Grande Prêmio do Cinema Brasileiro muda de nome e anuncia finalistas
Premiação vira Prêmio Grande Otelo, que já era o nome de seu troféu, e destaca "Mussum, o Filmis" e "O Sequestro do Voo 375" em suas indicações
Propriedade: Drama brasileiro selecionado pelo Festival de Berlim, ganha trailer tenso
“Propriedade”, uma das produções brasileiras selecionadas para o Festival de Berlim 2023, ganhou um trailer tenso que realça o conflito de classes no centro da trama. O filme conta a história de uma mulher, interpretada por Malu Galli (“Paraíso Perdido”), que se tranca num carro blindado para se proteger de uma rebelião formada pelo trabalhadores de sua fazenda. O longa é definido por seu realizadores como “um thriller que se utiliza das convenções de gênero para abordar a incomunicabilidade e a intolerância entre classes no Brasil”. Além de Malu Galli, o elenco ainda conta com as participações de Tavinho Teixeira (“Irmandade”), Edilson Silva (“Bacurau”), Sandro Guerra (“Divino Amor”) e Nivaldo Nascimento (“O Som ao Redor”). “Propriedade” ainda não tem dada de lançamento nos cinemas brasileiros. Confiar o trailer abaixo. Antes de estrear na Europa, o filme fez uma trajetória bem-sucedida em festivais do Brasil. “Propriedade” foi exibido na Mostra de Cinema de São Paulo, foi o filme de encerramento da 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes e ganhou os prêmios de Melhor Montagem no Festival do Rio e os troféus de Melhor Direção, Melhor Figurino, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Desenho de Som no Festival de Aruanda. O longa-metragem pernambucano, escrito e dirigido por Daniel Bandeira (“Amigos de Risco”), será exibido na quinta (23/2) na Mostra Panorama, a seção paralela mais prestigiada da Berlinale.
Festival de Berlim destaca seleção de filmes sobre conflitos na Ucrânia e no Irã
A organização do Festival de Berlim divulgou a lista dos títulos selecionados para sua edição de 2023, que contará com diversos filmes de temática política. O destaque fica por conta de “Superpower”, documentário dirigido por Sean Penn e Aaron Kaufmann sobre a invasão russa à Ucrânia. Selecionado para a Première Mundial no Festival, o documentário também teve a sua primeira imagem divulgada, em que Sean Penn aparece conversando com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. A todo, foram selecionados cinco documentários sobre a Ucrânia. Os outros são: “Iron Butterflies”, “Eastern Front”, “We Will Not Fade Away” e “In Ukraine”. Para completar, a relação ainda inclui o filme dramático “Do You Love Me?”, de Tonia Noyabrova, uma obra de ficção que aborda a temática da guerra e de questões políticas envolvendo o país europeu. O posicionamento político do festival será visível até no tradicional broche de lapela da Berlinale, que este ano mudou suas cores para o amarelo e azul. Segundo a organização do evento, a mudança nas cores é uma forma de “fornecer ampla visibilidade para a causa entre os participantes da Berlinale, convidados credenciados da indústria e convidados de filmes”. Além da invasão da Ucrânia, a programação do festival também dá bastante destaque para os protestos e conflitos políticos no Irã. Há igualmente vários documentários selecionados sobre essa temática, como “My Worst Enemy”, que conta com a atriz Zar Amir Ebrahimi (“Holy Spider”), e “And, Towards Happy Alleys”, que inclui entrevistas com o diretor dissidente Jafar Panahi (“Taxi Teerã”). E em uma demonstração de que a escolha foi proposital, o Festival de Berlim proibiu todas as empresas, jornalistas ou delegações