Presidente da Petrobras causa revolta após chamar filmes premiados de “mais que sofríveis”
Pegou mal, muito mal a declaração do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, numa palestra virtual para o grupo Personalidades em Foco, realizada na noite de quinta (17/9). Desdenhando da parceria histórica entre a estatal e o cinema, que foi encerrada por Bolsonaro, ele disse que a Petrobras não ia mais patrocinar “artistas ricos” nem “filmes de qualidade mais do que sofrível”. Endividada devido à corrupção descoberta pela Operação Lava Jato, a empresa está cortando custos, mas Castello Branco aproveitou para politizar a economia com ataques gratuitos ao Cinema nacional. “Além da busca contínua por redução de custos, resolvemos mudar a composição de nossos patrocínios. A Petrobras patrocinava artistas ricos e filmes de qualidade mais do que sofrível, como ‘Bixa Travesty’, ‘Lasanha Assassina’ e outras coisas mais”, afirmou o presidente da estatal, citando dois filmes premiados. O primeiro título mencionado pelo presidente da Petrobras é um documentário sobre transexuais, que tem como protagonista a cantora Linn da Quebrada, e foi premiado nos festivais de Berlim (Prêmio Teddy), Brasília (júri popular) e no Mix Brasil. O segundo é um curta animado de 2002 que tem o lendário José Mojica Marins, o Zé do Caixão, como dublador. Este filme foi premiado no Festival de Recife, na Mostra de Tiradentes e no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, promovido pela Academia Brasileira de Cinema, responsável por selecionar o representante nacional no Oscar. Não só isso. “Bixa Travesty” não foi patrocinado pela Petrobras. Pior ainda, levou calote da Petrobras, ao vencer um prêmio no Festival de Brasília, este sim patrocinado pela estatal. Segundo os diretores Kiko Goifman e Claudia Priscilla, “Bixa Travesty” recebeu verbas do Fundo Setorial do Audiovisual, da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo-Sul. Mas, ao ser premiado no Festival de Brasília, deveria receber, de acordo com o regulamento do evento, R$ 200 mil da Petrobras, que seriam usados para sua distribuição nos cinemas. Entretanto, após Bolsonaro assumir a presidência, a estatal comunicou que não iria pagar. Claudia Priscilla contou para o jornal O Globo que as equipes contempladas pela premiação entraram com uma ação judicial coletiva contra a estatal, mas a Petrobras só pagou metade do valor previamente acordado com o Festival. “Não cabe ao presidente da Petrobras citar o filme nessa situação. ‘Bixa Travesty’ não foi produzido com recursos da Petrobras. Além de um insulto, é uma apropriação indevida. Quando a gente ganhou o prêmio popular de Brasília, o filme obviamente já estava pronto”, criticou a cineasta. Seu parceiro na direção do longa foi além, avisando que iria processar Castello Branco. “Estou me sentindo perseguido. Com certeza absoluta, o senhor Castello Branco não viu o filme. Ele pegou pelo título, ‘Bixa Travesty’, para insultar o nosso filme, que mostra a história de uma pessoa que sofreu a vida toda e que tem uma força imensa. Vamos entrar na Justiça”, afirmou Kiko Goifman. “Esses caras não podem achar que podem pegar a metralhadora do ódio deles e apontar para todo lado. Agora faremos questão de levar o filme para o maior número de pessoas possível. Não vamos ficar calados”. Além dos diretores de “Bixa Travesty”, a cantora Linn da Quebrada, que estrela o documentário, os cineastas Cacá Diegues e Fernando Meirelles, a produtora Mariza Leão e o presidente da Academia Brasileira de Cinema também repudiaram a frase do burocrata, em depoimentos a O Globo. “Uma fala como essa não só reflete, mas também constrói os nossos tempos”, disse Linn da Quebrada. “Sobreviver a um país que nos quer mortas diariamente é uma obra de arte. É isso que estamos expondo com essa produção, e por isso ela se torna tão perigosa. Quando ele tira o nosso filme de um campo de possibilidade, parece dizer que vidas como a minha não importam a ponto de serem vistas”, acrescentou. O veterano Cacá Diegues, autor do clássico “Bye Bye Brasil”, que parece título para as realizações do atual desgoverno, avaliou que a declaração faz parte da guerra contra a cultura levada adiante por Bolsonaro. “É impressionante a simples má vontade ou o grave juízo desqualificado de membros desse governo em relação à Cultura e particularmente ao cinema brasileiro. Não estamos lidando com um governo que não se importa com a cultura, mas com um governo que é contra ela. Eles não se importam com o mal que fazem ao Brasil”, criticou. Jorge Peregrino, presidente da Academia Brasileira de Cinema, que premiou o atacado “Lasanha Assassina”, apontou a falta de qualificação do burocrata como crítico de cinema. “Mesmo que ele tenha visto o filme, ele não tinha o direito de falar isso. É a mesma coisa que eu criticar a extração de petróleo dele, sem entender do assunto. Cada macaco no seu galho”. Ou como diz Mariza Leão, direto ao ponto: “O reconhecimento do cinema brasileiro mundo afora, através de festivais renomados e também do público, fala mais alto do que as declarações de alguém que não tem nenhuma capacitação intelectual para afirmar o contrário. Viva o cinema brasileiro e sua pluralidade!” Diante da repercussão, a Petrobras emitiu um comunicado, afirmando que seu presidente “respeita todas as formas de expressão”, mas que, “como defensor da liberdade de escolha, se reserva o direto de ter suas próprias preferências artísticas”. Através da assessoria da estatal, Roberto Castello Branco ainda disse que “não teve a intenção de ofender qualquer obra ou grupo” e que “se desculpa por algum mal-entendido”. Só que tudo foi bem entendido, inclusive a defesa da Petrobras, em comunicado, do direito ao preconceito.
