Zootopia marca evolução da Disney sob influência da Pixar
“Zootopia – Essa Cidade é o Bicho” não é só uma animação bastante ousada. Ela diz respeito ao futuro da Disney Animation. É o ponto de chegada de uma longa evolução iniciada há uma década, desde que a Disney comprou os estúdios Pixar em 2006. É nítida a ambição por trás de sua produção, que vai além da concepção da cidade dos animais falantes, que já existia na Disney desde Patópolis. Ela brinca com os filmes policiais hollywoodianos, clássicos noir e até mesmo com as famosas produções de horror de Val Lewton. O apuro do estúdio na adaptação dos bichos, que são apresentados ao longo da trama, também salta aos olhos. Ao ganharem características antropomórficas, eles não perdem suas dimensões e natureza originais. Assim, quando o filme mostra a coelha policial Judy em meio a um bando de rinocerontes, o público logo percebe o quão pequenina ela é naquele espaço de brutamontes. Há, ainda, uma questão curiosa envolvendo o Prefeito, que é um leão, e a Vice-Prefeita, uma ovelha. A situação é mais que delicada do ponto de vista político, servindo de metáfora de fácil identificação. Assim como é clara a analogia feita entre os serviços públicos e a participação de Flecha, o simpático bicho-preguiça que trabalha numa espécie de DETRAN de Zootopia. Uma pena que esta cena tenha sido antecipada, praticamente de forma integral, pelos trailers e vídeos de divulgação, prejudicando, assim, a sequência mais engraçada do filme. O fato é que a riqueza de detalhes chama, inicialmente, mais atenção que a própria trama central, focada na investigação do desaparecimento de alguns habitantes de Zootopia. Mas isso logo muda, conforme a policial Judy e seu assistente relutante, o raposo malandro Nick, descobrem o destino dos desaparecidos, permitindo vislumbrar o quanto a trama é audaciosa. Só que demora um pouco para que Judy e Nick, antes inimigos, depois amigos, descubram o tal segredo, e isso prejudica o andamento da narrativa. O ritmo fica a reboque do relacionamento da dupla de protagonistas, com o objetivo de privilegiar sua aproximação. Mas é criativa a forma como o roteiro consegue torná-los até mesmo mais do que simples amigos. De fato, “Zootopia”, dos diretores Byron Howard (“Bolt: Supercão”) e Rich Moore (“Detona Ralph”), não é uma obra qualquer dentro da filmografia de animações da Disney. Dentro do contexto histórico do estúdio, ela parece mais uma produção da Pixar do que os desenhos de animais falantes que deram fama ao estúdio do Mickey Mouse. Apesar do fenômeno popular de “Frozen – Uma Aventura Congelante” (2013) provar a consistência da fórmula clássica dos contos de fadas com princesas e canções, não é de hoje que a Disney cobiça o estilo da Pixar, o pequeno estúdio de efeitos digitais que Steve Jobs ajudou a transformar numa revolução cultural, e que foi incorporado ao império do Mickey por US$ 7,4 bilhões. Desde pelo menos “A Família do Futuro” (2007), o velho estúdio dá passos firmes para adotar a computação gráfica de animação tridimensional, em substituição aos desenhos tradicionais de duas dimensões que fizeram sua fama. E a cada nova tentativa tem aperfeiçoado esse projeto, passando por “Bolt: Supercão” (2008), “Detona Ralph” (2012) e o vencedor do Oscar “Operação Big Hero” (2014), que deu o impulso definitivo nessa arrancada. O que estes filmes tem em comum, além da computação gráfica, é o nome de seu produtor executivo. “A Família do Futuro” foi o primeiro lançamento da Disney sob supervisão do novo chefe do departamento de animação do estúdio, John Lasseter, o diretor de “Toy Story” (1995), por sua vez primeiro sucesso da Pixar. Com a incorporação da empresa de Steve Jobs, Lasseter virou o executivo-chefe da Disney Animation. E sua influência tem ajudado a deixar o estúdio clássico cada vez mais parecido com a Pixar. A outra via também tem sido observada, por meio de lançamentos como “Valente” (2012) e “O Bom Dinossauro”, produções com mais cara de Mickey do que “Toy Story”. Claro que os executivos têm todo o direito de tentar mudar e experimentar. E devem mesmo progredir, para que não fiquem presos no tempo. Mas até que ponto essa modernização pode custar a identidade de uma marca tão forte quanto a Disney Animation? O sucesso de “Zootopia” pode representar o fim de uma era, aumentando os argumentos em prol da sinergia entre os dois estúdios. Trata-se do maior indício já visto de uma nova entidade cinematográfica em desenvolvimento, com cabeça computadorizada e garras de rato animado. Se isto é bom ou ruim, só o futuro dirá.
