Após críticas negativas em Cannes, Irmãos Dardenne vão reeditar totalmente seu novo filme
Os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne tomaram uma decisão radical, após refletirem sobre as primeiras críticas negativas de suas carreiras, direcionadas à exibição de “La Fille Inconnue” (título internacional: “The Unknown Girl”) no último Festival de Cannes. Segundo o site da revista Variety, os veteranos cineastas belgas vão reeditar totalmente o longa antes de lançá-lo nos cinemas mundiais. Não há informações sobre o que será alterado, mas estão previstas 32 mudanças e um corte de sete minutos em sua duração, em relação ao material exibido em Cannes. O filme dividiu opiniões em Cannes e foi considerado uma das decepções do festival, ao lado de “The Last Face”, de Sean Penn, e “It’s Only The End of the World”, de Xavier Dolan, que acabou premiado. Assim como em seu filme anterior, o ótimo “Dois Dias e uma Noite” (2014), os Dardenne voltam a trabalhar com uma atriz francesa no auge de sua carreira. Antes, foi Marion Cotillard. Agora, é Adèle Haenel, vencedora de dois prêmios César (por “Suzanne” e “Amor à Primeira Briga”). Ela vive uma médica que se recusa a atender uma mulher negra após fechar o consultório, apenas para descobrir, no dia seguinte, que a desconhecida foi morta ali perto. O sentimento de culpa ainda lhe cobra pelo afastamento de um estagiário, que chegou a desistir da Medicina depois de uma crise. E isso a torna obcecada por descobrir mais a respeito da falecida, lançando-a numa investigação mais intensa que a da própria polícia. Até que fica claro que, por questões sociais, ela é na verdade a única interessada em descobrir algo sobre aquela morte. A produção ainda não tem data de estreia definida nos cinemas brasileiros.
Novo filme de Xavier Dolan, premiado em Cannes, ganha primeiro trailer
A distribuidora canadense Les Films Séville divulgou o primeiro trailer de “Juste la Fin du Monde” (título internacional: “It’s Only the End of the World”), novo longa de Xavier Dolan, premiado com o Grand Prix no Festival de Cannes. Na ocasião, o filme dividiu a crítica. O filme marca a primeira produção do jovem cineasta canadense estrelada exclusivamente por atores franceses. E que atores! Gaspard Ulliel (“Saint Laurent”) tem o papel principal e o elenco ainda inclui Léa Seydoux (“007 Contra Spectre”), Marion Cotillard (“Macbeth”), Vincent Cassel (“Em Transe”) e Nathalie Baye (“Uma Doce Mentira”). Dolan, que já tinha vencido antes o Prêmio do Juri de Cannes por “Mommy” (2014), leva à tela a adaptação da peça homônima de Jean-Luc Lagarce. Na trama, Louis, um escritor, retorna a sua cidade natal após 12 anos de ausência, pensando em anunciar a eminência de sua morte para a família. Mas pequenas picuinhas e ressentimentos logo mudam o rumo da tarde, enquanto todas as tentativas de empatia são sabotados pela incapacidade das pessoas para ouvir e amar. A estreia está marcada para 21 de setembro, simultaneamente no Canadá e na França, e ainda não há previsão para o lançamento no Brasil.
Aquarius: Novo filme de Kleber Mendonça Filho ganha primeiro trailer
A Vitrine Filmes divulgou o trailer de “Aquarius”, segundo longa de Kleber Mendonça Filho (“O Som ao Redor”), que venceu o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Sydney e criou polêmica com um protesto de black-tie contra o Impeachment da Presidente Dilma Rousseff no tapete vermelho do Festival de Cannes. O interessante na prévia é como a trama estereotipa as grandes incorporadoras imobiliárias como vilãs, ao estilo dos filmes (e quadrinhos) americanos sobre a gentrificação de Nova York nos anos 1980. Entretanto, ao contrário do fenômeno americano, não é a classe baixa que sofre pressão no filme, mas o estilo de vida de uma classe média decadente e encastelada entre discos de vinil, livros e nostalgia, encarnada na tela pela personagem de Sonia Braga. Ela interpreta a proprietária de um apartamento num prédio antigo, de frente para o mar, que se recusa a vender sua unidade para a construção de um novo edifício, sofrendo assim bulling da construtora. Após a photo op de Cannes, também vale comparar esta ficção com o noticiário do mundo real, lembrando como o governo de Dilma Rousseff foi viabilizado com apoio desse mesmo tipo de vilões: grandes empreiteiras que ajudaram a quebrar o Estado no maior esquema de corrupção já visto na Terra, em conluio com tesoureiros de partidos e políticos no poder. Não foi a moradora de um prédio de frente pro mar que sofreu com isso, mas o país inteiro. “Aquarius” estreia em 1 de setembro no Brasil.