Festival de Brasília 2018 consagra negros, mulheres e transexuais
O filme “Temporada”, primeira ficção em longa-metragem de André Novais Oliveira (“Ela Volta na Quinta”), foi o grande vencedor do Festival de Brasília 2018, conquistando cinco troféus no encerramento do evento, na noite de domingo (23/9). Eleito Melhor Filme pelo júri, também venceu os Troféus Candangos de Melhor Atriz (para Grace Passô), Ator Coadjuvante (Russão), Direção de Arte e Fotografia. “Temporada” traz Grace Passô como uma mulher que, ao se mudar para Contagem (MG) vinda de uma cidade do interior, tem que lidar com o novo cotidiano e dificuldades no casamento. O detalhe é que se trata de um filme de diretor negro, estrelado por uma mulher negra. E ambos foram premiados. O Melhor Ator foi outro negro: Aldri Anunciação, protagonista de “Ilha”, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, que também receberam o Candango de Melhor Roteiro – pela história de um jovem que sequestra um cineasta com o objetivo de rodar a própria história. Ambos atores chamaram atenção para a quantidade de negros que fazem cinema no Brasil sem reconhecimento. “Esse troféu diz respeito a uma porção de militâncias que desentortam o olhar. Para que pessoas como eu possam ser vistas, olhadas e possam ensinar a sociedade”, disse Grace Passô. “Não existe atuação, existe coatuação. Eu não estou só aqui. Atrás existe uma comunidade de negros e negras. Quero dividir esse prêmio com Mário Gusmão, ator negro de 90 anos e que nunca ganhou um prêmio”, exaltou Aldri Anunciação. Por sua vez, o Candango de Melhor Direção ficou com uma mulher: Beatriz Seigner, por seu trabalho em “Los Silencios”, que teve lançamento mundial no último Festival de Cannes. O filme mostra uma ilha no meio da Amazônia, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, que é povoada por fantasmas. A boa safra de terror nacional também rendeu reconhecimentos para “A Sombra do Pai”, outro filme dirigido por uma mulher, Gabriela Amaral Almeida (“O Animal Cordial”), que levou três troféus: Melhor Montagem, Som e Atriz Coadjuvante (Luciana Paes). “Torre das Donzelas”, documentário de Susanna Lira sobre presas políticas, ficou com o Prêmio Especial do Júri. E outro documentário, “Bixa Travesty”, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, sobre a cantora trans Linn da Quebrada, foi escolhido o Melhor Filme pelo Público e recebeu Menção Honrosa do júri, além do Candango de Melhor Trilha Sonora. Confira abaixo os principais premiados. Longa-Metragem Melhor Filme: “Temporada” Melhor Direção: Beatriz Seigner (“Los Silencios”) Melhor Ator: Aldri Anunciação (“Ilha”) Melhor Atriz: Grace Passô (“Temporada”) Melhor Ator Coadjuvante: Russão (“Temporada”) Melhor Atriz Coadjuvante: Luciana Paes (“A Sombra do Pai”) Melhor Roteiro: “Ilha”, de Ary Rosa e Glenda Nicácio Melhor Fotografia: “Temporada”, Wilsa Esser Melhor Direção de Arte: “Temporada”, Diogo Hayashi Melhor Trilha Sonora: “Bixa Travesty” Melhor Som: “A Sombra do Pai”, Gabriela Cunha Melhor Montagem: “A Sombra do Pai”, Karen Akerman Prêmio do Júri Popular: “Bixa Travesty” Prêmio Especial do Júri: “Torre das Donzelas” Menção Honrosa do Júri: “Bixa Travesty” Curta-Metragem Melhor Filme: “Conte Isso Àqueles que Dizem que Fomos Derrotados” Melhor Direção: Nara Normande (“Guaxuma”) Melhor Ator: Fábio Leal (“Reforma”) Melhor Atriz: Maria Leite (“Mesmo com Tanta Agonia”) Melhor Ator coadjuvante: Uirá dos Reis (“Plano Controle”) Melhor Atriz coadjuvante: Noemia Oliveira (“Eu, Minha Mãe e Wallace” ) Melhor Roteiro: “Reforma”, Fábio Leal Melhor Fotografia: “Mesmo com Tanta Agonia”, Anna Santos Melhor Direção de Arte: “Guaxuma”, Nara Normande Melhor Trilha Sonora: “Guaxuma”, Normand Roger Melhor Som: “Conte Isso Àqueles que Dizem que Fomos Derrotados”, Nicolau Domingues Melhor Montagem: “Plano Controle”, Gabriel Martins e Luisa Lana Menção Honrosa de Atriz Coadjuvante: “Mesmo com Tanta Agonia”, Rillary Rihanna Guedes Prêmio do Júri Popular: “Eu, Minha Mãe e Wallace” Prêmio Especial do Júri: “Liberdade”
