparecer em “Terapia de Risco” (2013) e num episódio da série “The Knick” (em 2014). Grant também possuía uma ótima relação com o cineasta Spike Lee, que o lançou no cinema no ano de 2000 no filme “A Hora do Show”. Mais recentemente, ele integrou o elenco recorrente da série “Ela Quer Tudo” (2017-2019), criada por Spike Lee para a Netflix, e fez uma pequena participação em “Infiltrado na Klan” (2018). Nascido e criado na cidade de Nova York, Grant começou sua carreira como parte da equipe Nuyorican Poetry Slam, um grupo de poetas inspirados pelo hip-hop que chamou atenção com recitais aclamados pela crítica. A arte da poesia slam rendeu um documentário, “SlamNation” (1998), e uma série, “Def Poetry” (2002-2007), dos quais ele participou. Esta experiência acabou batizando de “poeta” seu primeiro grande personagem dramático. Arnold “Poeta” Jackson foi um dos protagonistas de “Oz”, drama carcerário com 92% de aprovação no Rotten Tomatoes, que foi exibido entre 1997 e 2003 na HBO. Na trama, Grant dava vida a um viciado em heroína, preso por assalto à mão armada e tentativa de homicídio, que apareceu em todas as seis temporadas da produção. Ele também integrou o elenco do drama indie “Gente Comum” (2004), de Jim McKay, do terror “Água Negra” (2005), dirigido pelo brasileiro Walter Salles, de “Entrevista” (2007), escrito, dirigido e estrelado por Steve Buscemi, do filme vencedor do Oscar “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)” (2014), de Alejandro G. Iñárritu, e do elogiadíssimo thriller “Bom Comportamento” (2017), dos irmãos Benny e Josh Safdie.
Brian Tarantina (1959 – 2019)
O ator americano Brian Tarantina, um dos integrantes da série “Maravilhosa Sra. Maisel”, foi encontrado morto neste sábado (2/11) em seu apartamento em Nova York, aos 60 anos. Segundo o site TMZ, o caso está sendo tratado pela polícia como morte por overdose. O corpo foi descoberto pela sobrinha do ator, que o encontrou estirado no sofá por volta de 12h30 (horário local). Policiais e paramédicos foram acionados, mas seu óbito foi declarado no local. Ainda de acordo com o TMZ, uma substância branca em pó foi encontrada próxima ao corpo, o que levanta suspeitas sobre overdose. A causa oficial da morte ainda será divulgada após realização de necrópsia. Tarantina tinha uma longa carreira, tendo estreado no cinema em 1984 no musical “Cotton Club”, de Francis Ford Coppola. Ele participou de vários filmes famosos, como “Quem Vê Cara Não Vê Coração” (1989), “Nascido em 4 de Julho” (1989), “Alucinações do Passado” (1990), “O Pagamento Final” (1993), “Donnie Brasco” (1997), “O Verão de Sam” (1999), “O Talentoso Ripley” (1999) e “Encontro Explosivo” (2010), mas sempre em pequenos papéis, geralmente interpretando tipos durões. Também apareceu em várias séries, a maioria de temática criminal, como “Miami Vice”, “Família Sopranos”, “Nova York Contra o Crime” e “Lei & Ordem”, sem deixar grandes marcas. Isso só foi mudar quando ele foi escalado para aparecer numa série de comédia estreante em 2000. Tarantina acabou conquistando a produtora Amy Sherman-Palladino em “Gilmore Girls”, que transformou suas aparições em papel recorrente. Ela também se lembrou dele durante a escalação do elenco fixo de sua mais recente produção, “Maravilhosa Sra. Maisel” (The Marvelous Mrs. Maisel). Na série, que virou o maior sucesso de crítica da plataforma Amazon, Tarantina interpretava Jackie, o apresentador do clube de comédia onde Midge (Rachel Brosnhan) costuma se apresentar. Seus últimos papéis no cinema foram “Infiltrado na Klan”, grande sucesso do ano passado, e “Rainhas do Crime”, grande fracasso deste ano – lançado há apenas três meses.