Ressurreição tenta nova abordagem do milagre de Jesus sem mudar a conclusão
Levar às telas uma história tão conhecida e fantástica quanto a de Jesus, especialmente a parte que envolve sua ressurreição, não é fácil. Aliás, as histórias bíblicas em geral se prestam a abordagens cada vez mais controversas. Há cineastas que preferem tratar os aspectos mitológicos de forma mais realista, dando o benefício da dúvida para os céticos, como Ridley Scott, em “Êxodo – Deuses e Reis” (2014), e aqueles que até extrapolam o caráter fantasioso das histórias, como Darren Aronofsky, em “Noé” (2014). “Ressurreição” opta pelo caminho mais seguro, usando o ponto de vista de um cético, até que, inevitavelmente, ele se torna crente. A verdade é que, desde “A Paixão de Cristo” (2004), de Mel Gibson, não aparece uma obra baseada na Bíblia (ou, no caso, no Novo Testamento cristão) que seja poderosa e emocionante de verdade. Naquele inspirado trabalho, Gibson não abriu mão do fantástico, do sobrenatural e da fé, mas fez um filme centrado na carne arrancada e no sangue derramado, com resultado extremamente realista. A história de “Ressurreição” começa depois daquela. Tem direção de Kevin Reynolds, cineasta que entrou numa espécie de “lista negra” após sofrer o repúdio da crítica e o martírio nas filmagens de “Waterworld – O Segredo das Águas” (1995), uma ficção científica que nem é tão ruim quanto sua fama, possuindo bons momentos. O amigo Kevin Costner (que estrelou “Waterworld”), inclusive, o convidou mais recentemente para dirigir uma minissérie para a televisão e o resultado foi muito satisfatório, o western “Hatfields & McCoys” (2012). O projeto de “Ressurreição” encontra Reynolds ainda em busca de redenção (na verdade, ele nunca pertenceu ao primeiro escalão). Na trama, Joseph Fiennes (“Hércules”) interpreta Clavius, um tribuno romano que entra em cena sem saber quem era aquele Jesus julgado e condenado à morte na cruz. Recém-chegado de uma luta contra judeus rebeldes, é convocado por Pilatos (Peter Firth, da série britânica “Spooks”) para ir até o Monte Gólgota, local da crucificação de Jesus, onde se passam as melhores cenas da produção. Clavius chega ao local no fim de tarde, após as últimas palavras do Nazareno terem sido ditas e enquanto os dois ladrões crucificados ao seu lado ainda gritavam e agonizavam de dor. O fato de Jesus ter morrido tão rápido já lhe parecia algo surpreendente, levando em consideração que muitos desses homens passavam até três dias para morrer. Daí a necessidade de quebrar-lhes as pernas para acelerar o processo. A premissa poderia resultar em imagens violentas, mas “Ressurreição” não busca o mesmo impacto de “A Paixão de Cristo”. Ainda assim, não deixam de ser perturbadores os gritos e a imagem da cruz caindo ao chão, para jogar os corpos em um buraco cheio de cadáveres. O corpo de Jesus, no entanto, não precisou ter suas pernas quebradas e foi reivindicado por José de Arimateia, homem que forneceu o sepulcro de sua família para acolher o corpo do “Rei dos Judeus”. Toda essa sequência é muito bem desenvolvida por Reynolds, mas a história sofre quando se torna um roteiro de investigação policial, levada adiante por Clavius, depois que se descobre que o corpo de Jesus desapareceu. O cineasta começa a perder a mão com problemas de timing nas sessões de interrogatório do romano, revelando as limitações da premissa de “CSI cristão” diante de um desfecho de uma anti-mistério, um fato de amplo conhecimento público. Por mais que se possa achar intrigante o inevitável encontro de Clavius com Jesus ressuscitado (Cliff Curtis, de “Fear the Walking Dead”, que, vale a pena reparar, não é branco nem tem olhos azuis), a situação cria um problema incontornável. Tratando até então de fatos históricos com extremo realismo, o filme precisa criar, a partir daí, uma atmosfera sobrenatural, de grande suspensão da descrença, para que o ceticismo de Clavius seja desmontado e usado como instrumento de transformação em fé pelo espectador. Ainda que reserve a panfletagem ostensiva para seu final, o resultado não é muito diferente da lição embutida na história da conversão de São Paulo.