The Birth of a Nation: Vencedor do Festival de Sundance ganha pôster e novo trailer potente
A Fox Searchlight divulgou o pôster e o segundo trailer de “The Birth of a Nation”, drama escravagista que venceu o Grande Prêmio do Júri e o Prêmio do Público no Festival de Sundance em 2016. O filme sobre a rebelião de escravos americanos de 1831 teve seus direitos de distribuição comprados pelo estúdio por um valor recorde para o festival: US$ 17,5 milhões. A prévia demonstra a força da produção ao potencializar as cenas de submissão, opressão e desumanidade numa revolta catártica. O filme foi escrito, dirigido, produzido e estrelado por Nate Parker e já é cotado como forte candidato ao Oscar do ano que vem. E tem tudo para gerar discussões, a começar pelo título, que é o mesmo de um marco cinematográfico, o clássico do cinema mudo “Nascimento de uma Nação”, dirigido em 1915 por D.W. Griffith. O “Nascimento” original descrevia os negros de forma estereotipada, com atores brancos pintados de preto, e apresentava os integrantes da organização racista Ku Klux Klan como heróis. O novo é seu oposto, girando em torno de Nat Turner (vivido por Nate Parker), escravo que liderou uma rebelião de 48 horas contra fazendeiros no estado da Virgínia em 1831, provocando uma retaliação violenta dos brancos. O elenco também inclui Armie Hammer (“O Agente da UNCLE”), Jackie Earle Haley (“A Hora do Pesadelo”), Penelope Ann Miller (“O Artista”), Aja Naomi King (série “How to Get Away with Murder”) e Mark Boone Jr. (série “Sons of Anarchy”). A estreia está marcada para 7 de outubro nos EUA e ainda não há previsão de lançamento no Brasil.
Festival de Veneza divulga o pôster da edição de 2016
A organização do Festival de Veneza divulgou o pôster de sua edição de 2016. Trata-se do quinto consecutivo concebido pelo artista Simone Massi, animador premiado que já venceu mais de 200 prêmios em festivais de cinema com diversos curta-metragens. Seus cartazes anteriores para o festival homenagearam filmes de Wim Wenders (“Paris, Texas”), François Truffaut (“Os Incompreendidos”), Theo Angelopoulos (“A Eternidade e um Dia”) e Federico Fellini (“E la Nave Va”). Mas, desta vez, a nova arte não referencia obras conhecidas, destacando o espectador anônimo. A ilustração, que apresenta um rapaz de costas (o cabelo lembra o próprio Simone), foi descrita como o “momento de expectativa” do cinema. O 73º Festival Internacional de Veneza vai acontecer entre 31 agosto e 10 setembro, com abertura do filme “La La Land”, segundo longa do cineasta Damien Chazelle (“Whiplash”).
Aquarius vence Festival de Cinema de Sydney
“Aquarius”, segundo longa de Kleber Mendonça Filho (“O Som ao Redor”), venceu o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Sydney, na noite de domingo (19/6). A decisão do júri liderado por Simon Field foi unânime ao premiar a história de uma ex-crítica musical (vivida por Sonia Braga) que luta contra os interesses de uma incorporadora. “‘Aquarius’ é uma declaração convincente e relevante sobre o Brasil contemporâneo e o poder de um indivíduo que luta pelo que acredita”, disse o produtor britânico, responsável pela programação do festival. Kleber Mendonça Filho, que não pôde estar presente para receber o prêmio equivalente a R$ 160 mil, enviou um vídeo de agradecimento, no qual relembra uma palestra que deu, aos 15 anos, sobre o cinema australiano durante suas aulas de inglês. Confira abaixo.