Oscar sem indies premia igualmente os grandes estúdios de Hollywood
Lembra quando filmes independentes venciam o Oscar? A vitória de “Moonlight” há dois anos marcou o auge e o fim de uma era. Em 2019, a Academia barrou os indies de sua competição, resultado num vencedor controvertido e uma premiação bem diferente do Spirit Awards, considerado o “Oscar do cinema independente”. A decisão de não incluir títulos que a crítica e outras instituições consideraram os melhores do ano, para dar mais espaço aos filmes medianos dos grandes estúdios, teve impacto na distribuição dos prêmios. Sem a concorrência “desleal” de A24, 30West e outras, que se acostumaram a ter a qualidade seus filmes de arte reconhecidos, Disney, Fox, Universal e Netflix dividiram igualmente as estatuetas douradas entre si. Cada estúdio ficou com quatro ouros. Os quatro troféus da Disney correspondem aos prêmios técnicos de “Pantera Negra” e ao curta animado “Bao”. A Universal foi impulsionada pelas três vitórias de “Green Book”, inclusive como Melhor Filme, e completou sua lista com a vitória de Efeitos Visuais de “O Primeiro Homem”. A Netflix somou três Oscars de “Roma” e a estatueta de Melhor Documentário em Curta-metragem por “Period. End of Sentence.” Já os quatro da Fox se devem todos a “Bohemian Rhapsody”. Mas vale reparar que, se Marvel e Pixar são contados como Disney, a Fox também pode calcular as vitórias da Fox Searchlight, sua “divisão indie”. Assim, saiu-se melhor que os demais, ao somar mais dois Oscars – de Melhor Atriz (Olivia Colman por “A Favorita”) e Curta (“Skin”). Tem mais. A Fox também é dona da NatGeo, produtora do Melhor Documentário: “Free Solo”. Do mesmo modo, a vitória de Spike Lee pelo roteiro de “Infiltrado na Klan” poderia entrar na conta da Universal, já que o filme foi lançado pela Focus Features, a “divisão indie” do estúdio. Apenas uma produtora 100% indie conseguiu penetrar nessa festa exclusiva de gigantes milionários, a Annapurna, com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante de Regina King, por “Se a Rua Beale Falasse”, e de Melhor Maquiagem para “Vice”. Esta multiplicação da supremacia dos dólares sobre a arte do cinema seria ainda mais impactante se a Disney já tivesse consumado sua aquisição da Fox. Quando se soma as vitórias da Disney e da Fox, o resultado são 11 estatuetas para o conglomerado do CEO Bob Iger – deixando apenas outras 13 para serem divididas por seus rivais. Nada mal para o estúdio que tradicionalmente só era lembrado nas categorias de Melhor Animação e Canção, e que sempre preferiu fazer blockbusters a filmes de arte.