cinematográficas com vínculos diretos com os governos iraniano ou russo de participarem do evento. A politização de Berlim acabou fazendo com que Hollywood tivesse pouco espaço na programação. Para se ter noção, os títulos mais “comerciais” do evento são o francês “The Plough”, novo filme de Philippe Garrel, o canadense “Infinity Pool”, de Brandon Cronenberg, e o alemão “Afire”, novo trabalho de Christian Petzold. Já o Brasil será representando, por enquanto, por dois longas: “Propriedade”, dirigido por Daniel Bandeira e selecionado para a mostra Panorama, e “O Estranho”, de Flora Dias e Juruna Mallon, que vai compor a seleção Fórum. A lista também inclui os curtas “As Miçangas”, de Emanuel Lavor e Rafaela Camelo, na mostra Berlin Shots, “A Árvore”, de Ana Vaz, na mostra Forum Expanded, e “Infantaria”, de Laís Santos Araújo, na mostra Generation, além da exibição do clássico “A Rainha Diaba” (1974), de Antônio Carlos Fontoura. O Festival de Berlim vai acontecer entre 16 e 26 de fevereiro, com a atriz americana Kristen Stewart à frente do júri internacional. Confira abaixo a lista completa dos selecionados. Noite de Abertura “She Came to Me”, direção: Rebecca Miller– Fora de competição Competição “20,000 Species of Bees”, direção: Estibaliz Urresola Solaguren (Espanhaaaa) “Afire”, direção: Christian Petzold “Bad Living”, direção: João Canijo “BlackBerry”, direção: Matt Johnson “Disco Boy, direção: Giacomo Abbruzzese “Ingeborg Bachmann – Journey into the Desert”, direção: Margarethe von Trotta “Limbo”, direção: Ivan Sen “Manodrome”, direção: John Trengove “Music”, direção: Angela Schanelec “On the Adamant”, direção: Nicolas Philibert “Past Lives”, direção: Celine Song “Someday We’ll Tell Each Other Everything”, direção: Emily Atef “Suzume”, direção: Makoto Shinkai “The Plough”, direção: Philippe Garrel “The Shadowless Tower”, direção: Zhang Lu “The Survival of Kindness”, direção: Rolf de Heer “Till the End of the Night”, direção: Christoph Hochhäusler “Tótem”, direção: Lila Avilés Especial Berlinale “Golda”, direção: Guy Nattiv “Infinity Pool”, direção: Brandon Cronenberg “Kill Boksoon”, direção: Byun Sung-hyun “Kiss the Future”, direção: Nenad Cicin-Sain “Loriot’s Great Cartoon Revue”, direção: Peter Geyer “Last Night of Amore”, direção: Andrea Di Stefano “#Manhole”, direção: Kazuyoshi Kumakiri “Massimo Troisi: Somebody Down There Likes Me”, direção: Mario Martone “Ming On Mad Fate”, direção: Soi Cheang “Seneca – On the Creation of Earthquakes”, direção: Robert Schwentke Première Mundial “Sun and Concrete”, direção: David Wnendt “Superpower”, direção: Sean Penn e Aaron Kaufman “Talk to Me”,direção: Danny Philippou e Michael Philippou “TÁR”, direção: Todd Field “Untitled Boris Becker Documentary”, direção: Alex Gibney Encontros “Absence”, direção: Wu Lang “Eastern Front”, direção: Vitaly Mansky e Yevhen Titarenko “Family Time”, direção: Tia Kouvo Finland “Here”, direção: Bas Devos “In the Blind Spot”, direção: Ayşe Polat “In Water”, direção: Hong Sangsoo “Living Bad”, direção: João Canijo “My Worst Enemy”, direção: Mehran Tamadon “Orlando, My Political Biography”, direção: Paul B. Preciado “Samsara”, direção: Lois Patiño “The Cage is Looking for a Bird”, direção: Malika Musaeva “The Echo”, direção: Tatiana Huezo “The Klezmer Project, direção: Leandro Koch e Paloma Schachmann “The Adults”, direção: Dustin Guy Defa “The Walls of Bergamo”, direção: Stefano Savona “White Plastic Sky”, direção: Tibor Bánóczki e Sarolta Szabó Panorama “After”, direção: Anthony Lapia “All the Colours of the World