Paulo José (1937-2021)
O ator Paulo José, um dos maiores intérpretes do cinema brasileiro, morreu nesta quarta (11/8) no Rio de Janeiro, aos 84 anos. Ele sofria de Parkinson há mais de duas décadas e estava internado há 20 dias com problemas respiratórios, vindo a falecer em decorrência de uma pneumonia. O gaúcho Paulo José Gómez de Souza nasceu em Lavras do Sul, interior do Rio Grande do Sul, e teve o primeiro contato com o teatro ainda na escola. A carreira decolou quando se mudou para São Paulo e começou a trabalhar no Teatro de Arena. Após estrear nos palcos paulistanos com “Testamento de um Cangaceiro”, em 1961, ele conheceu seu primeiro amor, a atriz Dina Sfat, com quem dividiu várias montagens – e depois filmes e novelas. Os dois se casaram em 1963 e ficaram juntos até 1981. Dos palcos, pulou para as telas, onde rapidamente se estabeleceu como ator requisitado, aparecendo em uma dezena de filmes entre 1966 e 1969, incluindo vários clássicos, antes de ser “revelado” pelas novelas. Seu primeiro trabalho no cinema foi direto como protagonista, compartilhando com Helena Ignez os papéis do título de “O Padre e a Moça” (1966), do mestre Joaquim Pedro de Andrade. Ele voltou a trabalhar com o diretor no clássico absoluto “Macunaíma” (1969), além de ter desenvolvido outra parceria vitoriosa com Domingos de Oliveira, desempenhando o papel principal em “Todas as Mulheres do Mundo” (1966), que recentemente foi adaptado como minissérie pela Globo. Além de voltar a filmar com Oliveira em “Edu, Coração de Ouro” (1967) e posteriormente “A Culpa” (1971), ele também foi “O Homem Nu” (1968), de Roberto Santos, e estrelou os célebres “Bebel, Garota Propaganda” (1968), de Maurice Capovilla, “A Vida Provisória” (1968), de Maurício Gomes Leite, e “As Amorosas” (1968) de Walter Hugo Khouri. Já era, portanto, um ator consagrado quando foi fazer sua primeira novela, “Véu de Noiva” (1969), e praticamente um veterano quando recebeu o Troféu Imprensa de “melhor estreante” por seu desempenho como Samuca na novela “Assim na Terra Como no Céu” (1971). Encarando maratonas de até 250 episódios nas produções da Globo, ele ainda estrelou um dos primeiros spin-offs da TV brasileira, “Shazan, Xerife & Cia.”, em que repetiu seu personagem de “O Primeiro Amor” (1972) ao lado do colega (também recentemente falecido) Flavio Migliaccio. Exibida de 1972 a 1974, a série marcou época nas tardes televisivas. Apesar do sucesso na telinha, Paulo José nunca deixou o cinema de lado. Mas a agenda cheia o tornou especialmente criterioso, o que resultou numa filmografia lotada de clássicos, como “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor” (1972), de Luiz Sérgio Person, “O Rei da Noite” (1975), do grande Hector Babenco, “O Homem do Pau-Brasil” (1982), seu reencontro com Joaquim Pedro de Andrade, e a obra-prima “Eles Não Usam Black-Tie” (1982), de Leon Hirszman, sem esquecer de “Dias Melhores Virão” (1989), de Cacá Diegues, e “A Grande Arte” (1991), de Walter Salles, entre muitas outras produções. Tudo isso enquanto ainda fazia novelas – algumas reconhecidamente tão boas quanto filmes, como “O Casarão” (1975) – , telefilmes, minisséries – como “O Tempo e o Vento” (1985), “Engraçadinha… Seus Amores e Seus Pecados” (1995), “Labirinto” (1998) – e participações especiais nos programas da Globo. Além do Jarbas de “O Casarão”, ele marcou a teledramaturgia como o cigano Jairom em “Explode Coração” (1995) e principalmente o alcóolatra Orestes de “Por Amor” (1997). Sua contribuição para a História da Globo não ficou só diante das câmeras. Ele também dirigiu produções do canal, começando com alguns “Casos Especiais” nos anos 1970, telefilmes de “Jorge, um Brasileiro” (1978) e “Vestido de Noiva” (1979), e episódios de “Ciranda Cirandinha” (1978), “O Tempo e o Vento” (1985), etc., até se tornar o diretor