Donald Trump chama discurso de Spike Lee no Oscar 2019 de “ataque racista”
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, usou o Twitter para criticar o cineasta Spike Lee, que citou as próximas eleições presidenciais do país em seu discurso após receber o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por “Infiltrado na Klan”. “Seria bom se Spike Lee conseguisse ler seu discurso no papel, ou, melhor ainda, não usar papel nenhum, enquanto fazia um ataque racista ao seu presidente”, escreveu Trump. “Eu fiz mais por afro-americanos (reforma da justiça criminal, menor número de desempregados da história, cortes de impostos, etc) do que quase qualquer presidente na história”, completou. Em seu discurso, Lee não citou o nome de Trump. Ele apenas incentivou o público – e seus colegas de Hollywood – a ser mais politicamente ativo nas eleições presidenciais de 2020, quando Trump poderá ser reeleito. “A eleição está logo ali”, disse Lee. “Vamos nos mobilizar. Vamos ficar do lado certo da história. Vamos fazer a escolha moral entre o amor e o ódio. Vamos fazer a coisa certa!”. A última frase, claro, é uma referência ao título de seu clássico de 30 anos anos atrás – “Faça a Coisa Certa” (1989). Para Donald Trump, esta fala foi um “ataque racista”. Ao mesmo tempo, o presidente americano, sutilmente, chamou Spike Lee de analfabeto. O que não teria sido um “ataque racista”. Be nice if Spike Lee could read his notes, or better yet not have to use notes at all, when doing his racist hit on your President, who has done more for African Americans (Criminal Justice Reform, Lowest Unemployment numbers in History, Tax Cuts,etc.) than almost any other Pres! — Donald J. Trump (@realDonaldTrump) February 25, 2019
Spike Lee surta e protesta contra a vitória de Green Book no Oscar 2019
Spike Lee surtou com a vitória de “Green Book: O Guia” como Melhor Filme no Oscar 2019. O site Deadline registrou que o cineasta ficou tão indignado quando ouviu o nome do filme ser chamado por Julia Roberts, que se levantou de sua cadeira para ir embora. Ele andou até os fundos do Dolby Theatre, onde conversou brevemente com o amigo Jordan Peele, que o ajudou a produzir “Infiltrado na Klan”. Peele deve tê-lo acalmado, porque ele logo voltou para o seu lugar. Entretanto, deu as costas para o palco enquanto os produtores de “Green Book” faziam seus agradecimentos. Em entrevista após a cerimônia, Lee demonstrou sua contrariedade sobre a vitória de “Green Book”. Usando uma metáfora de basquete, seu esporte favorito, ele disse: “Eu senti que estava sentado bem perto da quadra em um jogo, e vi o árbitro fazendo uma marcação errada”. O cineasta já havia dado a entender que não ficaria feliz com uma vitória do filme. Em uma entrevista realizada antes do Oscar, Lee comparou uma possível vitória de “Green Book” com o triunfo de “Conduzindo Miss Daisy” no Oscar de 1990. O longa com Morgan Freeman venceu a estatueta de Melhor Filme no mesmo ano em que “Faça a Coisa Certa”, clássico de Lee, foi lançado – e esnobado pela Academia. Na ocasião, a Academia também optou por um filme sobre racismo de diretor e roteirista brancos, focado no arco da personagem branca. “Toda vez que alguém dirige alguém, eu perco”, brincou Lee na entrevista pós-cerimônia. “Desta vez eles mudaram uma coisa, no entanto: em 1990, eu não fui indicado. Este ano eu fui”. Muitos ativistas negros americanos também fazem objeções a “Green Book”, especialmente depois da família de Don Shirley (o pianista interpretado por Mahershala Ali no filme) contestar a veracidade de vários eventos do roteiro.
Oscar “temático” consagra o Conduzindo Miss Daisy de 2019