Julieta: Veja duas cenas legendadas do novo filme de Pedro Almodóvar
A Universal Pictures divulgou três cenas legendadas de “Julieta”, novo filme do espanhol Pedro Almodóvar. As prévias são bastante dramáticas e focam a depressão e tristeza da protagonista, vivida por Emma Suarez (“Buscando a Eimish”). A narrativa se desenrola ao longo de três décadas, entre 1985 e 2015, e mostra a personagem-título – interpretada por duas atrizes diferentes, com Adriana Ugarte (“Combustión”) na fase jovem – , lidando com o mistério que leva uma pessoa a abandonar quem ama e seguir vivendo como se a outra pessoa nunca tivessem existido ou deixado alguma lembrança. O elenco ainda conta com Michelle Jenner (“Extraterrestre”), Rossy de Palma (“Ata-me”) e Darío Grandinetti (“Relatos Selvagens”). O lançamento de “Julieta”, que teve première no Festival de Cannes, acontece em 7 de julho nos cinemas brasileiros.
La La Land: Novo filme do diretor de Whiplash abrirá o Festival de Veneza
O filme “La La Land”, segundo longa do cineasta Damien Chazelle (“Whiplash”), foi selecionado para abrir a a 73ª edição do Festival de Veneza. Assim como “Whiplash”, o filme é focado num músico de jazz, mas a trama pretende ser também um olhar para as pessoas que tentam entrar no mundo artístico de Los Angeles. Na trama, um pianista (Ryan Gosling, de “Dois Caras Legais”) se apaixona por uma atriz aspirante (Emma Stone, de “O Espetacular Homem-Aranha”). Além do casal, o elenco também contará com participação do músico John Legend, vencedor do Oscar 2015 de Melhor Canção por “Glory” (do filme “Selma”), e J.K. Simmons, que venceu o Oscar 2015 de Melhor Ator Coadjuvante justamente por “Whiplash”. “La La Land” também é um musical, que presta tributo à era de ouro do gênero em Hollywood, e inclui muitas cenas de dança. O Festival de Veneza acontece de 31 de agosto a 10 de setembro na Itália. Já a estreia comercial do longa de Chazelle está marcada para 16 de dezembro nos Estados Unidos e 12 de janeiro no Brasil.
Mãe Só Há Uma: Novo filme de Anna Muylaert ganha pôster e primeiro trailer
A Vitrine Filmes divulgou o cartaz nacional e o primeiro trailer de “Mãe Só Há Uma”, novo filme da diretora Anna Muylaert, que volta a tratar do abismo entre mães e filhos após o sucesso de “Que Horas Ela Volta?”. Desta vez, o pano de fundo do contraste social é substituído por uma história inspirada na crônica policial brasileira, sobre um menino raptado que é reencontrado pela família legítima e tem dificuldades de aceitar a mãe biológica, enquanto ainda nutre afeto pela mulher que o roubou e o criou como filho desde criança. A crise de identidade também se estende à sexualidade do jovem, que pinta as unhas e começa a usar roupas femininas. O filme destaca o estreante Naomi Nero (sobrinho de Alexandre Nero) como protagonista e Daniela Nefussi (“É Proibido Fumar”) em dois papéis, como as mães (de criação e biológica) do menino, num artifício que visa destacar a confusão criada na cabeça do rapaz. Matheus Nachtergaele (“Trinta”), Luciana Paes (“Sinfonia da Necrópole”) e Helena Albergaria (“Que Horas Ela Volta?”) também estão no elenco. Exibido com críticas positivas no Festival de Berlim deste ano, “Mãe Só Há Uma” chega aos cinemas brasileiros no dia 21 de julho.