Mundo Cão faz suspense com Lázaro Ramos assustador
Uma pena que certos lançamentos brasileiros, por não terem um apelo tão popular quanto as “globochanchadas”, estejam sendo tratados como vira-latas: é uma semana em cartaz e rua! Tende a ser o caso de “Mundo Cão”, o retorno à boa forma de Marcos Jorge, até hoje mais lembrado pelo ótimo “Estômago” (2007). No novo filme, Jorge retoma a parceria com Lusa Silvestre, roteirista de seu longa de estreia, numa trama bem construída. Claro que, quem esperar algo tão bom quanto “Estômago” pode se desapontar, mas a força de “Mundo Cão”, sua eficiência como suspense e o desempenho espetacular do elenco são inegáveis. O filme começa apresentando Nenê, personagem de Lázaro Ramos (“O Vendedor de Passados”), um sociopata que agencia máquinas eletrônicas de bingo de bar e que usa seus cachorros adestrados para impor medo. E é por causa do que acontece com um de seus cães que Nenê entra na vida de Santana, vivido por Babu Santana (“Tim Maia”), empregado de uma empresa prestadora de serviços ao Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo. Nenê quer vingança após um de seus cães, capturado pela carrocinha, ser sacrificado. A história também apresenta a família de Santana, que é um homem simples casado com Dilza (Adriana Esteves, de “Real Beleza”), evangélica que confecciona calcinhas para ajudar nas despesas da casa e que cuida de dois filhos, uma moça surda-muda e um garotinho que quer torcer pelo Palmeiras, para tristeza do pai corinthiano. Toda essa família acabará prejudicada pelo encontro fatídico entre Nenê e Santana. Saber isso da trama já é mais do que suficiente. Como há reviravoltas, qualquer outra revelação pode estragar as surpresas do filme – independente de serem ou não previsíveis. A construção do personagem de Lázaro Ramos é um dos pontos altos da produção. Em alguns momentos, ele beira o grotesco, mas de vez em quando se manifesta com alguns tons de cinza, principalmente nos momentos em que contracena com o filho de Santana, o que permite que deixe de ser meramente um antagonista. É um papel sob medida para Ramos se provar um dos grandes atores do cinema brasileiro contemporâneo. A moça que faz a filha (Thainá Duarte, da novela “I Love Paraisópolis”) também vai ganhando força ao longo da narrativa, configurando-se numa bela revelação. Já a personagem evangélica de Adriana Esteves, por outro lado, é bem caricata. Mas apesar dos desempenhos, fica a impressão de que o filme poderia resultar bem melhor, especialmente após mostrar situações capazes de deixar o espectador paralisado. Em parte por conta de uma indecisão estilística, entre seguir o suspense até o limite ou buscar alívio pela comédia. De todo modo, trata-se de um trabalho eficiente, preocupado em amarrar os menores detalhes que servirão para a conclusão de sua trama.
Cemitério do Esplendor convida o espectador a imaginar outras vidas
“O melhor lugar do mundo é aqui e agora”, pregava Gilberto Gil em uma canção. Pelo menos, não há nada mais centrado e vinculado à realidade da pessoa e de sua relação com o mundo do que o aqui e o agora. E o contrário disso pode até significar algo de patológico, como demonstra “Cemitério do Esplendor”, novo filme do ótimo diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2010 com o sobrenatural “Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas”. Não é de estranhar, portanto, que o filme seja situado num hospital. Na verdade, um hospital improvisado, instalado numa antiga escola abandonada. Numa das cenas de atendimento, o médico sugere ao paciente que procure um hospital de verdade para se tratar, já que ali faltam recursos. De fato, as instalações parecem precárias e os leitos estão tomados por soldados com uma misteriosa doença do sono. Eles passam quase todo o tempo dormindo, assistidos por alguns voluntários ou parentes que se dispõem a acompanhá-los em plena vivência do sono. E que estão ali em busca de conectar-se com os sentimentos e sonhos desses soldados que, na verdade, lá não parecem estar. A personagem de uma vidente se destaca, usando seus poderes para se comunicar com o que os soldados estariam vivendo e ajudar os parentes a se relacionarem com esses homens adormecidos. Já uma voluntária vincula-se ao passado do local como escola e vê coisas que então aconteciam. Descobriremos, ao longo do filme, que a floresta que circunda o local foi no passado remoto um lugar esplendoroso, cheio de luxo e riqueza. Onde vemos árvores, folhas e caminhos, a vidente vê magníficos palácios, salas ricamente decoradas, reis e guerreiros que devem estar se valendo da energia dos soldados adormecidos para realizar suas batalhas de um tempo muito distante. Com uma narrativa como essa, o cineasta tailandês cria um filme original, na medida em que nada (ou quase nada) do que é mostrado é o que importa. Tudo está fora dali, em outro lugar e num outro tempo. O filme suprime o aqui e agora. O que resta dele é o que de mais banal existe: o momento em que se acorda, a ingestão de um alimento, uma ida ao banheiro. Quando se faz um passeio pelo bosque, não é lá que estamos e não é disso que se fala. Quando se dorme, o que prevalece é o que está fora dali, nos sonhos ou nas vidas passadas que estão sendo experimentadas. O que não vemos é o que importa, não o que vemos. Assim como na literatura, o filme só se completa na imaginação de cada um. Pode-se ter, assim, uma compreensão do esplendor desse passado, tão presente, e desse lugar tão distinto do hospital e da floresta que ali estão. O título não podia ser melhor, é um cemitério que não aparece como cemitério e que tem um esplendor imaginário, que nunca vemos. As eventuais crenças em outras vidas ou referências a uma concepção budista do mundo é o que menos importa na abordagem do diretor. Há uma espiritualidade que exala da trama, mas não se trata de nenhum tipo de proposta religiosa. E também não é nada solene. O filme tem lances bem-humorados e até eróticos. Alguns elementos inesperados compõem o charme do espetáculo. É preciso se deixar levar pela proposta e curtir o filme sem ficar preocupado em tentar entender ou julgar o que está acontecendo. A obra artística se revela pelo que produz de ressonância, em cada espectador, resultando num dos filmes mais intrigantes e divertidos do ano.