A noite do Oscar 2019 foi “temática”, reflexo de uma Academia empenhada em ser cada vez mais politicamente correta, após o #OscarSoWhite, ainda que o resultado final represente uma visão liberal dessa abordagem. Do principal vencedor da cerimônia, realizada no domingo (24/2) em Los Angeles, aos prêmios menos badalados, a mensagem que a distribuição de troféus buscou transmitir foi de incentivo à diversidade. Homens brancos venceram menos prêmios que o costume, resultando em maior reconhecimento para mulheres (15 estatuetas) e pessoas negras (7). São números que representam recordes de diversidade para a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. Isto permitiu que o mais famoso dos cineastas negros, que já deveria ter sido premiado há 30 anos, finalmente vencesse seu primeiro Oscar – Spike Lee, pelo roteiro de “Infiltrado na Klan”. Dois atores negros foram premiados como coadjuvantes, Regina King (por “Se a Rua Beale Falasse”) e Mahershala Ali (“Green Book”). E Ali se tornou o segundo ator negro a vencer dois Oscars, após Denzel Washington. Marcas de segregação técnica ruíram em várias categorias. Peter Ramsey foi o primeiro diretor negro a vencer o Oscar de Melhor Animação – por “Homem-Aranha no Aranhaverso”. A veterana Ruth E. Carter virou a primeira figurinista negra a conquistar sua categoria – por “Pantera Negra”. Sua colega, Hannah Beachler, consagrou-se como a primeira mulher negra indicada e vencedora do Oscar de Design de Produção (cenografia) – também por “Pantera Negra”. E não ficou nisso. Asiáticos tiveram destaque por meio do casal Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin, vencedores do Oscar de Melhor Documentário por “Free Solo”, e com Domee Shi, diretora do Melhor Curta Animado, “Bao”. O Oscar de Melhor Ator foi para Rami Malek, filho de egípcios, que comentou sua origem ao agradecer o prêmio, lembrando que Freddie Mercury, seu papel em “Bohemian Rhapsody”, também era filho de imigrantes africanos. O mexicano Alfonso Cuarón representou os latinos conquistando três estatuetas – Melhor Direção, Fotografia e Filme Estrangeiro por “Roma”. Por isso, o fecho da noite, com “Green Book” eleito o Melhor Filme, poderia (pseudo) representar uma conclusão do tema. Afinal, trata-se de drama que critica o racismo, ao celebrar a amizade entre um motorista branco sem educação e seu passageiro refinado, um músico negro em turnê pelo sul segregado dos Estados Unidos dos anos 1960. Entretanto, trata-se de um filme sobre racismo escrito, dirigido e produzido por brancos – o cineasta Peter Farrelly e os roteiristas Nick Vallelonga e Brian Hayes Currie – , que privilegia o arco de redenção de seu protagonista branco, um racista bruto, que se transforma ao longo de sua jornada. Vale lembrar que o intérprete do personagem negro venceu o Oscar de Ator Coadjuvante, o que deixa claro sua menor importância em comparação ao branco da trama. O vencedor do Oscar é, portanto, o “Conduzindo Miss Daisy” de 2019. Um filme sobre racismo para branco ver e aplaudir, numa abordagem bastante convencional sobre tensões raciais, que considera o ponto de vista negro mero coadjuvante. “Green Book” é similar ao filme de 30 anos atrás até do ponto de vista narrativo, na história do motorista e seu passageiro, apenas mudando quem conduz o veículo, para chegar no mesmo destino: a transformação positiva do personagem branco. Além disso, assim como “Conduzindo Miss Daisy”, o diretor de “Green Book” sequer foi considerado merecedor de indicação na categoria de Melhor Direção. Para completar as comparações, vale ainda lembrar que apesar da vitória do drama de Bruce Beresford, o favorito da crítica e filme mais lembrado daquele Oscar era “Faça a Coisa Certa”, de Spike Lee, muito negro para a época. O tema da diversidade pode ter embalado o Oscar 2019, mas, na hora de definir o prêmio principal, a Academia decidiu ignorar novamente Spike Lee, que tratou de racismo de forma mais contundente em “Infiltrado na Klan”. Pior ainda: barrou “Se a Rua Beale Falasse”, de Barry