Festival de Brasília inicia sua edição mais feminina
O Festival de Brasília inicia sua 51ª edição nesta sexta-feira (14/9) com “Domingo” (foto acima), de forte teor político, como tem sido regra nas aberturas do evento desde 1965. O longa dos cariocas Clara Linhart e Fellipe Barbosa se passa numa fazenda no interior do Rio Grande do Sul no dia 1º de janeiro de 2003, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva toma posse, e mostra o medo da elite diante do que isso representava – na época, Lula ainda não tinha se associado à mesma elite para mergulhar no maior escândalo de corrupção já investigado pela promotoria pública no país. De forma inconsciente ou proposital, isso conduz a uma contradição. Ridiculariza o medo de o Brasil virar um país comunista, mas mantém um tom de luta de classe explícita e promete até catarse bolchevique. O codiretor Fellipe Barbosa é o mesmo que tinha dado uma lição de sutileza ao tratar dos mesmos assuntos no excepcional “Casa Grande”. “Domingo” já passou pelo Festival de Veneza e será exibido fora de competição. E com uma codiretora mulher, é representativo da presença feminina significativa do evento, que vai até o dia 23 de setembro. Entre os 21 filmes (9 longas e 12 curtas) selecionados na mostra competitiva, 13 produções têm mulheres como diretoras ou codiretoras. Uma conquista da diversidade, que também se viu em Gramado e até na malfadada seleção de filmes inscritos para disputar o Oscar 2019. Neste ano, os nove longas-metragens que vão disputar o prêmio máximo do Festival de Brasília, o Troféu Candango de Melhor Filme, vem de São Paulo, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio de Janeiro e há até uma coprodução nacional com a Colômbia e a França. E não é só a presença feminina que chama atenção, mas o aumento de longas dirigidos por duplas, 30% da seleção. Isto ajuda a quantidade de produções comandadas por mulheres atingir metade do total, o que antecipa uma meta buscada por festivais internacionais para daqui a dois anos. Além da seleção diversificada, o encontro cinematográfico também passará a destacar o trabalho feminino no cinema nacional com um novo prêmio honorário, batizado de Leila Diniz, que irá homenagear personalidades marcantes da produção cinematográfica brasileira. As primeiras homenageadas serão a atriz Ítala Nandi, que iniciou a carreira com o clássico “O Bandido da Luz Vermelha” (1968) e está de volta em “Domingo”, e a montadora Cristina Amaral, que já tinha vencido o Candango nessa categoria por “O Inventor” (1991), “Sua Excelência, o Candidato” (1992), “Alma Corsária” (1993) e “Eu Sei que Você Sabe” (1995). Outros homenageados do evento são o acadêmico Ismail Xavier, professor emérito da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), e Walter Mello, um dos idealizadores do Festival de Brasília, que nos anos 1960 era chamado de Semana do Cinema Brasileiro. Estão previstos 148 filmes, entre curtas e longas-metragens, até o encerramento do festival com a exibição do documentário “América Armada”, dos cariocas Alice Lanari e Pedro Asbeg, também fora de competição, que traça um panorama da violência no Brasil. Ao buscar comparações com a realidade na Colômbia e no México, a obra levanta a relação entre a precariedade de políticas culturais e o fácil acesso às armas. Veja abaixo a lista dos longas em competição. “Bixa Travesty”, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman “Bloqueio”, de Quentin Delaroche e Victória Álvares “Ilha”, de Ary Rosa e Glenda Nicácio “Los Silencios”, de Beatriz Seigner “Luna”, de Cris Azzi “New Life S.A.”, de André Carvalheira “A Sombra do Pai”, de Gabriela Amaral Almeida “Temporada”, de André Novais Oliveira “Torre das Donzelas”, de Susanna Lira