O Presidente oferece uma fábula para a primavera árabe
No final dos anos 1980, o cinema iraniano despontava como a grande novidade da sétima arte. Retomando o neorrealismo como expressão cinematográfica e produzindo narrativas que focavam, principalmente, as crianças, para, de um lado, evitar a censura e, de outro, retratar a realidade do país, produziram-se pequenos grandes filmes e revelaram-se grandes diretores. A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi grande responsável pela difusão dos primeiros filmes iranianos no país, trazendo, entre outras, obras de Mohsen Makhmalbaf, como o filme “O Ambulante” (1989), que impressionava pela qualidade do trabalho e seu teor crítico e político, vindo de onde vinha. Desde então, o cineasta nunca decepcionou. “Gabbeh” (1995), “O Silêncio” (1998), “A Caminho de Kandahar” (2001) e “O Jardineiro” (2012) são apenas alguns dos belos filmes que ele criou, cada um a seu modo, em diferentes partes do mundo. Makhmalbaf foi ativista de direitos humanos contra o regime do antigo Xá Reza Pahlavi e chegou a ficar anos preso por isso. Mas o regime dos aiatolás, em vez de celebrá-lo, o perseguiu com sua censura, a partir do momento em que ele se destacou mundialmente. Ele acabou no exílio e relata que já tentaram matá-lo, mesmo fora do Irã. Seu novo trabalho, “O Presidente”, foi realizado na Geórgia e conta a história de um ditador que é derrubado e circula incógnito por seu país, com seu neto de 5 anos, tentando fugir e escapar de um linchamento ou execução. Tudo parecia estar no lugar e no melhor dos mundos, na vigência de seu poder discricionário. A opressão do povo não era sentida, ou notada, por ele e por sua família, vivendo no luxo dos palácios. Quando derrubado, percebeu mais claramente a força do ódio contra ele e seu regime, mas, ao se esconder, também conheceu a verdadeira miséria e desgraça que assolavam seu povo. A fábula que remete a uma velha história do governante que desconhecia como era e como vivia seu povo não é nova. No filme, o périplo do rei, no caso, ex-rei, é revelador do sofrimento que o povo sempre amargou para que o governante pudesse viver no luxo. Mas discute-se também o que acontece após a destituição do ditador, o que substitui a violência do antigo regime. O ódio dos vencedores e a desordem social geram tanto ou mais violência, passando uma ideia de desesperança a respeito de qualquer solução de força. Isso nos remete aos caminhos da chamada primavera árabe, que resultou em tantas guerras e opressões como as que buscou superar. Makhmalbaf cita em entrevista sobre o filme o que se passa com a Síria atual, como exemplo. Poderia remeter-nos à Revolução Francesa ou à Revolução Cultural da China, de Mao Tsé-Tung ou, ainda, a muitas outras situações contemporâneas, em que a solução “violenta” gerou mais problemas, ainda que o mote das ações fosse o combate ao autoritarismo ou à corrupção. “O Presidente” se passa num país fictício. A fábula é universal e, a rigor, vale para qualquer lugar e qualquer tempo. Makhmalbaf sabe bem disso. Vive entre Londres e Paris, mas já viveu e trabalhou até no Afeganistão. Filmou também no Paquistão, em Israel, na Turquia, no Tadjiquistão e, agora, na Geórgia. Pôde ver e vivenciar muito dessa espiral de violência para a qual busca nos alertar nesse “O Presidente”.