Jenkins, melhor abordagem do “tema”, que sequer foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, embora tenha vencido, 24 horas mais cedo, o Spirit Awards de filme indie do ano. A vitória de “Green Book” também é o “Crash” de 2019. Em 2006, os eleitores da Academia elegeram outro filme mediano, “Crash: No Limite”, como opção para derrotar “O Segredo de Brokeback Mountain”, de temática homossexual, que irritava a maioria conservadora da época. Até a vitória de “Green Book”, a conquista de “Crash” era considerada a pior decisão da Academia em todos os tempos. O filme que a Academia não queria que vencesse em 2019 era “Roma”. Não porque seria a primeira vez que uma obra falada em outra língua levaria o Oscar – o francês “O Artista” era mudo. Mas porque “Roma” é produção de uma plataforma de streaming. A discussão sobre se as produções da Netflix são cinema tem dividido a comunidade cinematográfica. Uma vitória no Oscar representaria o aval da principal instituição da indústria. Para que isso não acontecesse, “Green Book” ganhou o voto dos contrários. E se juntou a “Crash” na história dos Oscars da mediocridade humana. Um esforço inútil, pois as conquistas de “Roma”, especialmente na categoria de Melhor Direção, já mudaram a Netflix de patamar. Ao final das contas, o que fica para a História é que o cineasta de “Debi e Lóide” venceu o Oscar. Porque tudo é discutível em “Green Book”, menos que seu diretor é o mesmo de “O Amor É Cego”, que achava gordofobia engraçada, e “Ligado em Você”, concebido como piada de deficientes. O fato de a Academia premiar “Green Book” também demonstra que, embora o Oscar 2019 tenha se esforçado para ser “temático”, as opções disponíveis para Melhor Filme foram muito limitadas. Podendo listar dez títulos, os organizadores da premiação preferiram limitar suas indicações a oito, deixando de fora o superior “Se a Rua Beale Falasse”, além de diversas outras possibilidades premiadíssimas. Sobre esse contexto, leia mais aqui. Em resumo, a Academia barrou o cinema independente para privilegiar produções de grandes estúdios, como Fox, Disney, Sony, Universal e, sim, Netflix. “Green Book” é um filme com distribuição da Universal na América do Norte. E o estúdio realmente investiu em estratégia para fazê-lo conquistar o Oscar, trazendo para sua equipe especialistas em crises. Os spin doctors conseguiram apagar incêndios que deveriam ter sido devastadores, causados por revelações do passado do diretor Peter Farrelly – achava engraçado mostrar seu pênis para as atrizes de seus filmes – e do roteirista Nick Vallelonga – apoiou declaração de Trump de que muçulmanos americanos simpatizam com os terroristas que derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York. Esta é a equipe que venceu o Oscar 2019. E Jimmy Kimmel não apareceu com o envelope correto do verdadeiro vencedor. Claro, Oliva Colman (por “A Favorita”) e não Glenn Close (por “A Esposa”) como Melhor Atriz também rende discussão. Mas não pode ser comparada à consagração do filme que o New York Times chamou de “indesculpável”. Decisões politicamente corretas não impediram o ato falho da Academia, ao oferecer a versão branca de como é o racismo como conclusão do Oscar 2019. Confira aqui a lista completa dos premiados.
Premiação do Oscar 2019 vira festa de rock, Netflix e super-heróis
A cerimônia do Oscar 2019
BAFTA 2019: Roma vence o “Oscar britânico”