principal das minisséries “Agosto” (1993) e “Incidente em Antares” (1994) e ajudar a implantar o programa “Você Decide”. Diagnosticado com Mal de Parkinson ainda nos anos 1990, em vez de diminuir, ele intensificou o trabalho. Começou a filmar com uma nova geração de cineastas estabelecida após a Retomada, como Monique Gardenberg (“Benjamim”, em 2003), Jorge Furtado (desde o curta “Ilha das Flores” até “O Homem que Copiava” e “Saneamento Básico, O Filme”, em 2003 e 2007), o colega Matheus Nachtergaele (“A Festa da Menina Morta”, 2008), a dupla Felipe Hirsch e Daniela Thomas (“Insolação”, 2009), Sergio Machado (“Quincas Berro d’Água”, 2010), André Ristum (“Meu País”, 2011) e Selton Mello (“O Palhaço”, 2011), além de retomar a antiga parceria com Domingos de Oliveira (“Juventude”, em 2008). Sua emocionante despedida da atuação foi como o vovô Benjamin na novela “Em Família” (2014), de Manoel Carlos, onde, como na vida real, seu personagem sofria de Mal de Parkinson. Vencedor de três troféus Candango de Melhor Ator no Festival de Brasília, homenageado com um Oscarito especial pela carreira no Festival de Gramado, o ator deixa quatro filhos e uma obra vasta, que faz parte do patrimônio nacional.
Maurice Capovilla (1936-2021)
O cineasta Maurice Capovilla morreu no sábado (29/5), aos 85 anos, em decorrência de uma doença pulmonar. O anúncio foi feito por sua mulher, Marilia Alvim, em seu perfil no Facebook. Um dos últimos mestres do cinema que nasceu durante a ditadura militar, na encruzilhada entre o enfrentamento e a alegoria, ele sofria de Alzheimer há cinco anos. Capovilla deixou sua marca em obras que retratavam as condições de vida dos brasileiros, como “Bebel, Garota Propaganda” (1968), seu primeira longa-metragem, inspirado no livro “Bebel que a Cidade Comeu”, de Ignácio Loyola Brandão, sobre uma menina pobre contratada para ser o rosto de uma marca de sabonetes. O longa seguinte, “O Profeta da Fome” (1969), marcou época por juntar a estética da fome do Cinema Novo com os temas contraculturais do cinema marginal. Na trama, José Mojica Marins vivia um faquir decadente, que ao ser expulso de um circo pegava a estrada e virava ídolo religioso de uma pequena cidade. Foi um dos raros desempenhos de Mojica no cinema sem representar Zé do Caixão, seu icônico personagem. Três anos depois, os dois trocaram de papéis, com Capovilla virando ator dirigido por Mojica em “O Ritual dos Sádicos” (1970), um dos mais famosos filmes de Zé do Caixão. Ele também filmou “Noites de Iemanjá” (1971), misturando misticismo e terror, e o celebrado drama “O Jogo da Vida” (1977), premiado no Festival de Gramado, com música de João Bosco, Aldir Blanc e Radamés Gnatalli, e atuação inspirada de Lima Duarte, Gianfrancesco Guarnieri e Maurício do Valle como três malandros que ganham a vida com trapaças de sinuca. Como diretor, fez tanto ficções como documentários. Um de seus primeiros curtas, “Subterrâneos do Futebol” (1965), chamou atenção por mostrar o esporte por um ângulo pouco glamouroso, tornando-se pioneiro do “cinema verdade” no país. Outro, “Meninos do Tietê” (1963), foi eleito o melhor filme na 1ª Semana Latino-Americana de Cinema Documental, em Buenos Aires. Ainda gravou “O Último Dia de Lampião” (1975), documentário feito durante sua passagem pela rede Globo, onde foi diretor do “Globo Repórter”. A versatilidade do cineasta também o tornou diretor de núcleo da Rede Bandeirantes. E na Band fez até novela, comandando “O Todo-Poderoso” (1979). Afastado dos cinemas desde 1980, Capovilla voltou em 2003 com “Harmada”, adaptação do romance de João Gilberto Noll com toques de surrealismo e metalinguagem. E encerrou a carreira com “Nervos de Aço” (2016), novo mergulho marginal, que transformava Arrigo Barnabé em ator e propunha releituras dos sambas de Lupicínio Rodrigues num universo teatral.