Do que Vem Antes é verdadeiro milagre no circuito comercial
Se o circuito mostrou coragem para exibir “Norte, O Fim da História” (2013), com sua força e duração de quatro horas, o que dizer de “Do que Vem Antes” (2014), novo trabalho do genial cineasta filipino Lav Diaz, que dura gloriosas cinco horas e meia. Difícil ignorar esse aspecto dos trabalhos do diretor, pela dificuldade de encaixar seus filmes na programação habitual de um cinema. Não é à toa que eles acabam restritos a poucas praças do país. O que é uma pena, pois isso faz com que muitos interessados deixem de ter a experiência extraordinária de assistir seus longas na tela grande. E eles só podem ser definidos assim mesmo: extraordinários. De forma diferente do diálogo com o cinema ocidental ensaiado em “Norte, O Fim da História”, o novo trabalho, vencedor do Festival de Locarno e da Mostra de São Paulo, é ainda mais desafiador, já que está bastante conectado com a história política das Filipinas. A trama se passa no início da década de 1970, quando o ditador Ferdinand Marcos estava no poder – seu governo durou de 1965 a 1986 – , e mostra o país sofrendo com o terror, refletido no que acontece com os moradores de um pequeno vilarejo litorâneo. É lá que uma mulher faz oferendas a uma deusa do mar, acreditando que ela possa lhe ajudar com a filha com deficiência mental. Mas, como o país é pobre, as oferendas são roubadas por outros personagens. Além do mais, o padre não gosta nada desse tipo de crença alternativa, muito menos do que é mostrado no início do filme, uma espécie de ritual pagão. Como Diaz opta pelos tempos longos, a história vai sendo construída aos poucos, mas há sim uma narrativa relativamente clássica por trás desse formato, realizado com mais respiro – embora essa “respiro” passe longe de ser encarado como alívio para o espectador, já que tudo é muito sofrido na vida dos personagens. Há uma cena excepcionalmente impactante, que é o choro dolorido de uma mãe diante da morte de uma criança. Seu realismo chega a provocar catarse, assim como o caso do homem que é acusado de matar as vacas do patrão, e por isso acaba por perder o seu emprego. Depois de mais de três horas de projeção, finalmente entra em cena o exército e a imposição da Lei Marcial, que torna aquele ambiente ainda mais hostil, até chegar ao ponto em que o vilarejo se torna uma cidade fantasma. Trata-se de um aspecto fantástico do filme que, até por ter uma fotografia em preto e branco, parece imprimir sempre a ilusão de um registro documental, ainda que vez ou outra entre no território do melodrama. Nesse filme sobre crenças, mentiras, maldade, mistério, abuso sexual e crueldade, o mais celebrado cineasta filipino da atualidade mostra o quanto seus trabalhos possuem uma força descomunal, a ponto de suas mais de cinco horas parecerem pouco, tamanha imersão que causam. Ver “Do que Vem Antes” nos cinemas é uma oportunidade tão rara, que os responsáveis por sua distribuição (a Supo Mungam Films) merecem ser santificados. Afinal, já realizam milagres comprovados, com a chegada da obra aos cinemas.
Convergente assume que Divergente não é grande coisa
Uma das características de “Divergente” é ser a mais regular dessas franquias juvenis contemporâneas. Regular, tanto no sentido de manter o mesmo nível a cada novo filme, mas também no sentido deste nível ser baixo. “A Série Divergente: Convergente”, dirigido pelo mesmo Robert Schwentke do segundo capítulo, não foge à regra, embora exista um consenso tácito de que se trata do pior. Uma das “vantagens” do terceiro filme é que ele funciona quase como se fosse independente de “Divergente” (2014) e “Insurgente” (2015), por não se focar muito no enredo das facções – a separação da população de Chicago em diferentes grupos organizados conforme suas capacidades ou inclinações. O que servia de motivação ao longa inicial é praticamente deixado de lado, assim como o desfecho visto no segundo capítulo. “Convergente” começa em outro ponto, no meio do julgamento e execução daqueles considerados inimigos da nova ordem. Como o irmão de Tris (Shailene Woodley), Caleb, vivido por Ansel Egort, está preso e prestes a ter o mesmo fim dos demais, o roteiro arranja um jeito de libertá-lo e fazê-lo se juntar ao grupo de jovens que atravessarão a muralha inexorável que cerca Chicago, para descobrir o que existe além dela – embora a nova líder, Evelyn (Naomi Watts), tente impedi-los com seus soldados. Nesse sentido, o filme se aproxima de outro produto de distopia juvenil, “Maze Runner: Prova de Fogo” (2015), que, se não evoca melhor a tese da caverna de Platão, é muito mais eficiente na construção de sua ação e no modo intrigante com que apresenta o novo mundo para os personagens – o além do labirinto de lá é o além da muralha daqui. Uma curiosidade: o roteirista Noah Oppenheim escreveu o primeiro “Maze Runner”. Em vez de perigos desconhecidos, o que “Convergente” reserva para Tris, Four (Theo James) e seus aliados é uma civilização de arquitetura moderna e futurista, que atingiu diversos avanços tecnológicos, mas que não chega a causar encantamento ou mesmo temor. Quanto ao fato deste destino não ser exatamente o paraíso, o próprio trailer já antecipou. Desde antes de entrar no cinema, o público sabe que se trata de uma cilada. Mas a maior cilada está mesmo no roteiro, que perde de vista as teorias comportamentais controvertidas que embasaram a concepção utópica da sociedade pós-apocalíptica de “Divergente”, para revelar que, bem, ser Divergente não é grande coisa. É, basicamente, ser normal. Mesmo com essa desconstrução, o novo chefão, David (Jeff Daniels), quase alicia Tris com seu discurso pseudo-metafísico, embora seu objetivo seja o mesmo de qualquer vilão introduzido em fase posterior de videogame: exterminar. Graças à incapacidade da direção em construir eficientes sequências de ação e a opção por diálogos repletos de chavões (“Não separem as pessoas” etc.), o filme parece ter uma duração bem maior do que sua projeção. Arrasta-se na tela. E, claro, não conclui nada. Isto porque o último livro foi dividido em dois longas – como de praxe – , apesar de ser o mais fraco da trilogia de Veronica Roth. A esperança é que, com a mudança de direção – Schwentke saiu depois de uma discussão com os produtores – , aumentem as chances dessa distopia terminar melhor.