Festival de Annecy exibe quatro curtas animados brasileiros
Considerado o “Cannes da animação”, o Festival de Annecy iniciou nesta semana sua edição 2016 com quatro curtas-metragens brasileiros na programação. O maior destaque pertence a “Caminho dos Gigantes”, de Alois Di Leo, que participa da competição oficial. O filme acompanha as descobertas de uma índia durante um passeio pela selva e marca a volta do país à principal seleção. “O Mundo do Autismo”, de Guilherme Marcondes, aparece na categoria de filmes encomendados, com uma história sobre um menino que só começa a falar aos quatro anos. Na categoria de melhor telefilme, “Puerto Papel – Amor de Papel”, de Alvaro Ceppi e Hugo Covarrubias, conta a história de Matilda, que acorda com poderes novos a cada dia e passa por aventuras na fictícia cidade de Puerto Papel. Por último, na categoria dedicada a filmes de conclusão de curso, “A Man Called Man”, de Guy Gomes Charnaux Rocha, coproduzido no Canadá, conta uma história familiar por meio de referências a filmes de faroestes. O cinema brasileiro esteve ausente do festival na edição do ano passado, após vencer a competição de Melhor Filme de Animação por dois anos consecutivos, com os longas “Uma História de Amor e Fúria” (2013), de Luiz Bolognesi, e “O Menino e o Mundo” (2014), de Alê Abreu. Os premiados deste ano no evento francês serão conhecidos no sábado (18/6). Segundo os organizadores, questões políticas e sociais compõem os principais temas das produções da programação, mas também houve aumento no número de filmes para crianças. Entre os curtas-metragens, observou-se que 34% dos filmes foram dirigidos por mulheres. Além das mostras oficiais, estão previstos eventos especiais com lançamentos de Hollywood, como a pré-estreia mundial de “Pets – A Vida Secreta dos Bichos”, a exibição de sequências de “Moana” e de “Era do Gelo 5 – Rota de Colisão”, produções dos estúdios Illumination, Disney e Blu Sky, respectivamente.
I, Daniel Blake: Drama vencedor do Festival de Cannes 2016 ganha primeiro trailer
O estúdio britânico Entertainment One divulgou o primeiro trailer de “I, Daniel Blake”, filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano. A prévia apresenta a trama dramática, que acompanha um velho marceneiro (Dave Johns, em seu primeiro filme) durante sua peregrinação pela burocracia da previdência social na Inglaterra, encontrando apenas desrespeito e desumanidade. “I, Daniel Blake” foi a segunda Palma de Ouro da carreira do cineasta inglês Ken Loach, que também saiu premiado do Festival de Cannes com o drama histórico “Ventos da Liberdade” (2006). Em seu discurso neste ano, o cineasta de 79 anos criticou o neoliberalismo que “deixa milhões na miséria”, dizendo-se desconfortável com o fato de receber a honraria em um ambiente glamouroso como o de Cannes, em contraste com as condições de vida daqueles que inspiraram seu filme. A estreia está marcada para 21 de outubro no Reino Unido e ainda não há previsão para seu lançamento no Brasil.
Editorial: A politização da cultura brasileira na era de Aquarius
A politização de cineastas e atores brasileiros tem se mostrado um fenômeno saudável, pois os recentes choques de opinião e manifestação de artistas contrários ao governo federal transmitem sinais inequívocos da estabilidade institucional no pais. Não há convulsão social nem governo de exceção censurando protestos, como seria característica de um golpe de Estado. Há, inclusive, um clima de tolerância com a ocupações de espaços públicos e uma mídia disposta a ouvir quem quiser afirmar que se vive um golpe. Obviamente, o direito de opinião e manifestação não é exclusivo de uma classe ou apenas de quem pensa igual. Quem discorda do que é dito ou feito também vai opinar e se manifestar em contrariedade. Um ambiente democrático se enriquece com essa pluralidade de opiniões. Mas nesses tempos de redes sociais se vive com mais força o acirramento. A repercussão da polêmica iniciada pela equipe do filme “Aquarius” no Festival de Cannes é um exemplo de como as posições estão acirradas. No tapete vermelho do evento francês, o diretor Kleber Mendonça Filho, os atores Sonia Braga, Humberto Carrão e Maeve Jinkings, entre outros envolvidos na produção, levantaram cartazes que chamavam de golpe de estado