Are Between Black and White”, direção: Babatunde Apalowo “Ambush”, direção: Chhatrapal Ninawe “And, Towards Happy Alleys”, direção: Sreemoyee Singh “Do You Love Me?”, direção: Tonia Noyabrova “Drifter”, direção: Hannes Hirsch “Femme”, direção: Sam H. Freeman e Ng Choon Ping “Green Night”, direção: Han Shuai “Heroic”, direção: David Zonana “Joan Baez I Am A Noise”, direção: Karen O’Connor, Miri Navasky e Maeve O’Boyle “Kokomo City”, direção: D. Smith “Matria”, direção: Álvaro Gago “Midwives”, direção: Léa Fehner “Opponent”, direção: Milad Alami “Propriedade”, direção: Daniel Bandeira “Sira”, direção: Apolline Traoré “Sisi & I”, direção: Frauke Finsterwalder “Stams”, direção: Bernhard Braunstein “Transfariana”, direção: Joris Lachaise “The Beast in the Jungle”, direção: Patric Chiha “The Eternal Memory”, direção: Maite Alberdi “The Teachers’ Lounge”, direção: İlker Çatak “Under the Sky of Damascus”, direção: Heba Khaled, Talal Derki e Ali Wajeeh Geração “A Greyhound of a Girl”, direção: Enzo d’Alò “Almamula”, direção: Juan Sebastian Torales “And the King Said, What a Fantastic Machine”, direção: Axel Danielson e Maximilien Van Aertryck “Autobio-Pamphlet”, direção: Ashish Avinash Bende “Dancing Queen”, direção: Aurora Gossé “Deep Sea”, direção: Tian Xiaopeng “Delegation”, direção: Asaf Saban “Hummingbirds”, direção: Silvia Del Carmen Castaños e Estefanía “Beba” Contreras “I Woke Up With a Dream”, direção: Pablo Solarz “Kiddo”, direção: Zara Dwinger “Mimi (She – Hero)”, direção: Mira Fornay “Mutt”, direção: Vuk Lungulov-Klotz “Ramona”, direção: Victoria Linares Villegas “Sweet As”, direção: Jub Clerc “We Will Not Fade Away”, direção: Alisa Kovalenko “When Will It Be Again Like It Never Was Before”, direção: Sonja Heiss Fórum “About Thirty”, direção: Martín Shanly “A Golden Life”, direção: Boubacar Sangaré “Allensworth”, direção: James Benning “Anqa”, direção: Helin Çelik “Being in a Place – A Portrait of Margaret Tait”, direção: Luke Fowler “Between Revolutions”, direção: Vlad Petri “Calls from Moscow”, direção: Luís Alejandro Yero “Cidade Rabat”, direção: Susana Nobre “De Facto”, direção: Selma Doborac “Forms of Forgetting”, direção: Burak Çevik “In Ukraine”, direção: Piotr Pawlus e Tomasz Wolski “Leaving and Staying”, direção: Volker Koepp “Our Body”, direção: Claire Simon “Regardless of Us”, direção: Yoo Heong-jun “Remembering Every Night”, direção: Yui Kiyohara “O Estranho”, direção: Flora Dias e Juruna Mallon “The Bride”, direção: Myriam U. Birara “The Face of the Jellyfish”, direção: Melisa Liebenthal “The Temple Woods Gang”, direção: Rabah Ameur-Zaïmeche “There Is a Stone”, direção: Tatsunari Ota “The Trial”, direção: Ulises de la Orden “Where God Is Not”, direção: Mehran Tamadon Berlinale Séries “The Swarm” – Fora de competição “Agent Denmark” “Bad Behaviour” “Roar” “Spy/Master” “The Architect Norway” “The Good Mothers” “Why Try to Change Me Now”
Terror de O Nó do Diabo mostra que o Brasil é um país assombrado pela injustiça social
Muitas histórias de terror usam o arquétipo do “lugar ruim”: a casa assombrada, o cemitério, o castelo do cientista louco… E é sempre melhor quando eles têm uma história. Por exemplo, um dos mais famosos lugares ruins do terror, a Hill House do romance de Shirley Jackson – adaptado duas vezes para o cinema, no clássico “Desafio do Além” (1963) e no pavoroso, no mau sentido, “A Casa Amaldiçoada” (1999) – tinha uma história longa de eventos tenebrosos, exposta logo no início da obra, abrangendo várias décadas. Um catálogo de coisas ruins é um elemento que dá um