Boa Noite, Mamãe faz terror com mistério, violência e clima de pesadelo
O terror parece viver um momento de renovação, com produções independentes e de países diferentes que fogem dos estereótipos mais tradicionais do gênero. O austríaco “Boa Noite, Mamãe” (2014) tem cativado a crítica, mas dividido o público, algo que também tem sido uma característica da safra atual. Alguns espectadores, por exemplo, percebem logo de cara um dos segredos do filme. E isso até pode ser considerado um problema, já que supostamente seria a surpresa do final. De todo modo, o que conta mesmo é a atmosfera densa, criada na relação entre dois meninos gêmeos de nove anos de idade e a mulher que pode ou não ser a mãe deles, que, após uma cirurgia plástica, volta para casa com o rosto enfaixado. Como ela se comporta de maneira diferente e também um tanto cruel, os meninos começam a suspeitar de que se trata de outra pessoa. Um dos problemas do longa de estreia da dupla Severin Fiala e Veronika Franz é o andamento arrastado e repetitivo da primeira metade da narrativa, quando as crianças são mostradas como vítimas. A partir do momento da virada, porém, “Boa Noite, Mamãe” ganha contornos mais interessantes. A obra explode em sangue e tensão, com uma exibição de violência e tortura que aproxima o filme do subgênero torture porn. Por outro lado, há, também, vários elementos de mistério na trama, tanto que o final deixa sem resposta certas situações, como o túmulo cheio de ossos humanos em que os meninos encontraram um gato, e mesmo os detalhes do acidente da mãe – mas provavelmente nada disso seja importante. De fato, é até bom que certas coisas permaneçam sem explicação, como a obsessão dos gêmeos por baratas, que alimenta repulsa e gera bons momentos, ou a tendência mais sombria de um deles, em comparação com o outro. Por ser climático, é um filme que cresce à medida que pensamos nele. Se é um dos melhores exemplares do gênero dos últimos anos? Talvez não seja para tanto. Afinal, o quanto é bom lembrar de um pesadelo?
Um Homem entre Gigantes não tem estatura para virar filme-denúncia
Cinebiografia do médico nigeriano Dr. Bennet Omalu, que concluiu que jogar futebol americano faz mal para a saúde, “Um Homem entre Gigantes” não se compara a filmes-denúncias contundentes, como “O Informante” (1999), que jogou uma pá de cal na indústria tabagista, ou mesmo o pós-fato consumado “Spotlight – Segredos Revelados”, que venceu o Oscar deste ano. Além de possuir uma construção dramática frágil, seu roteiro abusa da xenofobia e dos discursos patrióticos, que chegam a dar raiva no espectador. Em certo momento, por exemplo, alguém questiona a capacidade de determinado advogado, porque ele se formou em Guadalajara, no México. Mas isso não é nada perto da adoração do protagonista, o médico vivido por Will Smith (“Golpe Duplo”), pelos Estados Unidos. Ele se sente um peixe fora d’água na Terra do Tio Sam, mas não quer largar o osso, pois ali é o lugar mais perfeito do mundo. Por fim, quando a denúncia propriamente dita ganha fôlego, em vez de um ataque à Liga de Futebol Americano, por causa dos problemas de saúde que o esporte provoca, o discurso final só serve para louvar a beleza desse esporte. A falta de contundência se estende à performance de Will Smith, que interpreta Omalu com o mesmo olhar de cachorro com fome que imprime em todos os seus dramas. Ele deveria voltar a fazer filmes de ação mesmo. Ou buscar trabalhar com diretores melhores. Esse Peter Landesman (“JFK, a História Não Contada”), que além de dirigir escreveu o roteiro, não é capaz de denunciar um síndico de condomínio, que dirá uma indústria multimilionária como a NFL.