o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Um dos cartazes chegava a afirmar, em inglês, que “O Brasil não é mais uma democracia”. Na ocasião, os principais integrantes da produção também deram entrevistas, reiterando o ponto de vista de que a democracia brasileira teria sofrido um golpe político. Como reação, grupos contrários manifestaram a intenção de organizar um boicote ao filme. Ao mesmo tempo, a tese de criminalização da Lei Rouanet, que incentiva filmes como “Aquarius”, ganhou terreno. Houve até uma tentativa de incluir produtores culturais na malha da Lava Jato, rechaçada pelo juiz Sérgio Moro. A raiva despertada pelo protesto francês tem, embutida, o discurso da defesa da imagem do Brasil. Esta tese foi reverberada em entrevista do Ministro da Cultura ao programa “Preto no Branco”, exibido no domingo (5/5) no Canal Brasil. “Como qualquer manifestação, tem que ser respeitada, isso está fora de questionamento”, disse o ministro Marcelo Calero, demarcando o limite democrático. “Agora, acho ruim, em nome de um posicionamento político pessoal, causar prejuízos à reputação e à imagem do Brasil”, ele esclareceu, evocando a tese de que afirmar que houve um golpe é alinhar o Brasil às repúblicas de bananas dos clichês latinos. Calero elevou o tom. “Estão comprometendo [a imagem do país] em nome de uma tese política, e isso é ruim. Eu acho até um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro. Eu acho que a democracia precisa ser respeitada e acho que é um desrespeito falar em golpe de Estado com aqueles que viveram o golpe realmente, o de 1964. Pessoas morreram. E as pessoas esquecem isso. Então eu acho [o protesto] de uma irresponsabilidade quase infantil.” As críticas aconteceram no contexto de uma entrevista a um programa de TV, no qual o ministro foi incentivado a dar sua opinião sobre o assunto. Anteriormente, a equipe de “Aquarius” também deu, em entrevistas, suas opiniões sobre a situação do Brasil e a breve extinção do Ministério da Cultura. Passou batido, porém, a ocasião em que Kleber Mendonça Filho afirmou que o país era uma democracia e que, por isso, poderia se manifestar como quisesse. “A gente vive numa democracia. Essa é a minha resposta”, ele disse em maio, logo após o protesto, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, respondendo se temia retaliação – além de cineasta, ele tem um cargo numa fundação ligada ao Ministério da Cultura. “A gente vive numa democracia, e eu tenho direito de expressar o que acho sobre temas políticos”, reforçou, poucas horas após sua equipe levantar cartazes em se podia ler que o Brasil já não era uma democracia. E quando o repórter insistiu, veio a confirmação final: “Queria entender se o Brasil que era quando eu viajei para cá já mudou. Ainda continuo me comportando como se estivesse numa democracia”, discursou. Em suma, Kleber Mendonça Filho defende seu legítimo direito de manifestação por viver numa democracia, mesmo que seja para dizer no exterior que não vive numa democracia. Com o que o próprio ministro Marcelo Calero concorda, “fora de questionamento”. Entretanto, a opinião do ministro sobre o protesto foi questionada pelo diretor e pela atriz Sonia Braga nas redes sociais, como se ele, por sua vez, não tivesse esse direito, nem sequer no contexto de uma entrevista. Mas o ministro goza da mesma liberdade de expressão que é assegurada ao cineasta e à atriz, que, inclusive, replicam como querem, comprovando que há anos a democracia não é tão discutida e vivenciada neste país. Entretanto, chama atenção o tom de “calaboca” nos posts replicantes, onde se percebe uma arrogância do tipo “saiba com quem está falando” que não condiz com o ideal democrático defendido, supostamente, por ambos os lados. “Caro Ministro Calero, talvez isso aqui redefina sua noção de o nosso país passar vergonha internacionalmente”, escreveu Mendonça, incluindo em seu post um link para um texto sobre um editorial do jornal The New York Times, que versa sobre a corrupção no governo Temer. “O The New York Times é o mesmo jornal de influência mundial que incluiu meu filme anterior – ‘O Som ao Redor’ -, fruto do MinC, entre os 10 Melhores de 2012, um orgulho para a Cultura Brasileira”. Nunca é demais lembrar que a corrupção citada no post do cineasta não começou após o afastamento da