“Roma”, de Alfonso Cuarón, foi o grande vencedor do BAFTA Awards 2019, a premiação da Academia Britânica de Artes Cinematográficas e Televisivas (BAFTA, na sigla em inglês). A produção mexicana em preto e branco da Netflix venceu quatro troféus, incluindo o principal, de Melhor Filme do ano. Os demais foram os troféus de Melhor Direção, Fotografia e Filme em Língua Não Inglesa, todos eles conquistados por Cuarón, como diretor, cinematógrafo e produtor do longa. O “Oscar britânico” também consagrou a produção local “A Favorita”, de Yorgos Lanthimos, que conquistou até mais prêmios: sete ao todo, inclusive Melhor Atriz para Olivia Colman e Atriz Coadjuvante para Rachel Weisz. Entre os atores, os premiados foram Rami Malek, por seu desempenho como Freddie Mercury em “Bohemian Rhapsody”, e Mahershala Ali, como coadjuvante em “Green Book”. A vitória no BAFTA cacifa ainda mais “Roma” na disputa do Oscar 2019. Nesta década, 55,5% dos vencedores da Academia britânica (cinco de nove) também conquistaram o prêmio da Academia americana. A premiação também rendeu um troféu para Lady Gaga, pela trilha de “Nasce uma Estrela”, para Spike Lee, pelo roteiro de “Infiltrado na Klan” e para a produção de “Homem-Aranha no Aranhaverso”, como Melhor Animação. Para completar, em votação aberta ao público, Letitia Wright, a Princesa Shuri de “Pantera Negra”, foi eleita a Revelação do ano. Confira abaixo a lista completa dos vencedores. Melhor Filme “Roma” Melhor Filme Britânico “A Favorita” Melhor Filme de Língua Não-Inglesa “Roma” Melhor Documentário “Free Solo” Melhor Animação “Homem-Aranha no Aranhaverso” Melhor Direção Alfonso Cuarón (“Roma”) Melhor Roteiro Original Deborah Davis e Tony McNamara (“A Favorita”) Melhor Roteiro Adaptado Spike Lee, David Rabinowitz, Charlie Wachtel e Kevin Willmott (“Infiltrado na Klan”) Melhor Atriz Olivia Colman (“A Favorita”) Melhor Ator Rami Malek (“Bohemian Rhapsody”) Melhor Atriz Coadjuvante Rachel Weisz (“A Favorita”) Melhor Ator Coadjuvante Mahershala Ali (“Green Book: O Guia”) Melhor Estreia de Roteirista, Diretor ou Produtor “Beast” – Michael Pearce (Roteirista e Diretor) e Lauren Dark (Produtor) Melhor Trilha Sonora “Nasce Uma Estrela” Melhor Fotografia “Roma” Melhor Edição “Vice” Melhor Direção de Arte “A Favorita” Melhor Figurino “The Ballad of Buster Scruggs” “Bohemian Rhapsody” “A Favorita” “O Retorno de Mary Poppins” “Duas Rainhas” Melhor Cabelo e Maquiagem “A Favorita” Melhor Som “Bohemian Rhapsody” Melhores Efeitos Visuais “Pantera Negra” Melhor Curta-Metragem Animado Britânico “Roughhouse” Melhor Curta Britânico “73 Cows” Estrela em Ascenção Letitia Wright (“Pantera Negra”)
Oscar 2019 ignora cinema independente para premiar blockbusters e Netflix
A divulgação dos indicados ao Oscar 2019 mostrou uma Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dividida entre os que, aparentemente, defendem a arte do cinema em preto e branco e os que preferem a aprovação das grandes bilheterias. Entre os títulos que disputam o Oscar de Melhor Filme, destacam-se dois exemplos polares desse dilema, “Roma”, de Alfonso Cuarón, drama preto e branco falado em espanhol, e “Pantera Negra”, primeiro filme de super-herói indicado ao prêmio máximo da indústria do cinema. Mas o contraste entre esses dois títulos é um falso dilema, já que, sob seu verniz de arte, “Roma” não é uma produção independente feita à moda dos clássicos do cinema. É principalmente um lançamento da era moderna, distribuído por streaming pela Netflix, que também vai disputar seu primeiro Oscar de Melhor Filme. “Roma” venceu o Festival de Veneza, mas é preciso dimensionar melhor o impacto da inclusão da Netflix no Oscar. Ele acontece em meio a um aumento sensível na participação de blockbusters e lançamentos populares na premiação. E ao custo de uma queda de qualidade geral na seleção. A disputa de Melhor Filme deste ano traz vários filmes que lotaram os cinemas, mas não tiveram boas avaliações da crítica, como “Bohemian Rhapsody” (apenas 62% no Rotten Tomatoes) e “Vice” (64%). Mesmo “Green Book – O Guia”, que atingiu 82% de aprovação, é marcado por críticas negativas ao seu filtro embranquecido do racismo americano. Entretanto, longas premiados e com aprovação nas alturas foram barrados. Casos de “Domando o