Apaixonados – O Filme é mais um exemplar de humor televisivo nos cinemas brasileiros
É tanto lançamento de filme brasileiro com o subtítulo “O Filme” que já parece piada pronta. “Apaixonados – O Filme”, de Paulo Fontenelle (“Se Puder… Dirija!”), por exemplo, parece usar o termo para justificar sua ida ao cinema. Deve se ver cinematográfico por imitar a estrutura da comédia romântica hollywoodiana com tramas paralelas, mas acaba televisivo ao imprimir ao formato um “humor brasileiro”, saído de programas tipo “Zorra Total” – caso, principalmente, do gringo assediado por duas mulheres. A trama paralela que poderia render um filme centra-se numa porta-bandeira de escola de samba, vivida por Nanda Costa. Trata-se de uma atriz que costuma surpreender quando bem aproveitada, como demonstrou em “Febre do Rato”, de Cláudio Assis. E seu romance com um médico consegue despertar algum interesse, pelos desencontros que acontecem e pela ambientação carnavalesca. Assim como a história do rapaz rico e da moça pobre, que também produz algum interesse. Mas ambas acabam reduzidas a um fiapo narrativo, sem nenhum desenvolvimento, sobrepostas por histórias que não despertam a mesma simpatia. O filme é claramente uma perda de tempo. De fato, a produção poderia muito bem ser realizada como um especial da Rede Globo e não ocupar espaço precioso no circuito cinematográfico. Mas “Apaixonados – O Especial Televisivo” não soa tão bem como título.
Tudo Vai Ficar Bem é volta triste de Wim Wenders à ficção
O veterano cineasta alemão Wim Wenders avança pelo século 21 mostrando a vitalidade de um verdadeiro artista – seja por meio de suas mais diversas experiências tecnológicas, com destaque para a bela filmagem em 3D de “Pina” (2011), seja através das tentativas de variação estilístico/temática do seu cinema. O que “Tudo Vai Ficar Bem” vem demonstrar, no entanto, é que os acertos do velho mestre em seus recentes documentários (“Pina”, “O Sal da Terra”) não se confirmam em sua volta para a ficção, sete anos após seu último drama, “Palermo Shooting” (2008). Sem música indie e com exteriores reduzidos em relação a alguns dos seus registros mais característicos, Wenders apoia-se na trilha sonora orquestral do francês Alexandre Desplat (“O Grande Hotel Budapeste”) para desenvolver uma fantasia dramática em tons mais convencionais. Baseado num roteiro do norueguês Bjorn Olaf Johannessen (que chamou atenção com o sucesso de “Nowhere Man”, em Sundance), “Tudo Vai Ficar Bem” conta a história de um escritor (o americano James Franco) em crise existencial, particularmente no casamento e na carreira, que vê a sua situação agravada pela culpa, após um acidente de trânsito com vítima fatal. Wenders continua fascinado por filmar em 3D e, se tal propósito ajuda a sacudir a poeira da idade, “Tudo Vai Ficar Bem” vem falhar no outro polo da sua proposta – a tentativa de contar uma história relativamente linear. A leveza dos movimentos e os fade-outs (e algumas soluções inventivas, como a câmera que sai detrás de um monte de gelo no acidente) são acompanhados por uma fotografia em 3D que visa esmiuçar visualmente o interior dos personagens – num jogo onde os disfarces e os truques dos atores não são permitidos. O problema é que os distribuidores brasileiros não levaram em conta esse detalhe, ao programarem apenas projeções convencionais, em 2D, do longa-metragem. O que ajuda a fazer com que as “almas” dos personagens revelem-se brutalmente desinteressantes. Parte da culpa pela falta de profundidade também cabe ao roteiro de Johannenssen: na sua tentativa de evitar os lugares comuns de uma trama, que bem poderia ser a base de um dramalhão-clichê, o roteirista criou um conjunto de sequências isoladas, em que as elipses constantes parecem uma forma desesperada de compensar a falta de inspiração com novos recomeços. As tantas idas e vindas do enredo transitam do penoso para o exasperante e, se a familiaridade com algumas soluções das obras de Wenders (“Paris, Texas”, por exemplo) permite adivinhar o final, a certa altura isto já não interessa, desde que ele chegue depressa.
