Arábia transporta o espectador para outra realidade, o Brasil
O cinema dispõe de recursos poderosos para nos trazer/reportar realidades que podem estar distantes de nós, não apenas por meio de uma riqueza de informações, mas também com a carga emocional que a situação apresentada requer. Bons personagens, dentro de uma boa estrutura dramática, são capazes de nos levar a viver a experiência de vida intensa e sofrida de pessoas que estão mergulhadas em contextos sociais diversos dos nossos. O filme brasileiro “Arábia”, por meio do personagem Cristiano (Aristides de Souza) e seu diário encontrado após sua morte pelo jovem André (Murilo Caliari), nos coloca em cheio na realidade do trabalhador operário no Brasil dos últimos anos e da atualidade. Conhecemos sua existência bem de perto, o que faz, como trabalha e se relaciona com as pessoas, suas andanças e mudanças, desejos, esperanças, desilusões. Uma vida muito dura, penosa, mas enfrentada com vigor e resignação. Emocionalmente nos transportamos para um universo psíquico, que requer um equilíbrio precário e difícil, como fator de sobrevivência, para além das circunstâncias materiais propriamente ditas. Quem nos conta sua vida no cotidiano é o próprio personagem, na narrativa descritiva e também reflexiva de seu suposto diário, escrito em linguagem simples, mas nem por isso menos elaborada, enquanto dimensão humana. Os diretores-roteiristas João Dumans e Affonso Uchoa evitaram a intelectualização da escrita, mas a deixaram consistente e profunda. Detalhada demais para a situação, talvez. É essa narrativa simples e forte que conquista o jovem leitor, que vive no mesmo ambiente e nas mesmas condições de penúria e vulnerabilidade. “Arábia” é um nome estranho à narrativa do filme. Refere-se apenas a uma piada contada no bar, que ilustra uma percepção simplista de uma situação inusitada, essa, sim, ligada ao contexto árabe. Mas é um título que esconde o que é o filme. Grande vencedor do Festival de Brasília 2017, premiado como Melhor Filme, Ator, Montagem, Trilha Sonora e vencedor do Prêmio da Crítica, foi também bem recebido e premiado em muitos outros festivais internacionais, especialmente em competições latino-americanas.
Longa mineiro Arábia vence o Festival de Brasília 2017
O 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro entregou seus prêmios na noite de domingo (24/9) e o grande vencedor foi o longa-metragem “Arábia”, da dupla mineira Affonso Uchoa e João Dumans, premiado como Melhor Filme, Ator (Aristides de Sousa), Montagem e Trilha Sonora pelo Júri Oficial, além do Prêmio da Crítica (Abraccine). Já o público preferiu “Café com Canela”, que também recebeu os troféus de Melhor Roteiro e Melhor Atriz (Valdinéia Soriano). “Arábia” já tinha sido passado por festivais internacionais, como Amsterdã, San Sebastian, Cartagena e IndieLisboa. Ainda sem previsão de estreia em circuito comercial, o longa acompanha Cristiano (Aristides de Souza), um jovem da periferia de Contagem (MG) que chega a Ouro Preto para trabalhar numa siderúrgica e acaba se envolvendo em um acidente de trabalho. Sua história é contada num grande flashback, por meio de um diário onde deixou relatos de dez anos de vida, desilusões, desencontros, paixões e andanças. O longa foi o segundo trabalho de Aristides de Souza no cinema, após “A Vizinhança do Tigre” (2016), também estreia do diretor Affonso Uchoa. “Café com Canela” transborda as vivências culturais do Recôncavo baiano, onde os dois diretores estreantes, Ary Rosa e Glenda Nicácio, moram há sete anos. A trama gira em torno do reencontro entre Margarida (Valdineia Soriano) e Violeta (Aline Brune), duas mulheres negras que têm suas vidas marcadas pelo luto. Eleita Melhor Atriz, Valdineia integra o Bando de Teatro Olodum desde a fundação do grupo, nos anos 1990. Adirley Queirós venceu o troféu Candango de Melhor Direção por “Era Uma Vez Brasília”, longa também premiado pela Fotografia e Som. Os prêmios de Melhor Atriz Coadjuvante e Ator Coadjuvante ficaram com Jai Baptista (“Vazante”) e Alexandre Sena (“O Nó do Diabo”). Confira abaixo lista dos principais prêmios da noite. Vencedores do Festival de Brasília 2017 Longas Filme: “Arábia” Melhor Direção: Adirley Queirós (“Era uma Vez Brasília”) Melhor Ator: Aristides de Sousa (“Arábia”) Melhor Atriz: Valdinéia Soriano (“Café com Canela”) Melhor Ator Coadjuvante: Alexandre Sena (“Nó do Diabo”) Melhor Atriz Coadjuvante: Jai Baptista (“Vazante”) Melhor Roteiro: Ary Rosa (“Café com Canela”) Melhor Fotografia: Joana Pimenta (“Era uma vez Brasília”) Melhor Direção de Arte: Valdy Lopes JN (“Vazante”) Melhor Trilha Sonora: Francisco Cesar e Cristopher Mack (“Arábia”) Melhor Som: Guile Martins, Daniel Turini e Fernando Henna (“Era uma Vez Brasília”) Melhor Montagem: Luiz Pretti e Rodrigo Lima (“Arábia”) Prêmio Especial do Júri: Melhor Ator Social para Emelyn Fischer (“Música para quando as Luzes se apagam”) Prêmio do Júri Popular: “Café com Canela” Curtas Melhor Filme: “Tentei” Melhor Direção: Irmãos Carvalho (“Chico”) Melhor Ator: Marcus Curvelo (“Mamata”) Melhor Atriz: Patricia Saravy (“Tentei”) Melhor Roteiro: Ananda Radhika (“Peripatético”) Melhor Fotografia: Renata Corrêa (“Tentei”) Melhor Direção de Arte: Pedro Franz e Rafael Coutinho (“Torre”) Melhor Trilha Sonora: Marlon Trindade (“Nada”) Melhor Som: Gustavo Andrade (“Chico”) Melhor Montagem: Amanda Devulsky e Marcus Curvelo (“Mamata”) Prêmio Especial do Júri: “Peripatético” Prêmio do Júri Popular: “Carneiro de ouro”