presidente Dilma Rousseff há poucas semanas, sendo fruto de 13 anos de governo petista, em aliança com os partidos de Temer e Maluf. E que “O Som ao Redor” é mesmo um ótimo filme. Mas o que isso acrescenta na discussão, além de ego e tegiversação? Sonia Braga foi ainda mais fundo em seu post, arrancando urros de júbilo nas redes sociais, além de render algumas manchetes reveladoras. “A diva e o guri: Sonia Braga manda ‘ministro’ Marcelo Calero se situar”, descreveu o blog de Luis Nassif, festejando a enquadrada. “Estrela de filme pernambucano, Sonia Braga dá ‘aula de história’ a ministro da Cultura”, ponderou o jornal Diário de Pernambuco, sugerindo ironia. E, em outro espectro: “Sonia Braga não aceita ser criticada por ministro mais novo: ‘É inadmissível'”, titulou o Blasting News, mais divertido que os demais. Vale a pena conferir o subtítulo da matéria: “De acordo com atriz, Ministro é muito novo para entender problemas dos artistas”. De rolar de rir. Publicado no Facebook, o texto da atriz tem a intenção de ser sério. Ele começa dando uma “aula de história para o senhor Marcelo Calero, 33 anos de idade. Eu, só de profissão, tenho 50”. E passa a narrar a luta pelo reconhecimento da profissão de ator nos anos 1970, embutindo no meio realizações pessoais. “Naquela época, acredito, o senhor Marcelo ainda não havia nascido. Por isso, não deve ainda ter tido tempo de aprender sobre os nossos problemas e os nossos direitos”, ela diz, de forma impressionante. E nisso encaixa uma crítica à entrevista de Calero. “Como pode um Ministro dizer que um ato democrático como o nosso é a representação de um País inteiro? Isso é desconhecimento do que significa plena democracia. Se estivéssemos falando em nome de todos não precisaríamos, evidentemente, fazer o ato. Uma coisa é certa: estamos juntos”. O trecho que chama mais atenção tem enunciado mais claro e impactante. “O Ministro da Cultura ofendendo artistas é inadmissível. O senhor está nesse cargo para dialogar, para nos ajudar, para fazer a ponte com quem nos explora”. Entra-se num terreno muito delicado. Uma opinião passa a ser tratada como ofensa. “O Ministro da Cultura ofendendo artistas” é uma frase forte e, convenhamos, tão sensacionalista quanto a manchete do Blasting News. Mas não poderia o mesmo ministro dizer que artistas brasileiros ofendendo o Brasil é inadmissível? A narrativa do golpe se diferencia da narrativa do Impeachment neste quesito. Dependendo do ponto de vista, dizer que houve golpe, que não há democracia no Brasil e conclamar nações a não reconhecerem o governo pode, sim, ser considerado ofensivo – no mínimo. Felizmente, a democracia brasileira já está madura o suficiente, com apenas 28 anos – mais jovem, portanto, que o ministro – para fazer prevalecer a tolerância. Para completar seu raciocínio, Sonia cita as críticas “fabulosas” que “Aquarius” recebeu no exterior como um “ponto grande para a imagem da cultura brasileira no exterior”. E encerra com o que não tem outro nome: uma lição de moral. “Senhor Ministro, não podemos perder as nossas conquistas. Sobretudo a mais importante delas, o respeito”. A Pipoca Moderna sempre apoiou o cinema brasileiro de qualidade, como os filmes de Kleber Mendonça Filho, e pretende continuar usando sua pequena ressonância para lutar por maior espaço no circuito para essas obras. Boicotes são legítimos numa democracia, assim como nossa postura assumida e conhecida de rechaçar grupos intolerantes. Para ficar claro: jamais promoveremos boicotes e sempre destacaremos filmes de conteúdos sociais relevantes, assim como apoiamos o direito de manifestações pacíficas, como têm sido as realizadas em torno de “Aquarius”. Do mesmo modo e pelas mesmas razões, tampouco simpatizamos com patrulhas ideológicas. Quando o discurso em prol da democracia embute desprezo ao contraditório, escancara o que esquerda e direita têm em comum: um viés totalitário, na busca de uma visão hegemônica de mundo. Ao contrário disso, a democracia se fortalece com a convivência de vozes divergentes. O protesto em Cannes só é legítimo na medida em que se pode criticá-lo. Talentosos como são Kleber e Sonia, eles sabem que narrativas maniqueístas só convencem quem quer ser convencido, enquanto, para os demais, mostram-se inverossímeis, sem muito acrescentar.