Kung Fu Panda 3 continua eterno aprendizado de Po
Uma fantasia oriental adaptada para crianças ocidentais, de acordo com o olhar de adultos ocidentais. Isso é (até aqui) a trilogia “Kung Fu Panda”, aquela em que você sempre acha que o protagonista virou mestre do kung fu, mas, a cada continuação, descobre que ele ainda não chegou lá e falta algo para aprender. “Kung Fu Panda 3” tenta amarrar toda a saga de Po, sacrificando a trama em nome desse objetivo. Perto do segundo longa alucinado, que tem ação do início ao fim, a terceira aventura é uma grande enrolação. Para segurar a onda, a solução é abusar do carisma do protagonista dublado por Jack Black (ou Lúcio Mauro Filho, que faz um ótimo trabalho no Brasil). O filme ainda inventa novas lições a serem aprendidas pelo personagem, apela para um vilão do além e apresenta dezenas de pandas que nunca terão seus nomes decorados pelo público. Tudo para evitar (em vão) um marasmo que só desaparece quando a animação se aproxima da tradicional luta decisiva no clímax. Tudo bem, a trilogia é concluída de forma satisfatória, mas vamos combinar que este é o filme mais fraco. E que chegou a hora de parar. Ainda que, certamente, Po tenha alguma nova lição para assimilar em “Kung Fu Panda 4”. Pois, até aqui, a franquia tem se demonstrado um arco que nunca se completa e se repete infinitamente. Um exemplo é o final de “Kung Fu Panda 2”, em que Po aceita seu pai adotivo. Fim de papo, certo? Errado. Trataram de apresentar seu pai biológico para o protagonista repensar sua origem (de novo) no “3”; uma desleixada regressão que comprova a falta de criatividade do roteiro. “Kung Fu Panda 3” serve mesmo para vender produtos relacionados à marca, porque, como progressão da franquia, não tem nada a acrescentar. Como exemplo, a moral de sua história ressalta que todo mundo é bom em alguma coisa e que o kung fu pode ser praticado por qualquer um. Legal, mas isso já não tinha sido concluído, quando Po descobriu que era o Dragão Guerreiro no final do “Kung Fu Panda” original?
Meu Amigo Hindu traz doença ao cinema de Hector Babenco
Ver “Meu Amigo Hindu” leva a questionar o que aconteceu com Hector Babenco, aquele cineasta fantástico que fez tantas obras inspiradas e de conteúdo relevante e rico. Afinal, sua obra dita mais pessoal, em que lida com sua experiência de quase morte, na luta contra a leucemia, é um filme cheio de falhas, ainda que denote resquícios do talento de seu diretor. O atrativo de “Meu Amigo Hindu” reside na curiosidade mórbida. Não porque se trata de um filme sobre doença – nem chega a ser um bom filme sobre doença, na verdade -, mas porque possui tantas sequências constrangedoras que vira uma espécie de registro do declínio do cineasta. Por mais que as filmagens tenham sido conturbadas e o projeto tivesse que ser encenado em inglês, devido à escalação de Willem Dafoe (“Anticristo”) como protagonista, o filme atesta o quanto trabalhar numa língua estranha contribui para gerar incômodo numa produção. No começo, é até interessante ver aquele monte de rostos conhecidos da televisão brasileira (Maria Fernanda Cândido, Reynaldo Gianecchini, Bárbara Paz, Dan Stulbach, etc) falando em inglês, mas, logo após a estranheza inicial, verifica-se que isso trava as interpretações e contribui para os problemas de ritmo do longa. Como se Babenco, que não filma desde “O Passado” (2007), tivesse perdido o gosto pela condução narrativa caprichada. Mas isto logo se revela o menor dos problemas, que são amplificados pelas “citações” do roteiro, escrito pelo próprio Babenco. Entre os equívocos, há uma cena da personagem de Bárbara Paz, ex-mulher do cineasta, que remete a “Cantando na Chuva” (1952), com um detalhe: ela dança nua. Em outra, Selton Mello, encarnando a Morte, emula “O Sétimo Selo” (1957), mas em vez de um debate metafísico trata de elogiar o diretor. Para completar, o título mal se justifica dentro do conteúdo geral da obra, já que o personagem aludido, além de pouco aparecer na história, não faz nenhuma contribuição afetiva, nem quando o cineasta procura resgatá-lo para concluir sua história semiautobiográfica. Por outro lado, Maria Fernanda Cândido consegue passar dignidade a sua personagem, o que chega a ser admirável diante de tantos momentos embaraçosos. Suas cenas íntimas com Dafoe são os pontos altos do filme. Claro que, aqui e ali, surgem belas sequências e Dafoe, particularmente, também está bem no papel, mas isso é pouco para o diretor de “Pixote – A Lei do Mais Fraco” (1981), “Brincando nos Campos do Senhor” (1991) e “Coração Iluminado” (1998). Aliás, este último já lidava com a sombra da morte, depois de o cineasta enfrentar sua luta contra o câncer linfático. Ao final, ficam mesmo as curiosidades sobre o que é biográfico e o que é fictício. Mas talvez isso não seja importante, já que o próprio cineasta tratou de afirmar que muito do filme é invenção. Talvez para resguardar a própria privacidade.