Destino”, vencedor do Gotham Awards 2018 e com 97% de aprovação no Rotten Tomatoes, do documentário “Won’t You Be My Neighbor?”, também premiado no Gotham, no Critics Choice e pelo Sindicato dos Produtores, com 98% de aprovação, “Oitava Série”, consagrado por associações de críticos e com 99% de aprovação, e “Não Deixe Rastros”, que atingiu impressionantes 100% de aprovação. O Oscar 2019 simplesmente esqueceu o cinema independente, fazendo poucas concessões, como no caso de “No Coração da Escuridão” (First Reformed, 93% no RT), do qual se esperava maior reconhecimento, em especial para a atuação de Ethan Hawke, lembrado apenas como Melhor Roteiro Original – do veterano cineasta Paul Schrader (de “Taxi Driver”), na primeira indicação de sua longa carreira. Podendo indicar até 10 títulos como Melhor Filme, a Academia optou por selecionar apenas oito, criando o primeiro paradoxo da premiação. Uma das obras que disputa o Oscar de Melhor Direção não concorre à Melhor Filme: “Guerra Fria”, de Pawel Pawlikowski. Dos cinco diretores selecionados ao Oscar de sua categoria, apenas dois são americanos. Além do polonês Pawlikowski, disputam o prêmio o mexicano Cuarón, o grego Yorgos Lanthimos (por “A Favorita”) e os americanos Spike Lee (“Infiltrado na Klan”) e Adam McKay (“Vice”). Nenhuma mulher foi lembrada, já que “Domando o Destino” e “Não Deixe Rastros” não existiram para os eleitores da Academia. Outro paradoxo é que, elogiado e premiado por seus efeitos, “Pantera Negra” não foi nomeado para o Oscar de Efeitos Visuais. Também o trabalho vencedor de todos os prêmios de Melhor Trilha Sonora até agora, a composição de Justin Hurwitz para “O Primeiro Homem”, foi esquecida pelos responsáveis pela seleção do Oscar. Pela primeira vez em anos, não haverá um desenho animado disputando a categoria de Melhor Canção. E dois filmes em preto e branco concorrem ao Oscar de Melhor Fotografia – “Roma” e “Guerra Fria”, que ainda são favoritos como Melhor Filme de Língua Estrangeira. O destaque dado aos dois filmes estrangeiros – e ao trabalho do grego de “A Favorita” – pode ser reflexo do aumento de eleitores internacionais, alimentado nos últimos anos pela instituição que organiza o Oscar. Pena que essa tendência tenha substituído o avanço do cinema independente, que culminou na vitória de “Moonlight” há dois anos. Ironicamente, o novo trabalho do diretor Barry Jenkins (de “Moonlight”) não vai disputar o Oscar 2019 de Melhor Filme, apesar de a própria Academia considerar “Se a Rua Beale Falasse” um dos Melhores Roteiros Originais do ano – mas pode até perder nesta categoria para a Netflix, via o filme dos irmãos Coen “A Balada de Buster Scruggs”. “Se a Rua Beale Falasse” tem 95% de aprovação no Rotten Tomatoes. Vale destacar mais uma vez que só foram indicados 8 de 10 filmes possíveis ao prêmio máximo da Academia. E os que ficaram de fora da lista são tão significativos que mostram que o Oscar 2019 virou um prêmio muito diferente da cerimônia cinematográfica que existia até então. O fato é que a premiação de cinema se assumiu de vez como um evento da TV, privilegiando títulos populares para assegurar sua audiência. De Lady Gaga ao Queen. E sem essa moçadinha que ninguém ouviu falar, que só fez os melhores filmes do ano. É importante fazer a comparação. A lista de indicados a Melhor Filme do Spirit Awards 2019 traz “Oitava Série”, “No Coração da Escuridão”, “Se a Rua Beale Falasse”, “Não Deixe Rastros” e “Você Nunca Esteve Realmente Aqui”. Nenhum destes trabalhos disputa o prêmio da categoria principal do evento do dia seguinte, que não é o Framboesa de Ouro, mas que se diz o Oscar 2019. O Spirit Awards 2019 acontece em 23 de fevereiro em Santa Monica, na Califórnia, sem transmissão no Brasil. O evento do dia seguinte, em Los Angeles, será exibido pela rede Globo e pelo canal pago TNT.