Sonia Braga e Kleber Mendonça Filho polemizam com Ministro da Cultura
A atriz Sonia Braga e o diretor Kleber Mendonça Filho responderam às críticas feita pelo Ministro da Cultura Marcelo Calero ao protesto político da equipe de “Aquarius” no tapete vermelho do Festival de Cannes. O Ministro fez seu comentário durante entrevista no programa “Preto no Branco”, do Canal Brasil, o cineasta e a atriz responderam com um posts no Facebook. O motivo da nova polêmica foram as expressões usadas por Calero, que classificou o protesto de “quase infantil” e “até um pouco totalitário”. Vale lembrar o caso. No tapete vermelho do Festival de Cannes, o diretor Kleber Mendonça Filho, os atores Sonia Braga, Humberto Carrão e Maeve Jinkings, entre outros envolvidos na produção, levantaram cartazes que chamavam de golpe de estado o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Um dos cartazes chegava a afirmar, em inglês, que “O Brasil não é mais uma democracia”. Calero disse que o ato pode ter prejudicado a imagem do país internacionalmente. “Como qualquer manifestação, tem que ser respeitada, isso está fora de questionamento. Agora, acho ruim, em nome de um posicionamento político pessoal, causar prejuízos à reputação e à imagem do Brasil”, ele afirmou durante a entrevista. “Estão comprometendo [a imagem do país] em nome de uma tese política, e isso é ruim. Eu acho até um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro. Eu acho que a democracia precisa ser respeitada e acho que é um desrespeito falar em golpe de Estado com aqueles que viveram o golpe realmente, o de 1964. Pessoas morreram. E as pessoas esquecem isso. Então eu acho [o protesto] de uma irresponsabilidade quase infantil.” Em seu Facebook, Mendonça Filho respondeu com o post de uma reportagem a respeito de um editorial do jornal “The New York Times” que questiona o compromisso do presidente Michel Temer em combater a corrupção. O texto menciona a ficha suja de ministros do governo. Junto do link, o cineasta escreveu: “Caro Ministro Calero, talvez isso aqui redefina sua noção de o nosso país passar vergonha internacionalmente. O The New York Times é o mesmo jornal de influência mundial que incluiu meu filme anterior – ‘O Som ao Redor’ -, fruto do MinC, entre os 10 Melhores de 2012, um orgulho para a Cultura Brasileira. Abs, Kleber”. Sonia Braga foi ainda mais aguda. “Como pode um Ministro dizer que um ato democrático como o nosso é a representação de um País inteiro?”, indagou Sonia. “Isso é desconhecimento do que significa plena democracia. Se estivéssemos falando em nome de todos não precisaríamos, evidentemente, fazer o ato”, disse. Ela é mais clara na parte que sobe o tom: “o Ministro da Cultura ofendendo artistas é inadmissível. O senhor está nesse cargo para dialogar, para nos ajudar, para fazer a ponte com quem nos explora”. A atriz abre o texto lembrando da diferença de idade entre os dois — Calero tem 33 anos, enquanto Sonia completa 66 nesta quarta-feira, 50 deles dedicados à profissão. “Na época da Abertura, os artistas não tinham sequer uma lei que regulasse a profissão. Essa lei foi promulgada em 1978, depois de muita luta, da qual tive a honra de participar. Naquela época, acredito, o senhor Marcelo ainda não havia nascido. Por isso, não deve ainda ter tido tempo de aprender sobre os nossos problemas e os nossos direitos”, relembrou, em tom professoral. Por fim, Sonia lembra que “Aquarius”, longa dirigido por Kleber Mendonça Filho, foi um sucesso de crítica no 69º Festival de Cannes: “A propósito, as críticas para ‘Aquarius’ foram fabulosas. Quatro estrelas em jornais franceses, italianos, poloneses, russos e três citações no The New York Times. Ponto grande para a imagem da cultura brasileira no exterior”. Ela encerra o texto com uma lição de moral: “senhor ministro, não podemos perder as nossas conquistas. Sobretudo a mais importante delas, o respeito”.