sabor especial a um exemplar do gênero. O filme de terror brasileiro “O Nó do Diabo” é sobre um lugar ruim, e um lugar ruim com história. Uma fazenda, antigo engenho no sertão paraibano, serve como palco para cinco histórias assustadoras envolvendo o passado do lugar. As histórias se passam entre 2018 e 1818, regredindo no tempo, e sempre se relacionam de alguma forma ao trabalho escravo que havia no local. Trata-se de uma proposta não muito comum no cinema de gênero do Brasil, a de filme de antologia. Cada uma das histórias teve seu diretor – são eles Gabriel Martins, Ian Abré e Jhésus Tribuzi, com Ramon Porto Mota dirigindo duas – e seus próprios roteiristas, mantendo em comum os trabalhos do montador Daniel Bandeira, que confere um admirável ritmo fluido à produção – o filme chega a dar a impressão de ser mais curto do que as suas duas horas reais e as transições entre as histórias são suaves e inteligentes – e do diretor de fotografia Leonardo Feliciano, que explora de maneira brilhante tanto a luz quanto a escuridão, além de uma ou outra paisagem mais estranha. Ambos contribuem de maneira excepcional para o clima inquietante de maior parte da projeção, e esses dois elementos, a montagem e a fotografia, conferem ao filme uma unidade que filmes de antologia de terror no cinema dificilmente conseguem. O que também ajuda a manter viva a unidade temática central do projeto, a noção de um mal histórico, algo que se propaga no tempo e é tão essencialmente brasileiro. O mal da escravidão e das desigualdades sociais decorrentes assombra os personagens e está sempre presente como pano de fundo das histórias. A primeira delas, a atual, faz breves alusões à situação política conturbada dos últimos anos no país e toca de leve em questões raciais e econômicas, ressaltando a boa e velha capacidade do cinema de gênero de abordar essas questões, muitas vezes de forma até mais incisiva do que filmes, ditos, mais “sérios” e “elevados”. A tônica se mantém nas demais histórias, trazendo fantasmas; uma interessante desconstrução do espaço e tempo fílmicos (na quarta história); uma figura vilanesca vivida pelo ótimo ator Fernando Teixeira que, de maneira emblemática, aparece em todos os segmentos; e até zumbis na história final, com momentos que lembram o clássico “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) do norte-americano George A. Romero. É o tipo de filme que, quanto menos se falar das tramas, melhor para o espectador. Claro, nenhuma das histórias reinventa a roda – qualquer espectador mais escolado no gênero terror consegue adivinhar como elas vão se desenvolver, e há um pouco de desnível entre elas. A quinta e última acaba sendo a menos interessante, e nem todos os espectadores devem abraçar a “viagem” da quarta história. Mesmo assim, “O Nó do Diabo” merece elogios, e muitos, por ser tão consistente, interessante, bem defendido pelos seus atores e tão incisivo na sua visão compartilhada sobre o horror de se viver no Brasil. Um país onde a propriedade é colocada muito, mas muito mesmo, acima do ser humano, onde a violência é constante, e o passado escravocrata e de séculos de exploração ainda está vivo, um espectro pairando sobre a sociedade. No mesmo ano em que também tivemos o excepcional “As Boas Maneiras”, “O Nó do Diabo” é mais uma prova de que o horror cinematográfico no Brasil está muito vivo. E deve mesmo: afinal, a vida real e a História são fontes de inspiração quase ilimitada. Seria o Brasil mais um “lugar ruim”? Talvez não seja para tanto, mas com certeza é um lugar assombrado.



